Visita de Bolsonaro a Maceió serve de palanque e incita aglomerações

Bolsonaristas, incluindo parlamentares, se mobilizam nas redes sociais para marcar presença

Após adiar a vinda que seria há uma semana, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) estará em Maceió para uma agenda de inaugurações de obras. Com o prefeito João Henrique Caldas, o JHC (PSB), haverá a entrega de 500 unidades habitacionais no Benedito Bentes. O Ministério do Desenvolvimento Regional investiu R$40 milhões no residencial por meio do Programa Casa Verde e Amarela. A versão do atual governo para o Minha Casa, Minha Vida.

Além disso, serão inaugurados o viaduto da Polícia Rodoviária Federal, juntamente com Tarcísio Gomes de Freitas, o ministro da Infraestrutura que estava na garupa da moto pilotada por Bolsonaro, no último dia 8, ambos sem capacete. A obra também teve participação do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), desafeto recente de Jair, que não deve comparecer. 

Ontem, 12, o senador Flávio Bolsonaro chamou o relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros (MDB), de “vagabundo”. “Vagabundo é você, que rouba dinheiro do seu gabinete” foi a resposta ao filho do presidente investigado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Mas, o que fica do embate foi o presidente da República compartilhando o vídeo do filho quebrando o decoro na sessão. 

Bolsonaro tuíta vídeo com filho Flávio (Republicanos-RJ) chamando Renan Calheiros de “vagabundo” | imagem: reprodução da internet

“Com mais de 10 inquéritos no STF, Renan tem moral para querer prender alguém?”, tuitou o presidente junto ao vídeo do momento da fala do seu filho. Antes, Bolsonaro também havia atacado os Calheiros ao dizer em uma de suas lives que, se investigasse Renan Filho, resolveria o problema de desvio de verbas. 

Durante sua passagem pelo estado de Alagoas, Bolsonaro usará o Exército como segurança ao invés da Polícia Militar do Estado, o padrão nessas ocasiões. Com isso, não contará com a presença do governador emedebista.

Em São José da Tapera, a inauguração do Trecho IV do Canal do Sertão Alagoano é o motivo da visita.

A importância das obras é algo inquestionável, mas cerimônias de inauguração são absolutamente dispensáveis. É marketing, é campanha, é um afago à própria imagem, principalmente quando os recursos federais foram liberados por governos anteriores (Dilma e Temer). E, mais do que isso, em meio a uma pandemia é algo completamente dispensável por produzir aglomerações sem razão relevante. 

Mas parece ser esse o objetivo de agentes públicos descompromissados com a vida e a saúde do povo. 

Os presentes

Além do cicerone JHC, o vereador Leonardo Dias (PSD) e o deputado Cabo Bebeto (PTC) – que pretende conceder o título de cidadão alagoano ao presidente – orquestram uma aglomeração estimada em torno de 5.000 pessoas para recepcionar Bolsonaro e mostrar sua popularidade.

Collor (PROS), que tem cada vez mais se aproximado do presidente; Arthur Lira (PP), presidente da Câmara eleito com base no apoio a Bolsonaro; e o pecuarista Marcelo Victor (SOLIDARIEDADE) são outros políticos que devem marcar presença.

É bem verdade que toda aglomeração significa um maior número de leitos ocupados, independente de quem as realiza. Mas, autoridades que deveriam trabalhar pelo direito à saúde da população – principalmente o presidente – deveriam seguir o proposto na Constituição Federal em seu artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Não garantir vacinas de modo hábil e recomendar irresponsavelmente cloroquina são exemplos do desrespeito à função. Em suas visitas a outras cidades (em Brasília também, é verdade), Bolsonaro aglomera e raramente usa máscara. E tem deixado seu rastro por onde passa.

Rastro de Morte

Um exemplo é o Acre, que teve uma representação pública encaminhada pelos procuradores do estado após a visita do presidente a Rio Branco e outras cidades. Após 15 dias das aglomerações promovidas pelo presidente da República, a cidade teve aumento no número de casos de Covid-19.

“O cenário de superlotação de leitos (acima de 80%) foi verificado na primeira semana de março – poucos dias após a visita da comitiva presidencial. Não é necessário qualquer tipo de raciocínio avançado para perceber que a ação dos representados ignorou totalmente as medidas destinadas a mitigar a pandemia” – disseram procuradores do Acre em trecho da representação contra Bolsonaro.

Bolsonaro | imagem: reprodução da TV Brasil

Ainda de acordo com o documento encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), o número de leitos de UTI ocupados dia 22 de fevereiro – dois dias antes da visita do presidente – eram de 94 (88,7% do total) e, no dia 8 de março, quinze dias após as aglomerações promovidas por Bolsonaro, a ocupação subiu para 102 de 106 leitos totais (96,2% de ocupação). No caso dos leitos clínicos, a ocupação subiu de 160 (de um total de 200) para 201 – houve a criação de 20 novos leitos até esta data.

Outras localidades como Cascavel (PR), Boqueirão (PB) e Uberlândia (MG), por exemplo, também demonstraram aumento no número de casos e mortes. Em Tianguá (CE), quinze dias após a visita presidencial, não possuía mais vagas em leitos e pacientes tinham que ser transferidos para Sobral – que alcançou a lotação máxima no período. 

Nossos próprios erros

Sem precisar sair de Alagoas, temos o exemplo das aglomerações geradas durante o período eleitoral no ao passado. O Estado se encontrava na fase azul no mês de setembro. Em todos os municípios, a pandemia simplesmente era assunto que não recebia a devida importância e perdia espaço em meio as aglomerações geradas por candidatos.

No dia 29 de setembro, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) divulgou relatório com 156 novos casos e cinco mortes. A taxa de ocupação de leitos de pacientes com confirmação ou suspeita de Covid-19 era de 18%. Em leitos de UTI, a ocupação era de 35%.

Em 13 de outubro, Alagoas confirmou 74 casos e sete mortes. A ocupação dos leitos estava em 21%, 36% considerando apenas casos de UTI.

Já no dia 13 de dezembro, quatorze dias após o segundo turno, 28 dias depois do primeiro, tivemos 435 novos casos e quatro mortes. Os leitos para o novo coronavírus estavam com 40% da capacidade ocupada. Um dia antes, a ocupação das UTIS era de 53%.

A média móvel, segundo o consórcio de veículos de imprensa, teve alta de 22%. A taxa de mortes, que apresentava queda desde 20 de outubro, estabilizou e, em seguida, voltou a subir.

O cenário da visita presidencial

No boletim dessa última quarta-feira, 12, o estado confirmou 684 novos casos e 16 mortes. Contexto visivelmente pior. A ocupação dos leitos destinados a pacientes confirmados ou suspeitos de Covid-19 corresponde a 46%. Considerando apenas leitos de UTI, a taxa de ocupação é de 74%. Entre os mortos, uma mulher de 49 anos em Maceió e um homem de 30 anos em Satuba, ambos sem comorbidades.

Apesar disso, diferente de setembro do ano passado, estamos com teatros e cinemas voltando a funcionar e escolas com aulas presenciais no sistema híbrido. E estamos na fase vermelha.

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