AL não elege mulheres para o Congresso Nacional e terá apenas seis deputadas na Assembleia Legislativa do Estado

Ao lado de Tocantins (TO), Amazonas (AM) e Paraíba (PB), Alagoas não terá deputadas federais; especialistas alertam para os prejuízos ao debate público
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Além da disputa presidencial, no último domingo (02), os eleitores também tiveram a chance de escolher os seus representantes no Governo e na Assembleia Legislativa do Estado, bem como no Senado e no Congresso.

Trazendo o recorte para AL, mais precisamente no que se refere aos cargos de deputados (estaduais e federais), podemos notar uma característica preocupante: a baixíssima representatividade feminina. Na Assembleia Estadual, somente 6 deputadas estaduais foram eleitas, já no Congresso vemos a estatística mais alarmante: nenhuma mulher foi eleita.

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Para a cientista política, pesquisadora e doutoranda pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Augusta Teixeira, esse fato representa um grave retrocesso.

Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE). | FOTO: Carlos Villa Verde.

“É um cenário que desfavorece a representatividade e a representação é a chave da democracia nos moldes que vivemos. É bastante ruim porque fortalece o machismo dentro do campo político, afasta as mulheres da política – que constitui 51% da população brasileira e 52% em Alagoas – e, desfavorece a criação de políticas públicas voltadas para a população feminina. É um péssimo cenário, um retrocesso”, afirma.

A cientista política, professora e historiadora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Luciana Santana, tem o mesmo pensamento e traz à tona a relevância da presença feminina nos espaços de decisão.

“Ter estados, em pleno século XXI, que não têm nenhuma mulher como representante no Legislativo Federal – onde as principais políticas públicas de saúde, educação e assistência social são construídas, é um grande retrocesso. Ter mulheres nos espaços de decisão política, que possam discutir, apreciar e decidir sobre tais políticas públicas é extremamente necessário, especialmente porque a maior parte do eleitorado é feminino”, diz.

Luciana Santana frisa ainda a dificuldade encontrada para que as mulheres consigam ter viabilidade na disputa competitiva dos cargos.

“As mulheres encontram muitos obstáculos na busca pelo melhor desempenho eleitoral. Os próprios partidos políticos contribuem para isso, por não oferecer a visibilidade necessária para que elas possam pleitear os cargos e serem candidatas competitivas no cenário político”.

PATRIARCALISMO E AUSÊNCIA DOS ESPAÇOS DE DEBATE

Ao lado de Tocantins (TO), Amazonas (AM) e Paraíba (PB), Alagoas não terá representantes femininas em Brasília. Augusta Teixeira atribui parte desse fenômeno ao olhar patriarcal que existe na política alagoana.

“Com certeza [influência do patriarcalismo]. Mesmo sendo a maioria da população, as mulheres ainda sofrem de uma sub-representação nos espaços políticos, corporativos e demais lideranças por falta de incentivos que são oriundos da estrutura patriarcal que vivemos”.

Já Luciana Santana lembra que as mulheres desempenham um papel primordial na sociedade e que merecem a presença nos locais de discussão.

Augusta Teixeira é cientista política, pesquisadora e doutora pela UFMG. | FOTO: Arquivo pessoal.

“Temos hoje a maioria das famílias chefiadas por mulheres. Elas são as principais responsáveis e usuárias das políticas públicas. Elas ainda estão majoritariamente à frente da recepção das políticas na área de proteção social. Quando não temos mulheres tomando decisões nesses espaços é extremamente preocupante, o que pode causar problemas na qualidade do que é decidido nesses espaços de poder”, comenta.

REPRESENTATIVIDADE FEMININA EM ALAGOAS

Até este ano, AL tinha uma única representante feminina no Congresso Nacional. A deputada Tereza Nelma (PSD) acabou não se reelegendo, tendo menos de 25 mil votos na eleição. Augusta Teixeira explica alguns dos motivos.

“Acredito que a derrota da deputada respinga sim como uma consequência do machismo, mas não apenas disso: a mudança da legislação eleitoral desfavoreceu os partidos pequenos. Por mais que ela esteja atualmente num partido de centro, a formação da chapa do PSD não a ajudou”.

Luciana Santana segue uma linha de raciocínio semelhante.

“Em relação ao resultado das candidatas nesta eleição, temos como conclusão que há grandes obstáculos na ampliação da representação feminina. Com o fim das coligações, em diversos Estados, isso foi mais complicado ainda. Em 2018, por exemplo, a deputada Tereza Nelma conseguiu ser eleita pelo peso partidário da sua coligação. Nesse cenário, se não há um investimento amplo, a visibilidade se torna menor”.

Para a Assembleia Legislativa do Estado, como já dito no começo da reportagem, seis deputadas foram eleitas: Flávia Cavalcante (MDB), Cibele Moura (MDB), Carla Dantas (MDB), Fátima Canuto (MDB), Rose Davino (PP) e Gabi Gonçalves (PP) –  uma cadeira a mais do que na eleição passada.

Embora esse tímido crescimento possa significar algo, Luciana Santana crê que esse resultado ainda está muito aquém do ideal.

“Mesmo tendo crescido, esse número é insuficiente quando olhamos quantitativamente e em relação à distribuição por gênero. O ideal era termos, pelo menos, 14 representantes para atender a todas as características. Então, o número de 6 mulheres é muito insuficiente. Fora que muitas delas foram eleitas por conta do apoio partidário, devido ao seu histórico familiar na política. Há muitos desafios mesmo com tal apoio, mas é bem pior para as que não têm esse vínculo”, esclarece.

Augusta Teixeira acredita que vivemos em uma forte onda conservadora e que, mesmo tendo presença feminina na ALE, apenas isso não garante a solidificação de discursos voltados para as mulheres.

“Apenas eleger mulheres não garante a construção de discursos e políticas públicas mais feministas. Vivemos numa onda forte de um pensamento conservador, em que a constituição de família defendida é engessada e muitas famílias não são contempladas, inclusive aquelas chefiadas por mulheres. As mulheres eleitas em Alagoas são filiadas a partidos de centro ou direita. Portanto, acho difícil que pautas feministas tenham espaço necessário na Assembleia”, pontua.

Luciana Santana é cientista política e professora da Ufal. | FOTO: Ascom Ufal.

O QUE FAZER PARA MUDAR ESSE CENÁRIO?

Tanto Augusta Teixeira como Luciana Santana têm em mente que o caminho para transformar esse espectro é fundamental que exista uma mudança de mentalidade, desde os partidos até a consciência da sociedade como um todo.

“Defender mais políticas de incentivo à participação de mulheres e mais inclusão de pessoas fora da bolha elitista da política alagoana. Os partidos de centro-esquerda e esquerda precisam se fortalecer e criar novas lideranças com esses perfis. A renovação e a construção de novos perfis diante das novas demandas das camadas populares, que não ecoam dentro da Assembleia, deve ser uma bússola para iniciar esse processo”, conclui Augusta.

“Para alterar esse contexto, é preciso alterar a mentalidade, mudar a questão da cultura política – algo bastante difícil e que precisa de um tempo de maturação. Mas, precisamos incentivar e mostrar por que é importante ter mais mulheres na política, por que é relevante ter uma mulher tomando decisões sobre políticas públicas”, ressalta Luciana.

E finaliza:

“As mulheres têm as mesmas competências que os homens. Temos várias formas de reverter isso, a principal delas é a vontade política para alterar essa situação que elas vivenciam no âmbito dos partidos. Enfrentar esses obstáculos e criar mecanismos de punição aos que não tiverem a pré-disposição de incorporar mulheres em seus principais quadros”.

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