The world’s spinning madly, it drifts in the dark
Swings through a hollow of haze
A race around the stars, a journey through
The universe ablaze with changes
(Changes – Phil Ochs)
Quando acaba? Espera…quando foi mesmo que começou? Sério?! E ainda falta muito? Qual dia da semana é hoje? Há mais de 70 dias temos repetido diversas vezes esses questionamentos. A resposta sempre vacila, quando é precisa, não é agradável.
Desde que as medidas de isolamento social começaram a ser adotadas em Alagoas para combater o novo coronavírus, nos dias 18 (escolar) e 21 de março (comércio), uma parcela da população tem tentado respeitar e cumprir ao máximo o que determina a Organização Mundial da Saúde (OMS) e, consequentemente, esbarra nos questionamentos acima.
Essa é uma matéria sobre comportamentos, sobre histórias, sobre a falta de tempo e excesso de trabalho. Mas ela é, principalmente, sobre as pessoas e como elas têm enfrentado diversas problemáticas trazidas durante a pandemia da Covid-19.
A Mídia Caeté conversou com o Filipe, com a Camila e com a Eduarda. Eles contaram um pouco das suas rotinas, explicando como o isolamento tem afetado, ou não, a vida deles. Todos reconhecem a importância, aprovam e incentivam o distanciamento social e as medidas preconizadas pela OMS.
Dream about the pictures that i play – Filipe Andrade tem 27 anos e é designer de produto. Há mais de três anos, enquanto concluía sua formação superior na Universidade Federal do Paraná (UFPR), ele tem alternado entre Maceió – sua cidade natal – e Curitiba. “Eu estava concluindo a minha graduação ano passado quando voltei para Curitiba com a perspectiva de iniciar a minha a carreira profissional. Enquanto designer, já trabalhava com educação, dando aulas de desenho. Enquanto eu retomava o processo de adaptação, a pandemia chegou e eu não podia mais dar as aulas presenciais, então eu decidi fazer uma pausa, pois já percebia uma grande dificuldade na área”.
O designer relatou ainda que, como alternativa, decidiu estudar o mercado financeiro, pois consegue realizar as operações dentro de casa e conseguir uma fonte de renda. Ele conta ainda que acreditava que a quarentena ia durar cerca de um mês, mas que a realidade foi diferente.
“A gente, como brasileiro, no meio de um desgoverno desse é mais difícil. É um filme distópico de terror. Antes nós tínhamos uma carga motivacional, que acabou, porque você continua em casa e todo dia é a mesma coisa. Eu não tenho conseguido produzir. No começo, eu conseguia mais. Dentro da minha disciplina, eu consegui melhorar o desenho, mas não há uma sequência. Não tem sido algo que me faz mal, porque eu entendo que faz parte do processo. Eu sei que vai levar um tempo para equilibrar as duas coisas, e eu tenho me dedicado a meu sustento, onde consigo tirar a minha fonte de renda”, explica.
Filipe Andrade afirma também que, junto a companheira Thalyta, desenvolveu um horário mais disciplinado para aproveitar melhor o dia. Ele conta que a iniciativa tem ajudado a manter melhor a noção do tempo. “Quando percebi que a quarentena não ia acabar tão cedo, bateu um desespero, uma ansiedade como acredito que deva ter acontecido no mundo todo, que tá um caos. Decidimos criar uma rotina mais disciplinada, acordando às 7h, fazendo exercício físico, para começar a se dedicar a nova área de trabalho escolhida, que é a de estudo do mercado financeiro”.
Além das dificuldades locais, o casal tem que se preocupar também com a realidade de Alagoas em relação à Covid-19. Até a publicação desta matéria, o Paraná registrava 4.835 casos confirmados e 190 mortes, enquanto Alagoas tem mais que o dobro que o estado sulista, com 10.837 confirmados e 461 óbitos.
“Por aqui [no sul] há uma perspectiva distorcida do resto do Brasil, porque tem escolas públicas de qualidade, o SUS [Sistema Único de Saúde] funciona bem e as pessoas acham que é assim no país inteiro. Temos nos informando mais pela família mesmo, porque o noticiário tem muita notícia ruim. Como meu foco é a família e os amigos, eu procuro saber por eles como estão e como anda a situação do estado. Tenho evitado mais as notícias, para manter a sanidade mental mesmo”, diz o designer de produtos Filipe Andrade.
Come as close as the air – Camila Barbosa, de 24 anos, é jornalista. Natural de Ibateguara, município da Zona da Mata alagoana, ela mora em Maceió há sete anos e conta como é a experiência de uma quarentena distante da família.
“Me mudei para Maceió há sete anos, mas, em todo esse tempo, nunca passei mais de um mês sem que minha família viesse pra cá ou que eu fosse até o interior. A última vez que nos vimos foi em fevereiro. Março chegou e o tempo de eu decidir se ficaria aqui [Maceió] ou iria para lá [Ibateguara] também passou. O meu trabalho e a qualidade da internet em Ibateguara pesaram na decisão”, relata Camila.
De segunda a sexta, o tempo de Camila é preenchido entre o expediente por teletrabalho, onde as demandas ultrapassam horários, e com as atividades domésticas, como lavar, cozinhar e limpar a casa.
“Tudo exige um enorme esforço quando se é obrigado a fazer. Nos finais de semana, eu tento realizar atividades diferentes para que os dias não pareçam iguais. Vejo os filmes que estão na minha lista há anos, leio, reabasteço a dispensa. A última era algo que eu fazia com mais gosto, antes do coronavírus”, lembra Camila ao descrever a maratona que virou fazer compras e higienizar os objetos ao chegar em casa.
“Coloco a máscara, saio, chego ao supermercado e tento fazer tudo o mais rápido possível. Volto, desinfeto tudo e tomo banho. Espero uma semana pra saber se cometi algum deslize, se apresento algum sintoma”.
Por fim, a jornalista afirma que um dos desafios da quarentena, para ela, é manter a criatividade para continuar produzindo conteúdo. “Eu sinto muita dificuldade. Trabalho com a minha criatividade e o conteúdo mudou totalmente. Sou cobrada todos os dias para produzir o mesmo conteúdo de várias maneiras diferentes, para diferentes públicos e é difícil se inspirar quando eu limito o meu campo de visão”.
As fire will sometimes burn cold – Eduarda Rocha, tem 28 anos e é doutoranda em Estudos Literários. Ao contrário do Filipe e da Camila, que estão distantes da família, ela tem que dividir a rotina de estudos e pesquisa com as atividades dos pais, ambos do grupo de risco.
Eduarda está escrevendo a tese de doutorado e explica que, antes da quarentena começar, já estava tendo dificuldades para se concentrar e estudar em casa. “Está mais difícil me concentrar. No começo da pandemia, o volume de informações muito grande, o medo do vírus, tudo isso atrapalhava a concentração para a escrita. Hoje, tenho evitado acompanhar as notícias o dia inteiro, como estava fazendo antes. Ainda assim, tem sido mais difícil manter uma rotina de estudos. Estar em casa o tempo todo atrapalha, pois estou tendo dificuldade de ter uma rotina de estudos, sinto falta do silêncio e da tranquilidade. Estou confinada com os meus pais e há uma obra ao lado da minha casa”.
Eduarda conta que, como os pais fazem parte do grupo de risco, todas as atividades que envolvam sair de casa é responsabilidade dela agora, como fazer a feira ou ir ao banco. A maior preocupação, segundo ela, é o risco de levar o vírus para dentro de casa.
Para ela, a ansiedade aumentou muito durante o período de quarentena, pois, além da obrigação de produzir, ela tem que lidar com a tensão sobre as notícias das mortes e infecção de pessoas próximas. “Estou tentando ir fazendo [a tese] aos poucos, tentando não me cobrar muito, mas não tem adiantado, pois, quando lembro dos prazos, vem o medo de não conseguir cumprir. A sensação é de que o tempo está passando muito rápido, todos os dias são iguais”, informa a doutoranda.
Por fim, Eduarda diz que não adquiriu novos hábitos, mas que percebeu o aumento de velhas práticas, como o acesso às redes sociais para ver as lives, ou conversa com amigos e familiares. “Uma coisa positiva foi poder participar de cursos que eu não poderia ter acesso, pois antes eram presenciais. Muitos eventos acadêmicos aconteceram on-line. Estou fazendo dois cursos online de literatura argentina, oferecidos pelo Ministério da Cultura, da Argentina, tudo isso só foi possível porque hoje essas atividades estão acontecendo remotamente”.
Conselho de Psicologia – A Mídia Caeté também conversou com o psicólogo, conselheiro e presidente da Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia da 15ª Região (CRP15), Leandro Matos Souto da Rocha, CRP 153098, para saber como as mudanças de comportamento podem afetar a curto e a longo prazo a população.
De acordo com Rocha, o próprio isolamento domiciliar já traz mudanças de hábitos necessárias para se adaptar a nova realidade, como a utilização de máscaras para ir aos supermercados ou o uso com maior frequência do álcool em gel para realizar a higienização de objetos e produtos.
“Essas mudanças nos comportamentos podem ser benéficas, mas temos que nos atentar as que possam ser danosas à saúde. A gente já tem indícios de que houve um aumento na ingestão de álcool e outras substâncias durante a pandemia, por diversos fatores, como a ociosidade ou falta de dinamicidade durante o dia”, alerta o psicólogo.
Leandro Rocha informou também que houve um índice no aumento de violência familiar, pelo fato do agressor e vítima estarem presos 24 horas, todos os dias da semana, dentro de uma casa. “Em outros estados, esse aumento já é real. Aqui, eu vi que a Seprev [Secretaria de Prevenção à Violência de Alagoas] divulgou que não houve essa elevação nos índices. Um desses motivos pode ser pela dificuldades em realizar as denuncias, por estar isolado com o agressor. Isso é real e a gente já tem que se precaver”.
O psicólogo salienta ainda que essas mudanças podem ir das mais leves até as especificas e graves, onde o mais leve seriam a cerveja a mais e assistir mais lives que o normal e o mais grave seriam os casos de violência ou suicídio. Ele explica que no caso do lockdown, onde há o isolamento total, todas essas situações podem ser agravadas, porque o decreto estadual deixa de ser recomendativo e passa a ser obrigatório, com aplicações de multas e sanções penais.
Ramos alerta para os números de atendimentos para as pessoas que precisam de um atendimento direcionado. Neles, os profissionais irão fazer o atendimento adequado. São eles: Acolha-me (98891-0820/99941-0326); Cavida – 98879-2710; Centro de Valorização à Vida (CVV): 188.
“O próprio Conselho, por essas questões psíquicas, está fazendo um levantamento dos profissionais que estão fazendo o serviço de forma voluntária. Não é uma prática comum, mas, nesses momentos de crise, a gente soma forças, junto aos colegas, para prestar serviços voluntários à sociedade. Temos mais de 10 profissionais, estamos coletando mais informações para formar uma equipe interessante para atender à população. Todas essas articulações são por conta desse aumento nos comportamentos que podem trazer risco à vida”, conta.
O psicólogo falou também sobre os problemas que o aumento da ansiedade pode causar insônia, um comportamento alimentar compulsivo, nervosismo, raiva, além de outros sentimentos.
“A ansiedade é uma das coisas que é natural da espécie humana. Todo mundo tem o seu nível de ansiedade, mas níveis elevados trazem patologias psíquicas e físicas também. Temos que tentar consumir coisas sadias, seja informação, seja hábito, seja o que for, e ter maturidade para se policiar e ver quais comportamentos não são normais dessa pandemia. E tentar controlá-los. Caso não seja possível, procurar um profissional que vai ajudar a essa pessoa”, explica.
E agora, José? – Calma. Como foi dito no início do texto, essa matéria foi para mostrar comportamentos que possam ter sido acentuados, ou ocasionados, pela quarentena e para que você veja que isso está acontecendo com todo mundo, em maior ou menor proporção.
Se você se identificou com alguma situação, tente falar com os amigos e com a família. Se não adiantar, fale com um profissional da área psicológica, mas mantenha a calma! Em breve, tudo isso vai passar, mas até lá, lembre-se de lavar as mãos e cumprir as determinações dos órgãos de saúde competentes.