Vítimas da Braskem calculam que indenização mínima por pessoa deveria ser de R$ 200 mil

Moradores e ex-moradores de bairros atingidos reivindicam protagonismo das vítimas nas decisões e devida responsabilização da empresa
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Lideranças de movimentos de vítimas da Braskem realizaram a leitura de uma carta aberta para a população de Maceió em que reivindicam a devida responsabilização da empresa, calculando o pagamento de pelo menos R$ 200 mil em indenização para cada morador, trabalhador ou empreendedor dos bairros atingidos diretamente pela mineração da empresa. Durante a transmissão realizada através de canal no youtube, nesta segunda-feira, 15, as vítimas reforçam a ausência de protagonismo nas decisões e a legitimação de uma sequência de violações por órgãos públicos em meio as tratativas com a Braskem.

A live foi realizada pelo Movimento Unificado de Vítimas da Braskem e pela Associação de Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió, sendo conduzida pelos integrantes dos movimentos, incluindo dos Flexais, Alexandre Sampaio, Neirevane Nunes, Cássio Araújo, Valdemir Alves e Maurício Sarmento.

A carta iniciou atualizando as últimas movimentações em torno da busca por direitos, incluindo o encaminhamento realizado após a audiência pública ocorrida no Senado Federal, no último 8 de maio, rememorando que o senador Renan Calheiros solicitou providências do Tribunal de Contas da União (TCU) e a Comissão de Valores Imobiliários (CVM). Também foi formada uma Comissão Externa sobre o colapso do solo em Alagoas, na Câmara Federal.

Os realizadores do evento informaram que, em meio a estudos jurídicos, entre legislações nacionais e internacionais, constataram que a indenização devida pela empresa para cada uma das pessoas diretamente afetadas estaria calculada em torno de R$ 200 mil por pessoa, em danos material e moral. Hoje a empresa decidiu que pagaria apenas R$ 40 mil por residência.

CLIQUE AQUI E LEIA A CARTA ABERTA NA ÍNTEGRA

A disparidade no valor das indenizações é, para as vítimas, também uma materialização de toda uma ausência de responsabilização à empresa, cuja mineração provocou afundamento do solo atingindo diretamente pelo menos cinco bairros em Maceió. Foi o início de uma jornada exaustiva por parte das vítimas, que constantemente denunciam serem afastadas de todos os processos decisórios em relação ao reparo dos danos causados.

O procurador do trabalho Cássio Araújo, morador há 50 anos do Pinheiro, ressaltou como vem se dado essa relação. “Foram feitos vários acordos envolvendo Ministérios Públicos, e Defensorias Públicas. Esses acordos não levaram em conta a centralidade dos problemas das vítimas, o ponto de vista das vítimas, e tampouco a participação real. No conceito jurídico de participação, não basta realizar audiência ou reunião, as vítimas colocarem as dores e anseios, e quando fecham a porta, fazem exatamente o contrário do que elas desejavam. Isso não é participação”.

Araújo acrescentou o papel dos órgãos em meio às negociações que foram feitas pela empresa, com constante ausência “Participar é intervir no processo, inclusive nos processos decisórios. Ministério Público e Defensoria são meros legitimados para defender interesses das vítimas, mas não decidir por elas”, comenta.

Neste sentido, citou a decisão entendida como aberrante em que os órgãos legitimaram que que a empresa pagasse R$ 25 mil por núcleo familiar entre os atingidos nos Flexais. “Não há direito que respalde isso. Sinto muito”, disse. “Parece-nos que faltou empenho e pesquisa maior na busca de uma solução mais justa que busque o central: indenização justa. E indenização justa seria permitir que saiamos das casas, e que consigamos refazer a vida em condições mínimas que tínhamos, o que não vem acontecendo”.

Moradora do Bebedouro há mais de 40 anos, a bióloga e professora Neirevane Nunes relatou que tem percorrido as mobilizações desde o início das buscas por reparação, de modo a visibilizar a série de violações que seguem acontecendo em meio ao processo. “Observamos as instituições que deveriam garantir estes direitos – individuais e coletivos – formalizando uma situação de violação permanente de direito. É isso o que vemos e precisamos nos levantar contra isso”.

Neirevane evidencia as dificuldades enfrentadas por moradores também dos Flexais, Vila Saem, Bom Parto, e outras áreas. “São situações de isolamento socioeconômico que levam à condição total de vulnerabilidade e miserabilidade, com empobrecimento progressivo da população”, citou. “É uma mudança total na dinâmica de vida, com adoecimento progressivo da população, e a Braskem não reconhece os laudos médicos apresentados. Danos à saúde física e psicológica não estão sendo levados em conta”.

“Nenhum princípio foi respeitado”

Os moradores destacam a pactuações internacionais e nacionais de Direitos Humanos, nas quais o Brasil é signatário e, portanto, obrigado a seguir, de modo que os órgãos deveriam ter sido norteados por estes princípios.

Entre eles, são citados: Princípio do Respeito a Abordagem baseada em Direitos Humanos e Princípio da Reconstrução Melhor,; Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Princípio da Reparação Integral, Princípio da Centralidade do Sofrimento da Vítima; Princípios e Regras do Direito do Consumidor, Princípio da vítima de Desastre Ambiental, Antropológico, como Consumidores Equiparados; além de Princípios do Direito Ambiental, como Precaução, Poluidor Pagador e Participação Comunitária.

O procurador do trabalho evidenciou que os princípios deveriam ter sido considerados pela Braskem, o que não foi feito. No que diz respeito ao Princípio da Reconstrução Melhor, ressaltam o direito das vítimas de desastre natural ou provocado de superarem a condição de vida que estavam antes. “No caso de um desastre provocado pelo homem, antropogênico ou tecnológico, como foi este o caso, até porque ela auferiu lucro – e lucros bilionários com este desastre – tem obrigação de não apenas dar migalhas ou oferecer quantitativos mínimos, como vem acontecendo normalmente. Uma indenização de dano moral de 40 mil reais por imóvel é totalmente fora da realidade e insuficiente para aplacara uma dor”.

Ainda segundo Cássio Araújo, o valor também foi indevido no que diz respeito aos danos materiais. “O quantitativo de dano material também é insuficiente para se adquirir residências numa condição no mínimo igual a que se morava, porque toda região atingida é numa área nobre da cidade, perto do Centro, das praias, tem a vista da lagoa que é algo impagável. Esses documentos internacionais, aprovados pela ONU com seus órgãos, obrigam o Brasil que siga esses princípios, o que não vem acontecendo”.

Crime

A ausência de responsabilização da Braskem é reiterada pelas vítimas também a partir da própria dificuldade na identificação do desastre ambiental provocado pela empresa na categoria de um crime.

Neste sentido, Neirevane Nunes elucida algumas destas definições. “Apesar de não responder criminalmente pelo que fez, que deveria estar, a empresa é infratora, como diz o doutor Cássio. Ela agiu de forma consciente porque todos sabiam do risco sobre a forma como estava minerando. Houve omissão e conivência completa dos órgãos de fiscalização do poder público, do IMA, que é o órgão responsável pela fiscalização e licenciamento da Braskem. Segundo a legislação ambiental brasileira, ela é infratora. O que ela promoveu e está promovendo em Maceió configura como crime ambiental”.

Apesar disso, Nunes ressalta que, além da impunidade, outros termos são atribuídos a empresa. “São cinco anos que a empresa se coloca como grande colaboradora do poder público e das autoridades, em uma situacão muito confortável tanto aqui, como lá fora, vendendo imagem de empresa sustentável, comprometida com desenvolvimento social e ambiental, quando na verdade é uma das maiores infratoras ambientais do mundo
e tem que responder criminalmente”.

Por outro lado, segundo os moradores, quem tem sido prejudicado – inclusive com processos – são as próprias vítimas. “Em relação aos moradores, eles forçam a saída. Além e processos, forçam todos os que resistem permanecendo em suas casas por indenização justa. Seja cortando energia pela Equatorial, seja no corte de serviços de internet e telefone. Agem de várias formas forçando a saída do morador, quando eles estão no direito de lutar por suas indenizações justas. Se no início tivéssemos orientação sobre tudo isso, muitas famílias só teriam saído com indenização no bolso. Não era para ninguém ter saído de suas casas sem ter recebido sua indenização devida”.

Indenização

Para as vítimas, as indenizações justas passaram longe de serem efetivadas, se considerados os cálculos apresentados na carta. Calculando os R$ 3,5 bilhões de pagamento anunciados pela Braskem em indenização, girando uma média total de cerca de R$ 208 mil por residência, considerando a redução de valores como os R$ 40 mil de danos morais, 5% de advogados, 18 meses de auxílio aluguel a R$ 1 mil, adiantamento de R$ 5 mil e 10% de indenização para despesas cartorárias, restaria o total de R$ 114 mil por móvel destruído.

Neste sentido, ressaltam os prejuízos das vítimas forçadas a morar em lugares mais distantes, precários,  e até mesmo em outros municípios. “Levando em conta estimativas para saldar de modo digno, a Braskem teria que dispensar pelo ano material a importância mínima de R$ 12, 5 bilhões, e não R$ 3,5 só a título de dano material”, acrescentou Sampaio, na leitura da Carta. Já os danos imateriais é refletido a partir de resoluções do CNJ e STF sobre tratados internacionais e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que fixa danos materiais diretos entre 40 e 80 mil dólares por pessoa, representando o mínimo de 200 mil reais por pessoa.

A leitura da carta, acrescida destas explicações, foi realizada ao vivo no canal e ainda pode ser visualizada no link:

https://www.youtube.com/live/YFFJUQUdhyY?feature=share

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