O perigo de normalizarmos um projeto autoritário disfarçado de ignorância

Não nos enganemos achando que as manifestações desse final de semana são apenas pautadas pela ignorância; é muito mais do que isso

Mais um final de semana foi marcado por manifestações de apoio ao atual Governo Federal em todo o Brasil. Por mais que – infelizmente – tais ações tenham tornado-se corriqueiras, não deixam de chocar e causar revolta nas pessoas minimamente conscientes. 

A cada manifestação, a sensação de que não se trata somente de uma indignação seletiva é mais escancarada. Estamos presenciando e normalizando a publicização de um projeto nefasto, autoritário e extremamente perigoso, mesmo que possa parecer, aos olhos dos menos atentos, apenas um bando de inconsequentes vociferando absurdos. 

Maceió também foi palco desses impropérios. No último sábado, 1º de maio, uma carreata em apoio a Jair Bolsonaro aconteceu nas ruas da capital e contou – segundo o vereador Leonardo Dias (PSD) –  com cerca de 800 veículos. Quatro movimentos se pronunciaram como organizadores da manifestação: Mural, Avança Brasil, Foro de Maceió e Movimento Brasil.

Um adendo: Leonardo Dias é o mesmo que tentou emplacar o título de Cidadão Honorário a Bolsonaro, contribuiu para atrapalhar a imunização em um ponto de vacinação e foi o autor de um Projeto de Lei (PL) contrário à obrigatoriedade da vacina. 

Entre as “reivindicações” do grupo, estão questões como a contrariedade ao lockdown e às medidas restritivas, o voto impresso, os fechamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso e a – nunca esquecida – cruzada contra a ameaça comunista. 

 

Umberto Eco (1932-2016) foi um escritor, professor e filósofo italiano. Em 1995, ele publicou uma lista com 14 características inerentes ao Fascismo no New York Review of Books. Algumas delas podem muito bem ser aplicadas ao cenário atual e às pautas defendidas no sábado.

IRRACIONALISMO, RECUSA À MODERNIDADE E O MEDO DO DIFERENTE

É muito perceptível tais particularidades em qualquer apoiador do governo vigente. Existe uma conhecida campanha contra a ciência e as orientações de especialistas, uma forma de negacionismo escancarada que faz questão de desconsiderar estudos e propagar a desinformação.

Segundo Eco, para adeptos dessa corrente, a modernidade traz degradação e precisa ser coibida. Acho que podemos exemplificar esse pensamento com o desejo pelo retorno do voto impresso. 

Já o medo do diferente pode ser caracterizado pela aversão constante ao debate e às concepções contrárias, além da necessidade de supressão das minorias em prol do bem de determinadas classes. Podemos ver isso nos pedidos para fechamento do Congresso e do STF e o apelo infundado para prisão do ex-presidente Lula.     

RESSENTIMENTO, ULTRANACIONALISMO E O INIMIGO EXTERNO

O filósofo também cita que grupos simpáticos ao Fascismo se apropriam de problemas estruturais – muitas vezes causados por eles mesmos – para levantar suas pautas. Sob tal ótica, a crise é uma arma que legitima a propagação dos ideais vis, com base em uma “liberdade de expressão” totalmente abjeta.   

O uso constante das cores verde e amarela e da bandeira nacional, o hábito de contestar e subvalorizar o que vem de fora e a obsessão pela batalha contra um inimigo externo e imaginário (leia-se comunismo) são pontos muito sintomáticos e que são presentes de qualquer uma das bravatas usadas nessas manifestações.

POPULISMO SELETIVO, CULTO AO HERÓI E NOVILÍNGUA 

Umberto Eco menciona ainda a existência de um populismo seletivo, que consolida o elitismo social, físico e financeiro. Para demonstrar isso, basta olharmos quem compõe esses grupos e que foram às ruas na defesa das suas pautas egoístas, sempre enaltecendo uma figura que os represente através de um discurso messiânico e sectário.

Por fim, é preciso trazer à tona toda a pobreza argumentativa, de raciocínio e até linguística de uma grande parcela dos defensores dessas condutas, pois estão sempre à procura de teorias conspiratórias e falácias argumentativas que validem o que pensam. Atitudes que reforçam o conceito de Novilíngua concebido por George Orwell na excelente distopia 1984.

Apesar de muitos considerarem “excessiva” e “desproporcional” a relação entre o que está ocorrendo com as práticas fascistas, é fundamental que estejamos preparados para o pior, por mais pessimista que isso possa soar.

Só reforçando: não é só ignorância.

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