Camelôs das próprias histórias: a vida depois da Bienal

Na ausência da grande vitrine que é o evento, autores alagoanos independentes não têm tantas chances assim de vendas.
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Eram muitos livros. As pessoas passavam as mãos neles, cheiravam, interessavam-se. Muitas perguntavam os preços, outras já levavam para casa as bolsas cheias de literatura. Nas ruas de Jaraguá, personagens clássicos dançavam, chamavam para selfies, atraíram crianças. Assim também faziam os autores alagoanos, cheios de holofotes para seus livros. Foi assim durante 10 dias, na Bienal Internacional do Livro de Alagoas, no começo do mês de novembro.

Mas, na ausência dessa vitrine, os autores não têm as mesmas possibilidades de vendas. É praticamente ser um camelô das próprias histórias, carregando os exemplares nas bolsas ou prometendo levá-los para lugares em que poderão vendê-los. Marcam-se encontros pelas redes sociais e sempre fica implícita a torcida para que um leitor apresente o livro a outro.

Ser andarilho com suas histórias é o que motiva o autor Jean Albuquerque. Por escolha, não quis participar dos editais de publicação de livros – não escolheria a capa, a fonte, ficaria preso aos moldes de uma editora. Tem duas obras lançadas: Meu peito é um caminhão de mudança abarrotado com todas as lembranças que você deixou (Selo Oxenti Records, 2016) e Os deuses estão embriagados de uísque falsificado (Selo Sirva-se Edições Alternativas, 2017).

Chefe de todo o processo criativo das suas obras, Jean as diagrama, opina nas capas, fecha orçamentos e roda poucas cópias por vez. E sempre, sempre, está com os livros na bolsa. O dinheiro que ganha é pouco – não dá para viver de literatura no Brasil.

Jean Albuquerque tem dois livros publicados e investiu na publicação independente porque queria liberdade na escolha editorial

“Nunca sei a oportunidade que eu vou ter de encontrar as pessoas, as pessoas geralmente quando me encontram perguntam do livro e eu preciso estar com o livro para fazê-lo circular. Acho meio problemático viver enquanto escritor aqui no Brasil. Nem os escritores das grandes editoras conseguem viver com publicação. O máximo que eu consigo é tirar o que eu investi e um pouco mais e dá para pagar umas cervejas, cigarro, motel”, disse.

Passada a Bienal, para todos os autores, é continuar com o livro debaixo do braço, divulgando, vendendo. No caso de Jean, o que ajudou foi começar a falar de literatura e das suas obras em eventos. Como ele próprio classifica, precisou sair em turnê com os livros para vendê-los mais.

“Lancei o meu livro em Palmeira dos Índios e em Arapiraca. Foi interessante porque eu tive contato com outro público, consegui vender meu livro para mais pessoas, consegui fazer com que o livro tenha mais acesso. Foi muito interessante a experiência de descentralizar de Maceió e ir para os interiores”.

Jean conta que gastou cerca de R$600,00 para fazer 80 exemplares de seu segundo livro, que foi relançado. Faltam cerca de 20 impressões para serem vendidas e o trabalho dele é divulgado principalmente no Instagram @albuquerquejean_.

“Se eu tivesse esperado pelas editoras, nunca teria lançado um quadrinho aqui”

Para que pudesse contar a sua história, o autor alagoano Pablo Casado também escolheu a publicação independente de editoras. Ele é coautor da série de quadrinhos Mayara & Annabelle, que já está chegando ao sexto volume e esteve divulgando a obra durante a Bienal do Livro. Com os anos, tornou-se camelô da história que utiliza as redes sociais para divulgar.

Em dezembro, Pablo viajou a São Paulo para participar da Comic Con Experience 2019 e trouxe uma nova bagagem. Segundo ele, os eventos sempre rendem histórias interessantes e mostram que o cenário da literatura está se aquecendo no Brasil. Em Alagoas, por exemplo, sua série de quadrinhos empolgou uma estrangeira a conhecer mais nosso idioma.

Pablo Casado participou da Bienal neste ano, a primeira a ter um formato de Beco dos Artistas

“O momento mais legal da Bienal foi quando uma moça suíça parou na minha mesa junto com seu amigo brasileiro. Por algum motivo, Mayara & Annabelle chamou a atenção dela, que começou a folhear com curiosidade. Conversamos um pouco, entre português e inglês, e, consultando o amigo, ela achou que o quadrinho seria uma ótima forma dela praticar o nosso idioma. Ela queria ler a história completa e levou os cinco volumes da série”, contou.

Entretanto, Pablo precisou escolher a publicação independente porque seria impraticável esperar pelas editoras. A necessidade de produzir se tornou mais intensa e os custos e formas de impressão ficaram mais acessíveis – os preços das gráficas, os editais literários e os financiamentos coletivos foram os responsáveis.

“Se eu tivesse esperado pelas editoras, nunca teria lançado um quadrinho aqui. É difícil. A nossa série Mayara & Annabelle só está em seu sexto volume, a antologia Hora Extra, por causa do financiamento coletivo. A cena de quadrinhos no Brasil, em parte, só existe hoje graças ao boom do crowdfunding no país. Sou e serei um eterno defensor da modalidade pelo que ela já possibilitou para mim e para vários colegas”.

Viver dos quadrinhos não é possível. A renda que vêm deles é um complemento de renda. O que empolga é que os espaços estão se tornando mais fáceis. Na Bienal de Alagoas, por exemplo, foi a primeira vez que houve um espaço no estilo de Beco dos Artistas (Artists’ Aalley), como é feito nos grandes eventos. O Studio Pau Brasil organizou o espaço e fez a curadoria dos artistas.

A realidade é que ainda temos chão se quisermos ter uma cena como em outros estados – o que não significa que nada esteja sendo feito, pelo contrário. Há um movimento para isso e espero poder fazer parte”.

Assim como Jean, Pablo precisa das redes sociais para atingir o seu público. Pelo Twitter (@pablocasado) e Instagram (@pablo_casado, @mayaraeannabelle), ele consegue conversar com os interessados nos exemplares. As obras também são vendidas em site próprio (http://mayaraeannabelle.iluria.com/) e na Amazon.

“Decidi ser proprietária da minha obra”

Para Malu Villela, a Bienal foi o momento de se lançar. O livro Cachorrinhos não têm medo de fantasmas demorou um ano para ser confeccionado, tempo em que a autora escolheu revisora e ilustrador e trabalhou junto deles para chegar ao produto final.

Malu também não quis participar de editais – “A publicação independente tem identidade própria, luz própria, nasce de uma necessidade criativa em socializar ideias. Uma modalidade não inviabilizava outra, ambas têm sua importância”.

Malu Villela lançou seu primeiro livro neste ano, durante a Bienal

Por todo o processo, Malu investiu cerca de R$7 mil. Ela se organizou e bancou todos os custos com recursos próprios. Com experiência pedagógica, trouxe um novo momento para crianças. Em Cachorrinhos, fala-se sobre os animais abandonados, adoção e companheirismo. Assim o livro nasceu.

O que falou mais alto foi a paixão pela literatura, pela fábula, e por saber que estou contribuindo com pensamentos positivos, trazendo questões importantes. Quando pensei na extensão desse projeto, tudo caminhou suavemente”, analisou.

No lançamento, houve toda uma festa. O retorno financeiro, todavia, ficou aquém da expectativa. “Infelizmente, livro é um artigo “caro” e muitas pessoas, gostariam de comprar mas não conseguem”. Desmotivar-se não passa pela cabeça dela.

“Penso que o artista necessita, além de ser o artista, ser também empreendedor, acreditar no seu produto e não ter vergonha de vendê-lo e isto num país onde arte é considerado item supérfluo. Tenho outros projetos, que também serão financiados com recursos próprios. Faz parte da minha vida”.

A obra de Malu Villela pode ser adquirida diretamente com a autora, via Instagram (@malu.villela265).

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