Resumo
“Bom, o tema não é simples”, adverte a jornalista sueca Anna Sjögren, iniciando o raciocínio.
“Não é tão fácil dizer que estamos manejando bem a pandemia. Se olhamos os números de mortos e infectados comparados aos nossos vizinhos, nós vamos muito pior que eles”.
Anna reside em Estocolmo – a capital sueca e epicentro do coronavírus no país -, e trabalha no tabloide Aftonbladet, um dos mais conhecidos localmente. Atualmente, participa da cobertura do noticiário e do gerenciamento de uma ferramenta na qual os leitores podem enviar perguntas sobre a Covid-19, uma espécie de “tudo sobre o corona”.
“Na minha opinião, a Suécia está certa na sua estratégia de não fechar tudo e tratar de que as pessoas adotem as regras de distanciamento social, mas ao mesmo tempo creio que alguns críticos estão certos ao dizer que as autoridades reagiram um pouco tarde”, conta a jornalista.
“Não limitamos a quantidade de gente que podia se reunir, somente [limitaram] umas semanas depois de outros países nórdicos. E também temos um problema grande que, segundo relatos, muitos dos que trabalham cuidando dos anciãos não têm tido material para proteção e, por isso, o vírus os atingiu mais facilmente”, complementa.
A reação tardia das autoridades suecas provocou fortes contestações internas, sobretudo em função das taxas elevadas de mortos e infectados em comparação aos vizinhos nórdicos. Em abril, um grupo de 22 especialistas – incluindo médicos imunologistas e virologistas e professores universitários das mais prestigiadas universidades do país -, publicou um artigo em um site local afirmando publicamente que “com funcionários sem talento para limitar ou prever a pandemia (as autoridades de saúde), os eleitos (políticos) deveriam intervir com medidas rápidas e radicais”.
A manifestação comparava a taxa de mortes do país com os da Itália até então e, sobretudo, com os vizinhos escandinavos. O texto fez menção ainda ao despreparo do governo para lidar com o tema, apontando a demora na compra dos equipamentos necessários e a ausência de ações para reduzir o número de profissionais da saúde infectados – o índice teria ultrapassado a casa dos 20%.
As estratégias adotadas, portanto, estão longe de um consenso entre os especialistas locais.
“Mas não temos acertado em tudo. Não tem sido um exemplo perfeito, pois mostra deficiências na saúde pública e no gerenciamento de crise das autoridades. E o fato de termos tido paz por muito tempo faz com que a gente não tenha uma lei de crise que permita ao governo tomar decisões rápidas de fechar espaços públicos, negócios e infraestrutura”, relata Anna.
A Suécia entrou no debate público brasileiro após o presidente Jair Bolsonaro ter declarado, em uma reunião com empresários, que por sua vontade “quase nada teria sido fechado, a exemplo da Suécia”, além de ter utilizado o país escandinavo como uma espécie de modelo em declarações à imprensa.
Não é novidade que o presidente brasileiro é um entusiasta do isolamento vertical, com o objetivo de abrir setores da economia e isolando apenas os mais vulneráveis – a exemplo dos idosos -, sob o pretexto de, sobretudo, não gerar perda de empregos e porque pessoas com fome também morreriam, esquecendo-se do papel central de um governo que é de proteger os mais vulneráveis. Em resumo, uma dicotomia rasa entre “economia x saúde”.
Os números de mortos e infectados pelo novo coronavírus na Suécia, além do noticiário econômico, são pouco animadores.
De acordo com o monitoramento do John Hopkins, a Suécia acumulava 3.925 mortes e 32.809 infectados até o fechamento desta reportagem . Os números seguem bem superiores aos das vizinhas Noruega (235 mortes e 8.322 infectados), Dinamarca (561 mortes e 11.428 infectados) e Finlândia (306 mortes e 6.537 infectados).
A Finlândia, que apresenta o menor número de infectados entre os escandinavos, foi quem mais endureceu a luta contra o coronavírus, seguindo o exemplo de boa parte dos países pelo mundo.Restaurantes, escolas e cafés foram fechados. E o presidente Sauli Niniistö explicou o porquê. Em entrevista a um site sueco, o líder finlandês pontuou que não se pode recomendar que as pessoas não saiam e comam se os restaurantes estiverem abertos.
“Há críticas contra nossa agência de saúde pública que está à frente da estratégia”, revela Anna. “A análise oficial até agora dos mortos é que o vírus entrou nos asilos e nas residências dos anciões que recebem auxílio”.
As estratégias de combate à pandemia na Suécia estão a cargo da Autoridade Nacional de Saúde Pública (Folkhälsomyndigheten, em sueco), uma agência vinculada ao Ministério da Saúde do país, mas sem participação direta do corpo político (executivo ou parlamentares). Há uma espécie de controle indireto das ações. Em uma decisão interna, a agência escolheu o epidemiologista Anders Tegnell como o responsável por guiar as ações do país.
A decisão tomada pelas autoridades responsáveis considerou que um lockdown total não era o caminho ideal. O país manteve abertos restaurantes, bares e lojas. Academias também têm sido frequentadas. A economia nacional, dependente em boa parte do comércio e dos serviços, poderia sofrer efeitos pesados com um lockdown.
Atualmente, o país adota medidas para mitigar os efeitos da pandemia do coronavírus, como a proibição das visitas de familiares aos asilos, imposição de regras para restaurantes e lojas, proibição de viagens para o país e encontros públicos com mais de 50 pessoas.
“Em uma enquete oficial diz que 70% dos suecos depositam confiança na Agência de Saúde Pública, mas eu e meus colegas notamos muitas dúvidas”, revela Anna.
Críticas da vizinhança
A postura adotada pela Suécia tem proporcionado muitas pancadas entre os vizinhos e na europa de um modo geral.
Tegnell precisou enfrentar uma entrevista dura na BBC World Service, divulgada nessa segunda (18). Durante a conversa, o epidemiologista sueco chegou a estimar uma porcentagem da população infectada, apontando para as perspectivas a longo prazo. O entrevistador o questionou de pronto, ironicamente, se a imunidade de rebanho estava entre os objetivos ou não. Tegnell negou.
Desde o início dos trabalhos, as autoridades da Suécia tratam de afastar a tentativa de imunidade de rebanho, estratégia que consiste basicamente em deixar o vírus se espalhar em boa parte da população, a fim de se criar anticorpos e frear a circulação do agente infeccioso.
Não existe ainda nenhuma comprovação científica de que uma pessoa não possa se infectar novamente, e o panorama apresentado pela Agência de Saúde Pública nessa quarta-feira (20) não foi animador. Em uma pesquisa amostral realizada em diversos pontos do país, com data de referência para o mês de abril, observou-se uma taxa de 7,3% de pessoas com anticorpos em Estocolmo. Percentuais muito distantes da base de 70% necessária e apontada pelos especialistas para a imunidade de rebanho.
Em abril, o epidemiologista norueguês Frode Forland – o equivalente de Anders Tegnell na Noruega – alertou para os perigos de se aguardar por uma propagação controlada e chegou a afirmar que Johan Giesecke, um dos médicos na linha de frente das ações suecas, deveria ser mais humilde.
O perfil da pandemia na Suécia
Uma ferramenta disponibilizada pela Agência Nacional de Saúde da Suécia apresenta um panorama do avanço da Covid-19 no país. A capital Estocolmo concentra a maior quantidade de casos no país, puxando as incidências mais fortemente para as regiões sul e sudeste. O norte tem sido menos afetado até o momento, mas a região de Jämtland Härjedalen já desperta atenção.
“A análise oficial até agora dos mortos é que o vírus entrou nos asilos e nas residências dos anciões que recebem auxílio”, revela a jornalista.
Uma análise preliminar dos dados revela que há 42% a mais de mulheres infectadas em relação aos homens. Por faixa etária de idade, há maior concentração nos grupos dos 50 aos 59 anos, 80 a 89 anos e 40 a 49 anos. Em relação aos óbitos, 88% ocorrem no grupo etário a partir de 70 anos. As tabelas revelam claramente um equilíbrio maior nas faixas etárias entre os infectados, e uma concentração maior das mortes entre os mais velhos.
Na quinta-feira (21), o portal sueco Dagens Nyheter publicou uma alarmante matéria sobre o perigo a que estão expostos os idosos. Em Gotemburgo, importante cidade portuária do país, 54 dos 78 funcionários de um asilo estavam em licença médica, e muitos dos idosos foram mortos pela Covid-19.
O papel da imprensa e a (mesma) luta contra as fake news
Os meios de comunicação podem desempenhar um papel-chave durante a pandemia. Uma fonte diária de informação e prestação de serviço à disposição da população. Entrevistas com especialistas podem ajudar no aumento dos cuidados com a prevenção, atualização dos números de interesse público relacionados à doença, fiscalização dos poderes que podem levar a correção dos trabalhos.
Na Suécia, Anna diz ter observado um aumento da confiança do público em relação aos meios de comunicação.
“Eu diria que os veículos trataram de entender a estratégia que o país tem adotado, e sentimos a responsabilidade de ajudar as pessoas a atuarem responsavelmente e segundo as recomendações. Da mesma forma, tratamos de fazer as perguntas críticas sobre os números de mortos. Mas o trabalho é intenso e sinto que não há sempre esse tempo para investigar bem, já que sai tanta informação nova todo o tempo”, afirma.
Um ponto em comum entre os meios de comunicação dos dois países é a batalha contra as fake news. Boatos tomam conta das redes sociais difundindo métodos supostamente infalíveis de cura. Embora não existam em larga escala, circularam informações falsas de que bebidas quentes ajudam na cura do novo cororavírus. Um atrativo e tanto para um país com média de baixas temperaturas.
Anna revela que nas coletivas de imprensa diárias o governo faz alertas à população para não cair em notícias falsas, mas comete deslizes ao indicar os sites das autoridades públicas como fonte de informação, esquecendo-se da imprensa.
“Isto me provoca um pouco porque há muitos veículos fazendo um trabalho muito importante na difusão de informações que as autoridades não alcançam. E com um olhar crítico também”, pontua.
Esta é a primeira parte de duas reportagens especiais preparadas pela Mídia Caeté sobre a Suécia. Na segunda parte, um estudante universitário conta como está a rotina nas ruas e dados sobre o mercado de trabalho e economia serão apresentados.