Prefeitura de Maceió não cumpre acordos, segue atrasando pagamentos de artistas e continua sua guinada contra a cultura local

Em teoria, prefeitura deveria pagar artistas locais em até 30 dias, segundo PL aprovado, porém isso não ocorre e desgasta ainda mais o segmento cultural na capital alagoana
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Gestão cultural de João Henrique Caldas (PL) é duramente criticada pelo sucateamento da cultura alagoana. | FOTO: Reprodução.

Nem só de falta de planejamento urbanístico e ambiental vive a Prefeitura de Maceió, outros segmentos também sofrem na pele. É o caso do setor cultural, sobretudo dos artistas locais, que convivem com a falta de valorização e incentivo, sem acesso a editais e na espera por seus pagamentos. Esse cenário continua. Mais uma vez, artistas denunciam a ausência dos cachês de apresentações, agora do evento Xangô Rezado Alto, que aconteceu no mês de março e foi organizado pela Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (Semce), em parceria com representantes do movimento afro e da rede religiosa de comunidades tradicionais de matriz africana.

Uma das atrações que se apresentaram na ocasião foi o Coletivo AfroCaeté. A sua mestra, Letícia Sant’Ana, relata o descaso da atual gestão, que não honra seus acordos, não constrói um vínculo saudável com o segmento e, principalmente, atrasa bastante seus pagamentos.

“Esse descaso deixa a gente muito desgastado, porque a gente se sente muito desvalorizado pela Prefeitura, que não tem cumprido com seus acordos, que não tem tido um diálogo fácil com a gente, pois sempre que o cachê atrasa. Nós vamos atrás de saber e o que é que tem acontecido é que a resposta demora muito. A gente que é artista também tem conta para pagar no dia certo, né? Não pode atrasar, então a gente conta com aquele cachê que vai cair em 30 dias e se planeja para isso, se planeja para receber aquele dinheiro, só que ultimamente a gente não pode mais contar com a Prefeitura de Maceió, já que simplesmente não sabemos quando é que esse dinheiro vai cair. A gente fica numa espera interminável e angustiante. Por uma previsão, por uma data, por um retorno, por uma mensagem”, desabafa.

Um ponto muito importante citado por Letícia é que um Projeto de Lei (PL) – aprovado em abril deste ano, na Câmara de Vereadores – determinou que os pagamentos dos artistas locais, em apresentações promovidas pelo município, devem ser realizados em até 30 dias. Porém, ainda assim, a Prefeitura de Maceió não cumpre o estabelecido.

“Eu, pessoalmente, como artista, prometi que não tocaria mais para a Prefeitura de Maceió sem contrato, na esperança de que, com o contrato em mãos, o prazo dos 30 dias úteis fosse cumprido, mas não tá acontecendo. Se gerou uma bola de neve com contratos atrasados, com pagamentos atrasados, fazendo com que os novos pagamentos, os novos contratos feitos também não sejam cumpridos. E aí, a gente está tocando, está realizando o nosso trabalho com contrato assinado, mas com pagamento que tá ultrapassando os 30 dias úteis”, denuncia a musicista.

E complementa:

“Não há cuidado, zelo, respeito da Prefeitura com os trabalhadores da cultura de Maceió. A gente está completamente desgastado, cansado, se sentindo desvalorizado. E essa é a situação atual de uma gestão que parece que não se importa muito com os trabalhadores da cultura da cidade”.

Outra artista que também se apresentou no Xangô Rezado Alto e sofre com o descaso da gestão cultural municipal é a presidenta do Afoxé Ofá Omi e do Maracatu Raízes da Tradição, Mãe Jeane. Ela conta que a falta de compromisso dos organizadores trouxe graves prejuízos financeiros.

“Estamos sofrendo muito, porque a gente presta serviço com as relações culturais, né? E logicamente a gente investe para poder colocar os grupos para se apresentar, pois o cachê não é formalizado como os grupos de outras localidades, já que esses grupos – para se apresentarem – exigem 50% de antecipação. Porém, com os grupos locais isso não acontece. Então, eles marcam para pagar com 30 dias. Chega a 30 dias, chega a 40 dias, chega a 60 dias e o pagamento não acontece. Estamos passando por várias dificuldades financeiras, porque, no meu caso, precisei investir o meu salário, do meu trabalho, para o grupo se apresentar. Eu deixei de pagar contas, porque eu investi do meu salário, porque eu tive que contratar carro, tive que pagar passagem para os componentes e se apresentar”, relata.

Mãe Jeane denuncia ainda mais a gravidade da situação.

“Hoje, estou me humilhando pelo WhatsApp, falando com pessoas da gestão e a resposta é que ‘já estão em processo de pagamento, que já estão pagando’, mas nada desse pagamento saiu. Então, podemos afirmar que o acordado não está cumprindo com o prazo que deveria ser feito. Estamos perdendo crédito, passando por vários constrangimentos por conta desse atraso. Tenho outros colegas do setor cultural que têm outras pendências. Está sendo muito humilhante. Acho que vai chegar ao ponto de as pessoas não quererem mais lidar com o grupo cultural, porque não tem como a gente se manter, passando mais de 60 dias sem receber. Fica difícil”.

 

Protesto de segmento cultural alagoano em frente à Prefeitura de Maceió. (Foto: Filipe Mariz)

O QUE A PREFEITURA ALEGA AOS ARTISTAS?

Embora não haja uma justificativa plausível, a Prefeitura de Maceió tenta se explicar, quando indagada pelos artistas. Mas, sem passar qualquer credibilidade.

A explicação que dão é que os pagamentos estão em processamento e que é só esperar, é só aguardar que esse pagamento vai cair, mas é uma espera que não tem data, não tem previsão. Só pedem pra gente aguardar, porque está em processamento. Essa é a resposta padrão”, conta Letícia Sant’Ana.

Mãe Jeane relata uma resposta bastante semelhante.

“Eles falam que já enviou para o banco, que ainda tem que esperar 72 horas para poder entrar na conta, que isso nunca existiu com a gente, entendeu? E aí, a gente fica sem saber em que acreditar na final. Tem dias que eles nem me respondem mais. Eu compareci lá, tinham coisas que eu ainda não tinha nem assinado, só foi assinado lá na minha frente, isso já está com duas semanas que eu fui lá. E nada do cachê cai na conta da produtora”.

O DESMONTE DA CULTURA LOCAL E A FALTA DE ESTÍMULO

Produzir e trabalhar com cultura em Maceió vem sendo um processo extremamente desgastante. É o que diz Mãe Jeane, que traz à tona a dificuldade de manter grupos artísticos e de atrair novos integrantes, devido justamente ao descaso já conhecido.

“Como presidente de dois grupos, eu não pretendo, nesta gestão do João Henrique Caldas, me apresentar mais, porque é uma dor de cabeça, é um estresse. A gente chega lá, a gente é humilhado, parece até que a gente está pedindo esmola. Não, a gente quer o nosso dinheiro, a nossa prestação de serviço! É um dinheiro que existe. É emenda parlamentar que já existe para essa festividade e outras festividades que acontecem, na questão de cultura de matriz africana. E eles ficam se amarrando, ficam se segurando. E aí, não é nada que eles criaram, que a gente não está pedindo dinheiro para nenhum prefeito. São emendas parlamentares que existem, que já estão lá no projeto pronto. É só eles pagarem, mas isso não está acontecendo, infelizmente”, pontua.

E continua:

“Toda essa demora de cachê, todo esse não comprometimento com o setor cultural de Maceió, vai acabar com os grupos culturais se desfazendo, pois a gente não tem como sobreviver dessa forma, não temos. O grupo cultural é um fortalecimento da cultura e a gente se apresenta para fortalecer os nossos componentes, porque têm muitas mães desempregadas, tem muitas mães que precisam. E a gente chama, elas sabem que vão dançar, elas sabem que vão tocar e que vão ganhar aquele dinheiro. Então já é uma rendazinha. E com esse atraso, como é que a gente pode ajudar os nossos componentes? Como é que a gente pode comprar um instrumento? Como é que a gente pode comprar uma roupa? Nunca tivemos um prefeito para desvalorizar tanto o setor cultural como a gente tá tendo nessa gestão”.

Letícia Sant’Ana reitera o contexto mencionado acima.

“Não passa só pelo atraso dos pagamentos, mas pela desorganização dos eventos, pelo contato feito em cima da hora com os artistas, para participarem dos eventos, pela falta de suporte durante as apresentações. Então, são uma série de problemáticas que vêm acontecendo nesses eventos. E que só vai deixando a gente mais triste, mais desgastado, mais desvalorizado.”

Ela prossegue:

“Coincidentemente ou não, o último cachê que atrasou assim (cinco meses) foi também num evento com a temática afro-alagoana. Então, é impossível que a gente que faz parte desse segmento não leve pro pessoal. O descaso, a falta de diálogo é algo visível nesta gestão. É muito doloroso perceber essa falta de respeito”.

Mãe Jeane comenta ainda que há um temor de que outros cachês atrasem, mais especificamente os referentes à Lei Paulo Gustavo de Incentivo à Cultura.

“Estamos temerosos de eles não cumprirem com o prazo da Lei Paulo Gustavo. Estamos com bastante medo dessa premiação que os habilitados devem receber até o dia 31. Esse dinheiro é para fortalecer os grupos culturais, para gente ter como, no mínimo, se fortalecer um pouco. Já foi adiada duas vezes e tememos mais outra, por conta da gestão do JHC”.

Grupos culturais exigem mais compromisso da Prefeitura de Maceió. | FOTO: divulgação.

A FALTA DE COMPROMISSO COM A CULTURA É REINCIDENTE

Impulsionados por todo o descaso com as atividades culturais locais, diversos artistas foram até a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (Semce) no final do mês fevereiro deste ano.

Na ocasião, O segmento reivindicou o pagamento dos cachês que estavam atrasados desde junho de 2023, também foi questionado a razão da estagnação das políticas públicas municipais para fomento do setor. O grupo exigiu ainda a reconstrução de um conselho ativo com grupos locais, bem como um calendário cultural melhor estruturado e digno.

Os artistas foram à Semce com o intuito de protocolar um termo de compromisso para assegurar o pagamento da remuneração atrasada. Inicialmente, isso não foi possível já que o secretário da pasta, Cleber Costa, não estava presente. Após muita demora e recusa dos assessores da Secretaria, o documento pôde finalmente ser protocolado.

À época, a cantora LoreB foi à Semce e falou acerca da condução da atual gestão municipal no que se refere à cultura local. Para ela, a falta de compromisso, o despreparo e politização de cargos públicos que deveriam ser técnicos contribuem para esse cenário desastroso.

“A verdade é que não existe gestão de cultura municipal. Eu entendo que eles possuem deficiência de conceito e acabam confundindo políticas públicas culturais com gestão de eventos. A Secretaria e a Fundação de Cultura são locadas com cargos de cabides políticos, não há preparo nenhum para gerir nada no âmbito público. Foi montada uma produtora de mídia, mas quem faz line up de eventos é a Secretaria de Comunicação, porque nem uma curadoria artística eles têm capacidade de fazer”, afirmou.

Dias depois, os artistas realizam um protesto na porta da Prefeitura de Maceió, em Jaraguá. Da substituição do Secretário Municipal de Cultura (SEMCE) ao pagamento de cachês atrasados, o segmento cultural e artístico alertou sobre o descumprimento de leis e políticas públicas para o setor, que foram negligenciadas pelo órgão. No local, do início da manhã até o fim da tarde, o grupo só saiu do após entrega de uma carta com 15 solicitações diretamente ao prefeito João Henrique Caldas (PL).

QUAL O POSICIONAMENTO DA PREFEITURA?

Entramos em contato com a Prefeitura de Maceió, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (Semce) para saber o porquê desses atrasos, do não cumprimento dos acordos e se há previsão de pagamento. Segue a nota enviada.

“A Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (Semce) informa que, devido à recente mudança de gestão da secretaria, houve a necessidade de ajustes burocráticos de contabilidade. A Semce informa que os processos de pagamento serão realizados nos próximos dias”.

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