Iniciamos mais um capítulo sobre a matéria da Greve dos Jornalistas em Alagoas. E só para você se situar melhor, os capítulo I e II já estão disponíveis em nosso site. Em um breve resumo rápido, entramos em greve e saímos “vitoriosos”. Entre aspas, devidamente, pois sofremos com demissões. Com 36 delas, para ser mais preciso (até a publicação dessa matéria).
Desta vez vamos conversar com uma personagem que será chamada de Natália, que faz um levantamento pessoal sobre a situação do jornalismo e do mercado de trabalho para os profissionais das redações, sob a sua ótica, nos últimos 10 anos. Obviamente a real identidade e o veículo para o qual ela trabalha serão preservados para que ela não sofra nenhuma represália.
Então eu vou abusar do pleonasmo e “começar do começo”, e voltar com ela há 10 anos. Relembrando, Natália reconhece que já havia uma sobrecarga nas horas trabalhadas e que a proposta de redução de 40% do piso salarial foi a gota d’água para o colapso.
“O profissional já leva o trabalho para casa para escrever em uma hora que não é registrada no banco de dados da empresa, mas faz, porque gosta de fazer jornalismo, de contar história, faz aquilo por paixão. Se eu tô recebendo meu salário em dia, se minhas horas extras são computadas, se eu recebo o feriado com 100% que eu tenho direito, se eu estou tendo as minhas folgas, você passa por cima desses pormenores. Mas se você começa a perder esses direitos, você percebe que se é para trabalhar de graça, é melhor trabalhar para você mesmo, não para o patrão, que está enriquecendo às suas custas. O comercial [das empresas de comunicação] continua a todo vapor, a programação está cheia de anunciantes. Se a grana não está vindo para cá, está indo para onde? Essas coisas acabam desestimulando o profissional a produzir mais”, relata a personagem.
Para ela, a crise culmina e se reafirma na retirada dos direitos, mas é um processo que vai desde a descredibilização da profissão ao aprofundamento de conteúdo por parte dos profissionais.
“Você abre a rede social, hoje em dia, e o factual tá ali, não importa se foi o jornalista que apurou, ou se foi o primo dele que passou e viu o fato. A pessoa pode não saber detalhes, mas sabe o que aconteceu. Então, o que vai dar um ganho no material jornalístico é, de fato, uma série, uma matéria mais bem apurada, ou trazer algo que não estava tão superficial e o jornalista cavou e conseguiu mostrar algo que ninguém estava esperando. Isso eu acho que é a grande sacada do jornalismo, é entregar um material que o telespectador ou internauta não estava esperando, e pouco se tem isso”.
Em relação ao mercado de trabalho, Natália enxerga que ele está enxuto, onde não há um aumento de profissionais, mas só uma reposição de peças. Veja bem, o resultado dessa conta é simples: + trabalho – menos jornalistas = sobrecarga dos profissionais.
“Eu continuo achando que é um trabalho precarizado. Hoje, inclusive, bem mais do quê quando eu entrei no jornalismo. Quando eu comecei, eu dobrei muito e passei do meu horário na redação, pela gana e até pelo sentimento de um buscar ‘um lugar ao sol’. Mas atualmente a gente para, pensa, e vê que não é para ser assim. Temos que ter tempo para a nossa vida pessoal, para o trabalho, para descansar a mente, e produzir melhor. A gente trabalha com o cérebro. Se ele estiver cansado não produzimos direito”
É….já diriam os Novos Baianos, em A Minha Profundidade: – Vai ser jogo duro pra você, Natália.
E foi. Natália participou da greve, pois percebeu que em um cabo de guerra, a corda sempre arrebenta no lado mais fraco. “Eu sempre tive a convicção de que o correto era a categoria inteira aderir à greve. Percebi que tinha virado um cabo de guerra e eu puxaria o lado da corda da empresa se ficasse trabalhando, e a empresa não é minha, no dia que ela cansasse da minha cara, eu estava fora. Depois que aderi à greve, fiquei em paz com o que eu achava correto”.
Ao fazer uma avaliação da greve, acredita que os nove dias foram importantes para os jornalistas se perceberem enquanto categoria, pois foi a partir daí que todos perceberam que estavam no mesmo barco prestes a naufragar. “Somos trabalhadores, tanto quanto os rodoviários, os policiais, os professores. A gente cobria todas essas greves, meio que em um pedestal, por nos julgarmos ser o quarto poder”.
Apesar de ter participado da greve, Natália foi uma das poucas que não foram demitidas. Financeiramente, a gente até pode considerar isso uma “vantagem”. Mas psicologicamente? Como ela afirma, os profissionais que participaram da greve e não foram depostos de seus cargos, passaram a ter um prazo de validade. E não saber essa data é extremamente desgastante para quem fica.
“Você sabe que a empresa não quer você ali, que você tem um prazo de validade, pois todo mundo está contando no calendário o dia para lhe demitir. Quem trabalha direito desse jeito? Qual é o estímulo que você tem para trabalhar em uma empresa, se doar, produzir um conteúdo de excelência para uma empresa que não quer você ali? Isso é ruim para a sua identidade enquanto profissional, pois você está assinando um conteúdo que não é legal, é básico, e é aquilo que vai ficar na assinatura, no seu portfólio. O nosso nome é o nosso currículo”, conta Natália.
Herança Maldita – A jornalista corrobora com um pensamento coletivo de que, após as demissões, a qualidade do conteúdo produzido caiu drasticamente. Ela afirma ainda que faltou maturidade para uma autocrítica pessoal em quem assumiu os cargos deixados por quem foi demitido, e que esse declínio no material jornalístico foi percebido além da categoria. “O primeiro ponto contra é a inexperiência, que deixa todo mundo nervoso naturalmente e, para piorar, você tem a tensão dos jornalistas estarem na rua brigando pelo direito de quem está ‘traindo’ a categoria. Até quem não é jornalista está vendo que o conteúdo é ruim. O motorista do Uber, por exemplo, me perguntou quanto tempo leva para uma pessoa aprender a fazer aquilo direito, porque ela já está há três meses e ainda está ruim. O motorista não conhece regra jornalística, mas consome aquilo diariamente e sabe que não tá bom”.
Além dos recém-contratados, Natália aponta assertivamente parte da culpa a quem colocou esses profissionais em cima da corda bamba, pois tinha ciência das condições de cada uma para exercer tais funções, ignorando o fato de que essa decisão pode acabar com a carreira “A herança maldita da greve é a perda da qualidade do jornalismo. A parte boa é que você tem uma categoria mais unida, mais consciente. Atualmente não há muito o que se fazer, exceto correr para mídias alternativas, e isso é um ganho muito grande para a profissão”.
Natália também aponta as mídias alternativas e coletivos de comunicação como uma possível solução, uma vez que eles propunham algo diferente do que a “grande mídia” já faz.
“Isso já vem ganhando muita força no eixo Rio-São Paulo, Pernambuco também tem uma representatividade grande, e a gente tava deixando passar essa oportunidade. Temos muita gente contribuindo com o jornalismo independente, através de plataformas como o Catarse, por exemplo. O que muita gente chama de Monopólio da Informação já vem sendo quebrado há algum tempo. Aqui em Alagoas, faltava a gente acordar para isso. Mesmo antes da greve a gente já vinha sofrendo um descrédito das mídias tradicionais na busca por informação. Quando você parte para mídias alternativas, você oferece opções, e as pessoas passam a ter 3, 4 ou 5 meios de comunicação para se informar e formar a consciência crítica de um fato. Isso é muito positivo para a sociedade, que consegue ter outras opções e outros formatos para consumir informação. Acho que Alagoas entrou nesse circuito e vai se consolidar”, finaliza a jornalista.
Nós também finalizamos, por ora, aqui. Mas antes disso, gostaria de deixar uma mensagem para quem acredita que o movimento passou, acabou:
Você pode me prender o ano inteiro e adiar o sol atrás de suas grades
Mas você bem sabe que nem malandro atinge a minha profundidade
(Novos Baianos – A Minha Profundidade).