A desvalorização da vida: o preço escolhido para salvar a economia

Uma economia sólida é crucial para qualquer nação, mas não podemos cair na ginástica argumentativa que privilegia cifras e números em detrimento de vidas.
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Por mais irreal que possa parecer, a cada dia que passa, o Brasil consegue se afundar mais ainda no obscurantismo, tornando-se pária internacional sob o falso argumento de que precisa atender aos interesses do mercado. Essa conduta é inerente ao atual governo e a uma parcela abastada e cruel da população, que é incapaz de se solidarizar e compreender a situação drástica que passamos. 

Em entrevista recente, o linguista, filósofo e sociólogo, Noam Chomsky, afirmou que a pandemia escancarou – ainda mais – diversos problemas da sociedade moderna, que se escora em falácias para defender medidas opostas às reais necessidades populares.

“Estamos vivendo sob uma ideologia pela qual os economistas têm uma boa dose de responsabilidade, embora isso venha do setor corporativo. Uma ideologia tipificada por Ronald Reagan lendo o roteiro que lhe foi entregue por seus mestres corporativos, com sorriso radiante, dizendo: ‘vamos entregar as decisões a tiranias privadas, que não são obrigadas a prestar contas à opinião pública”, disse Chomsky.

O filósofo é um dos principais representantes progressistas da atualidade e um crítico ferrenho do Neoliberalismo e da “Praga Neoliberal” – como “carinhosamente” nomeia as consequências geradas por tal sistema político-econômico.

Trazendo para o contexto alagoano, tivemos dois exemplos claros desse alinhamento ao mercado. O primeiro deles partiu do atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), que apoiou abertamente um Projeto de Lei (PL) que prevê que empresas possam comprar vacinas contra a Covid-19 para imunizar seus funcionários e familiares.

VEJA O PRONUNCIAMENTO DE ARTHUR LIRA.

O PL é de autoria do deputado Hildo Rocha (MDB-MA) e desobriga as empresas a doarem os imunizantes ao Serviço Único de Saúde (SUS) – o texto autorizaria o repasse de apenas metade das vacinas compradas – além de permitir a compra de vacinas sem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Vale ressaltar que a proposta original ainda pretendia emplacar a dedução integral das despesas com compra de vacinas no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, mas o trecho acabou vetado. Uma evidente demonstração da utilização do aparato estatal quando é conveniente. 

Para a doutora em Antropologia, professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, coordenadora do Núcleo de Etnografia Urbana e pesquisadora do Laboratório Internacional de Estudos da Extrema Direita no Século XXI, Isabela Kalil, o pensamento – já consolidado pela ciência – é de que de que o processo de imunização é um pacto coletivo e não uma saída individual.

Arthur Lira em sessão na Câmara. | FOTO: Site oficial da Câmara dos Deputados

“Um dos maiores riscos é a criação de um apartheid sanitário com critérios de vacinação determinados pela iniciativa privada e pelas chamadas leis de mercado, o que representaria ao menos dois séculos de retrocesso em saúde pública”, alerta Isabela. 

POSICIONAMENTO DE ISABELA KALIL NA ÍNTEGRA. 

Em nota, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) informou que o objetivo é “garantir a oferta de suas vacinas exclusivamente para a esfera federal, por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde”. 

E complementa: “nenhuma empresa ou pessoa física está autorizada a negociar em nome dessas fabricantes de vacinas com nenhum ente público ou privado, seja direta ou indiretamente”.

LEIA A NOTA DA SINDUSFARMA COMPLETA

O segundo exemplo diz respeito ao descumprimento do decreto divulgado pelo Governo de Alagoas que mantém o Estado na fase vermelha. As prefeituras de Porto de Pedras, Olho D’Água das Flores e São Miguel dos Milagres publicaram normas que iam de encontro ao estabelecido, flexibilizando as suas atividades. 

Em nota, a prefeitura de São Miguel dos Milagres informou que a decisão ocorreu após um diálogo com a Secretaria de Saúde do município e que a orientação visou não prejudicar a economia. Leia o trecho. 

A prefeitura de São Miguel dos Milagres informa que a decisão em autorizar a circulação nas praias, rios e calçadões, desde que não haja aglomeração e respeitando as regras sanitárias de prevenção à Covid-19, publicada no decreto n°10/2021 desta quinta-feira (01), foi tomada após um amplo diálogo com a equipe técnica da Secretaria Municipal de Saúde. (…) Além disso, foi necessário levar em conta que São Miguel dos Milagres é um dos principais destinos turísticos do país e a principal atividade econômica do município. O setor, que foi extremamente prejudicado nesse período de pandemia, emprega cerca de 70% de toda a população milagrense”.


O posicionamento da Prefeitura de Porto de Pedras seguiu a mesma linha. Leia abaixo.

“A Prefeitura de Porto de Pedras esclarece que as medidas adotadas pelo Decreto Nº 07/2021, de 1º de abril deste ano, foram tomadas a partir de análise da conjuntura local, tendo em vista o cenário atual de controle sobre a pandemia de Covid-19 no município. Destacamos que cerca de 65% da população porto-pedrense depende do Turismo para sobreviver e, por isso, optou-se por redefinir e reforçar as medidas de segurança necessárias, bem como o rigor da fiscalização e das penalidades para quem descumpri-las, a fim de evitar colapso na economia local e garantir a devida proteção a todos.”

Ao G1/AL, a prefeitura de Olho D’água das Flores disse que “o município tem pouco mais de 20 mil habitantes e um fluxo bem menor de pessoas nos estabelecimentos em comparação com cidades mais populosas, e que os comerciantes estão cumprindo com todos os protocolos sanitários”.

Após a repercussão negativa e os alertas do Ministério Público Estadual (MP-AL) e da Defensoria Pública Estadual, o Tribunal de Justiça do Estado suspendeu os decretos das prefeituras de São Miguel dos Milagres e de Porto de Pedras.

Voltando a Chomsky, o sociólogo sempre fez a simetria entre o autoritarismo e os interesses da iniciativa privada, desde que houvesse “uma manutenção da economia sólida e das liberdades do mercado”.

Para ele, é preciso que haja uma Democracia mais direta e que as decisões políticas e econômicas não devam ser impostas por elites dominantes, uma vez que a tendência é que interesses escusos sejam colocados como prioridades.

“A crise foi agravada pela traição dos sistemas políticos. Foi um fracasso colossal do mercado que revelou problemas fundamentais na ordem socioeconômica. O problema continua em função do colapso das estruturas institucionais que poderiam resolvê-lo. Precisamos pensar profundamente nesses assuntos para decidirmos em que mundo queremos viver.”, ressalta Noam Chomsky. 

Praias cheias, festas clandestinas, privatização da vacinação. Vivemos em uma época onde o bem-estar coletivo é suprimido pelos anseios individuais. Como bem levanta Chomsky, precisamos pensar se é nesse mundo onde queremos viver.

CONFIRA A ENTREVISTA DE NOAM CHOMSKY NA ÍNTEGRA.

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