“Eu sei que, até na luta LGBTQPIA+, as conquistas das mulheres vêm com mais dificuldade. Por isso, me senti tão honrada e privilegiada de ser celebrante de um momento novo e histórico dentro da tradição de igrejas batistas no Brasil”.
Com essas palavras ditas à Universa, do portal Uol, a pastora Odja Barros definiu o marco de amor, respeito e igualdade do qual participou no último dia 11 de dezembro. A pastora da Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, celebrou – pela primeira vez – um casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A cerimônia foi uma das primeiras realizadas por pastores batistas no país celebrando a união de duas mulheres. Essa ramificação é conhecida por ser uma das mais tradicionais e conservadoras entre as igrejas evangélicas, que já teve outros matrimônios entre pessoas LGBTQPIA+, mas esse foi o primeiro conduzido por uma mulher.
O que era pra ser um momento único e disruptivo acabou trazendo consequências que expõem todo o preconceito, a intolerância e o Fundamentalismo Religioso que permeia a sociedade alagoana e brasileira. A pastora Odja foi alvo de ameaças de morte nesta terça-feira (13).
A intimidação foi feita através do Instagram onde o criminoso enviou imagens de armas, áudios e mensagens ameaçando disparar cinco tiros na cabeça da pastora, além de afirmar que estava monitorando a sua família.
“Minha mãe é a pastora Odja Barros, doutora e teóloga feminista há mais de 20 anos. Desde a veiculação da notícia de que celebrou um casamento homoafetivo, vem sofrendo uma enxurrada de ameaças no seu Instagram. O ódio religioso é terrível!”, comentou Alana Barros, filha da pastora, no Twitter.
A pastora Odja Barros procurou a polícia e registrou um Boletim de Ocorrência (BO), bem como foi à Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), ainda durante o dia de ontem.
“Conversamos com policiais e advogados que são membros da igreja. Eles me orientaram a fazer a denúncia formal e estamos procedendo com essa seriedade, até para cobrar e visibilizar esse tipo de intolerância, que envolve ódio, homofobia e misoginia. Isso é claro nas mensagens, ele me ofende na minha posição de mulher, pastora e teóloga. São mensagens ofensivas e absurdas, coisa terríveis”, disse Odja ao portal Gazetaweb.
A ASCENSÃO CONSERVADORA E O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO
O crescimento exponencial de igrejas evangélicas tem consolidado a guinada conservadora e, consequentemente, contribuído para o aumento de fiéis pelo Brasil. Segundo pesquisa do Instituto DataFolha, realizada em 2020, os evangélicos já representam 31% da população brasileira.
O problema, no entanto, não está no credo das pessoas e sim no âmago do fundamentalismo, onde qualquer pessoa que tenha uma visão oposta torna-se uma inimiga. Como bem expõe um texto assinado pelo professor Waldir Augusti e pelo Padre Ticão para o blog Diálogos da Fé, da Carta Capital.
“Para os fundamentalistas, qualquer pessoa que pense ou se expresse de modo diferente ao por eles apregoados, passam a ser identificadas como inimigas ou, quando não, como alguém que exige um trabalho intenso de ‘conversão’. Daí uma dedução pode ser extraída: na medida em que a convivência com o diferente e o aprender com a experiência religiosa do outro não é admitida, o estímulo ao ódio está implantado tendo como argumento fundante a pretensão de serem eles, os fundamentalistas, os donos da verdade considerada absoluta e que fora dela não pode haver salvação”, diz um trecho do texto.
Outro fato que representa bem essa ascensão é a confirmação do ministro “terrivelmente evangélico” no Supremo Tribunal Federal (STF), como prometeu o presidente Jair Bolsonaro (PL). André Mendonça – ex-advogado-geral da União e ministro da Justiça e Segurança Pública de 2020 a 2021 – assumirá a vaga na corte, após a aposentadoria de Marco Aurélio Mello.
“A confirmação do ‘terrivelmente evangélico’ André Mendonça para vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) evidencia que o projeto de poder nacionalista cristão caminha agora em alta e periculosa velocidade no Brasil. No entanto, ele vem, em ritmo lento e sutil, sendo desejado e amadurecido há anos”, pontua o teólogo e colunista do portal UOL, Ronilso Pacheco, em um texto do dia 08 de dezembro.
ALAGOAS E A INTOLERÂNCIA CONTRA A COMUNIDADE LGBTQPIA+
Dados do último relatório do Observatório das Mortes Violentas de LGBTI+, em 2020, apontam que 237 LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) tiveram morte violenta no Brasil, sendo vítimas da homotransfobia – 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%).
Porém, um outro número serve ainda mais de alerta. Segundo o relatório, nesse contexto, Alagoas desponta como o Estado mais violento do NE e do BR, acumulando 4,8 mortes para cada um milhão de habitantes.
O risco de uma LGBT+ ser assassinada em Alagoas é 6 vezes maior do que em Santa Catarina – Estado que computou mais votos em Jair Bolsonaro nas eleições 2018. Já os municípios de Rio Largo e São José da Laje tiveram a mesma incidência de crimes letais de sete capitais pelo país.
Em depoimento para Mídia Caeté, em reportagem de setembro deste ano, o secretário-geral e gestor de Recursos Humanos do Centro de Acolhimento Ezequias Rocha Rego (CAERR), Carlos Eduardo Vicente de Lima, afirmou que a mídia e outros mecanismos perpetuam a intolerância e preconceito. O CAERR é a 1ª casa de acolhimento a população LGBTQPIA+ de Alagoas.
“Sim [a mídia tem participação], inclusive, por alguns comentários maldosos e repletos de ignorância e, por outro lado, pela não exposição didática das raízes causais que geram a violência contra LGBTs. Saliento que precisamos visualizar que a problemática social supracitada surge da mesma raiz que a misoginia intrínseca, onde há hipervalorização das características masculinas e quem se encontra fora desse padrão pode ser inferiorizado, maltratado e morto”, comenta.