Uma determinação do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA-AL) e do Conselho Estadual de Proteção Ambiental (CEPRAM) reafirmou que a Braskem será, de fato, proprietária dos bairros destruídos pela mineração. O documento trata-se de uma condicionante para licença de operação e exige que a mineradora construa, nos bairros destruídos pela extração de sal-gema, uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN). Para ex-moradores, especialistas e ativistas dos direitos à cidade, a orientação termina por legitimar o termo de acordo que deu posse à empresa sobre todos os imóveis desocupados em razão do afundamento de solo.
A publicação do Instituto junto à CEPRAM define que a finalidade do documento é proibir qualquer atividade comercial na área situada no mapa de risco. “O objetivo é permitir que a vegetação ocupe toda a área, criando, assim, uma unidade de conservação. A Braskem deve apresentar a proposta de criação da RPPN para análise e aprovação do IMA e do Conselho Estadual de Proteção Ambiental (Cepram)”, descreveu. A nota pode ser lida na íntegra clicando aqui.
Embora o documento tenha como foco o estabelecimento de limites de construção para a empresa, termina por ricochetear num outro efeito: reforçar que a Braskem será, realmente, dona dos imóveis do bairro destruídos pela própria ação da mineradora.
*Esta reportagem foi produzida pela Mídia Caeté a partir da Redação NE: uma parceria entre os portais de jornalismo independente Marco Zero Conteúdo, Olhos Jornalismo e Mídia Caeté.
A situação ocorre por duas razões, de acordo com especialistas ouvidos pela Redação Nordeste. Primeiramente, por dirigir a exigência à Braskem, levando à causadora do dano a responsabilidade sobre o projeto de reconstrução. Em segundo lugar, está a própria natureza de uma Reserva Particular, que se trata de uma unidade de conservação de domínio especificamente privado.
De acordo com o Instituto Água e Terra, embora não haja um recebimento direto de recurso financeiro de governo ou órgão ambiental, esta categoria permite a possibilidade de beneficiamento financeiro de três formas: “por conta da inscrição da área para recebimento de recursos provenientes do ICMS Ecológico por Biodiversidade, recurso este que é destinado ao município onde está inserida a RPPN; pela participação em Projetos de Pagamento por Serviços Ambientais e/ou pela isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR (Art. 8º Decreto Federal 5.746/2006) “
A arquiteta e urbanista Isadora Padilha, autora do livro “Rasgando a Cortina de Silêncios: o lado b da exploração do sal-gema de Maceió”, confirma e detalha o significado desta entrega: “Sim, a Braskem vai poder explorar comercialmente. Porque uma RPPN é privada. O uso é controlado pelo proprietário. Inclusive uma coisa importantíssima: acesso. Imagine que toda a parte construída com patrimônio da cidade fique sob esse controle. Claro, sejamos justos. Fica sob controle da posse, independente de RPPN”, explica.
Para o economista Elias Fragoso, autor do livro e também pesquisador de todo o caso Braskem, a decisão extrapola os limites da competência do órgão, diante da complexidade atual em que todo esse processo se encontra. “Essa iniciativa do IMA e do Conselho de Meio Ambiente do Estado é mais uma prova da incompetência, da falta de compromisso com as questões que estão girando em torno desse tema. É um absurdo isso. A Braskem não é dona dessa área, nem vai ser dona, nem pode ser dona. Isso seria o extremo do absurdo para qualquer cidade, para qualquer estado, entregar de mão beijada para uma empresa privada uma área que ela mesma destruiu”, reforça.
Procurado, o IMA informa que a exigência feita trata-se de uma condicionante para evitar o uso comercial do território, não sendo responsável, por si só, pelo fato de que a Braskem deterá a posse do imóvel, uma vez que a propriedade da Braskem sobre toda a área já havia sido documentada pelo termo de acordo assinado entre os Ministérios Públicos Estadual e Federal, a Defensoria Pública Estadual, e a Defensoria Pública da União.
A alegação, entretanto, não convenceu. Para Isadora Padilha, a decisão teve intenção política. “Trata-se de uma decisão política, porque isso teria que ser um projeto do poder público. Formatos jurídicos poderiam existir vários. Mas teria que ser encarado como algo pelo que o poder público lutasse para tornar realidade. Inserindo no Plano Diretor, por exemplo, no caso do município. Inserindo como medida reparatória do dano causado. Se o IMA exigiu a criação de uma RPPN, por que o estado não exige a entrega da área para uso público como medida de reparação do dano causado? Inclusive por ser na região lagunar, em uma boa parte pode ser vislumbrada a competência estadual, para além da municipal”, relata.
Acordos com a posse x pronunciamentos públicos: Aquele “dizer desdizendo”
O documento que define expressamente a Braskem como proprietária dos imóveis trata-se do Termo de Acordo para Apoio na Desocupação das Áreas de Risco. Na Cláusula Nona, por exemplo, o Termo já inicia retratando que: “Após assumir a posse dos imóveis a serem desocupados e dos que já estão desocupados…”.
Em reportagem produzida pela Marco Zero Conteúdo, que compõe a Redação Nordeste, foram esmiuçados detalhes do termo do acordo que confirma a propriedade da posse da empresa sobre toda a área desocupada. Leia a matéria clicando aqui
O termo de acordo na íntegra pode ser visualizado clicando aqui.
Apesar de todas as provas documentais, permanece uma resistência dos órgãos em admitir que a Braskem será dona daquela área. Seja em entrevistas à imprensa, seja em notas oficiais.
Assim, reportagem de agosto deste ano chegou a destrinchar como órgãos que formalizaram o acordo com a empresa chegaram a encaminhar notas públicas comunicando que a Braskem não teria autonomia para construção. Contrariando os títulos animadores, que conduziam leitores desavisados a pensar que a Braskem não teria todo este poder, o texto trazia – contraditoriamente – outra informação, abrindo esta possibilidade de construção da Braskem para o que desejasse – caso a área fosse estabilizada e, finalmente, houvesse permissão pelo Plano Diretor.
Em meio a todos os recentes acontecimentos, foi o anúncio do IMA que representou, portanto, um marco que confirma a posse da área sem, mais uma vez, ofertar qualquer alarde ao fato que de maior controvérsia.
“ É lamentável. Diria que essas pessoas estão descompromissadas com a realidade. Essa situação do IMA é uma questão legal, não é uma questão ambiental apenas. É questão de justiça. Se a Braskem tentar se tornar dona desse processo, dessa área, evidentemente que isso tem que ser muito combatido por todos, e não apenas pela questão ambiental. Na hora que se faz isso, é até de se perguntar o que tem por trás”, reflete Fragoso.
Contudo, a própria natureza da RPPN comunica a intenção estatal de tornar o território privado, de acordo com a pesquisadora Isadora Padilha. “Se o Estado estabelece essa criação de RPPN, ele fortalece uma lógica de reconhecer que a área de fato será privada – e abre mão de outra possibilidade ser estabelecida: a da área se tornar pública. Acho que essa é a questão mais importante. Foi o que a prefeitura fez: aceitou o acordo e ratificou a posse da área para a empresa. Abriu mão de estabelecer outra possibilidade para a área, no Plano Diretor, que fosse melhor para a cidade”.
Alternativas
A despeito de intenção de determinar a exigência de área verde no local onde os bairros foram atingidos, outras opções de formato são levantadas sem necessariamente colocar a Braskem enquanto proprietária. “ O poder público pode criar áreas de proteção. Inclusive ali ao lado tem uma Área de Proteção Ambiental (APA). Os Flexais fazem limite com a APA do Catolé. Incorporar à APA é uma possibilidade bastante plausível. Além disso, o Parque Municipal está bem ali também. E mais adiante o Horto do IBAMA. Ou seja: há possibilidades em qualquer uma das instâncias: municipal, estadual e federal”.