Marcas de um crime: filme ‘Aqui Fomos Felizes’ expõe caos emocional e psicológico causado pela Braskem em Maceió

Catástrofe gerada pela ação da mineradora é retratada no filme que entra mais das nas histórias de moradores que sofrem com a inconsequência e o descaso
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‘Aqui Fomos Felizes’ teve seu lançamento nessa sexta (15). | FOTO: Marcel Leite.

Maceió não é massa mesmo. Em meio a todo o colapso provocado pela Braskem na capital alagoana, na noite dessa sexta-feira (15), o filme ‘Aqui Fomos Felizes’ foi lançado no estacionamento da Escola Técnica de Artes da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), na Praça Sinimbu. A exibição contou com a presença de moradores dos bairros afetados, jornalistas e de outros integrantes da sociedade alagoana, que puderam conhecer mais das histórias de pessoas que sofrem danos imensuráveis até hoje.

O documentário traz à tona uma perspectiva que revela todo o dano emocional e psicológico que as 60 mil pessoas afetadas precisaram passar, explorando os desdobramentos insensíveis, desumanos e opressores que a empresa promoveu desde o início da catástrofe. Para o cineasta e diretor do filme, Marlom Meirelles, o lançamento do curta veio em um momento crucial.

“Começamos a gravar esse filme há cerca de 6 meses. Quando estávamos gravando, não imaginávamos que – de algumas semanas pra cá – teria toda essa repercussão na mídia. Então, acabou sendo um momento muito interessante para lançarmos o filme em busca de visibilidade pra uma situação que é tão delicada e revoltante”, conta.

Marlom afirma ainda que o objetivo da produção foi dar luz às tragédias pessoais que as vítimas passaram e passam dia após dia, com a finalidade de dar um prisma humano sobre o desastre criminoso.

“Conseguimos entrevistar uma parcela de moradores – são 8 personagens que refletem as tragédias pessoais de milhares de outras pessoas daqui de Maceió. Então, o nosso intuito foi realmente humanizar esse crime ambiental e podermos ver as consequências emocionais, psicológicas e financeiras que foram causadas por esse crime ambiental da Braskem”.

Já o roteirista e argumentista da obra, Emerson Nascimento, acredita que a expulsão das pessoas dos territórios onde nasceram e viveram, bem como a conivência do poder público com os desmandos da Braskem, precisam ser desmistificadas e mais humanizadas.

A exibição contou com a presença da população de Maceió. | FOTO: Marcel Leite.

“O propósito inicial [do filme] foi tentar quebrar um pouco dos termos técnicos dessa discussão e humanizar um pouco mais o debate, trazendo mais empatia a partir das narrativas dos personagens. Assim, vivemos uma experiência de imersão nessas histórias e nessas narrativas. E a grande contribuição que tivemos foi conseguir o cinema numa arma política de discussão do tema e de humanização, pois a ideia da produção é reposicionar o debate, ouvindo mais os moradores e menos o conceito de tragédia e sim de crime”, pontua Emerson e continua:

“Os termos que os moradores vão recolocando ao longo do filme e vão posicionando o debate. A ideia também é a exibição provocar uma catarse e uma discussão política. O processo foi muito emocionante para gravar e para editar. O foco é usar essa produção como uma arma pro movimento social, para criar empatia e criar sensibilidade”.

O OLHAR DE QUEM SOFRE NA PELE

Ao se deparar com as imagens do filme na tela, a vítima Fernanda Valéria reafirma toda a dor de ter sido retirada abruptamente da sua casa e revela que se sente completamente negligenciada pelas autoridades, danos que cravaram marcas severas em sua vida.

“São 5 anos de luta, não só por mim, mas por todos, porque ali vocês têm uma fração do que a gente tem vivido de negação de direitos, de falta de zelo total com nós, que somos as vítimas. Eu tenho marcas no meu corpo que são frutos disso. Até hoje, eu não fui ressarcida. No dia que isso acontecer, o valor pago pela Braskem não vai chegar nem perto daquilo que ela me tomou. E eu não sou a única. A luta não é só para quem já saiu, essa luta é para isso não se repita, foi comigo, mas precisamos impedir que mais pessoas passem por isso”, revela a ex-moradora, que prossegue:

“No dia em que eu saí, abriu um buraco sob os meus pés de mais de 30 metros. A minha casa foi fruto de muita luta e foi tomada de mim e dos meus filhos. E eu tenho que aceitar hoje que eu não tenho mais a minha casa. Os valores que chegam para nós são muito aquém do que é o justo. Maceió tem o metro quadrado mais caro do Nordeste e ouvimos que o acordo era o melhor que conseguiram para a gente. O direito do morador não tem sido devidamente respeitado”, completa.

Fernanda prossegue contando que – somente após o rompimento iminente da famigerada Mina 18 – a grande mídia passou a dar a atenção devida ao crime ambiental da Braskem em Maceió, furando assim a bolha criada para abafar o caso. Ela ressalta ainda a importância de produções como o ‘Aqui Fomos Felizes’ na luta.

“Só tenho a agradecer por esse registro histórico necessário, pois um dos grandes problemas que tínhamos é que essa história estava muito resumida a Maceió. Foi só através da Mina 18 que conseguimos romper o véu que a Braskem criou e que o nosso problema chegasse pro mundo. É um choque de realidade, já que ainda existem pessoas que acham que não aconteceu nada, mas aconteceu sim: eu estou sem casa”.

Fernanda Valéria preto) e Romualdo da Silva (vermelho) falaram sobre a dor que sentem. | FOTO: Marcel Leite.

Outro morador que sofre com o casos na capital alagoana é Romualdo da Silva, que vive no Bebedouro há 45 anos, onde nasceu e se criou. Ele ressalta que a Braskem tirou tudo o que as pessoas das regiões atingidas tinham, mas que juntos não irão parar de buscar seus direitos.

“A justiça decretou a saída do nosso povo e a Braskem se apoia num acordo que fez com o Ministério Público. Fizemos protestos e não vamos parar. O mundo precisa saber que tem pessoas morando em áreas de risco. O nosso medo não é a Mina de 18 colapsar de vez, é o efeito dominó que pode acontecer. O efeito vai ser grande para as pessoas que moram no Bom Parto, no Bebedouro e em outras regiões. Todos sabemos que o problema é sério e eles não estão nem aí. Esse filme não é de ficção, é um filme real que está acontecendo. Não vamos parar de lutar não”, diz.

Além da exibição, o momento contou ainda com uma roda de conversa onde a equipe do filme e os moradores que tiveram suas histórias contadas puderam conversar com quem esteve presente, reiterando a relevância da união de todos aqueles que se sentem, de alguma forma, afetados no seu direito à cidade.

O documentário é realizado pela Eixo Audiovisual e pela Pernambuco Filmes e produzido pela UNIMA, tem direção de Marlom Meirelles, argumento de Emerson do Nascimento, roteiro e produção de Cynthia de Jesus, Emerson do Nascimento e Helisabety Barros e consultoria de Jesana Batista.

O filme será inscrito e exibido em diversos festivais e, em breve, estará disponível para visualização na internet.

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