O que restou do Cine Triunfo dialoga com o presente

Referência em patrimônio cultural da cidade, cinema não foi restaurado e se restringe a exibições de 'filmes adultos'.
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Por: Josy França

O cinema subsiste desde muito tempo mexendo com nossas ideias e emoções. Já pensou quantas histórias se passaram por um cinema? Certamente muitas. Mas, ao invés do cinema contar as histórias de outras personagens, queremos contar a história de um em particular, ou pelo menos uma parte que ele protagoniza.

O Cine Triunfo é o único cinema de rua que restou na cidade de Arapiraca desde que as TV’s e meios de audiovisual passaram a incorporar o ambiente doméstico, de forma mais expressiva no final da década de 80. Hoje, espremido entre pontos comerciais, delimita seu lugar na sociedade. Numa pesquisa para a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), os estudantes de Arquitetura e Urbanismo Anny Garcia, Cristiano Quércia, Juliana Freitas e Thiago Amorim reuniram muitas informações que nos levam a entender a trajetória desse local, que já foi até palco de shows de calouros na cidade, durante alguns anos após a sua inauguração.

Esses estudantes deixaram uma contribuição importante no que diz respeito à importância patrimonial do Cine Triunfo e à viabilidade de um projeto de restauro, para que as adaptações pelas quais possa sofrer (algumas já feitas no decorrer do tempo de seu uso) não venham a comprometer seu significado cultural e possam ser encaradas como modificações de seu próprio tempo. O Cine Triunfo é considerado uma referência de patrimônio cultural da zona urbana da cidade, mas, mesmo com o projeto feito há cinco anos atrás, até aqui não houve ação no sentido de restauração do prédio ou de um funcionamento mais enfático.

A problemática presente, como em outros cinemas de rua, é que sem subsídios para competir com os aparelhos de vídeo e as grandes redes de cinemas, geralmente encontradas nos shoppings, esses cinemas de rua perderam muito público e, com isso, um outro gênero de filmes se destaca.

Não era novo o interesse pelos filmes eróticos, mas só ao final da ditadura que eles puderam ser exibidos. Uma população que até então estava sob um regime repressor, de repente se torna telespectadora de um tema intrínseco que é a sexualidade, sem, no entanto, discutir as questões relacionadas ao desejo. Sendo um gênero que foge da realidade e de conflitos nas relações entre os sexos, é ainda, de acordo com Nuno Cesar Abreu (1996), um “entretenimento de massa, que precisa mostrar, mesmo através de um jogo de espelhos, alguma coisa das reais experiências e necessidades de seu público”.

Também chamado de “cinema adulto”, mesmo atualmente sendo mais acessível, ainda atrai pessoas ao cinema e, na época da pesquisa, principalmente homens mais velhos. Visitamos o cinema em uma noite de exibição, porém não fomos autorizados a entrar, pois o responsável não estava. Pode-se entender que mesmo sendo um espaço aberto e um tema até banalizado, há um constrangimento em ser visto nessas sessões.

Conversamos com Seu Dartagnan, que veio de Mossoró para Arapiraca e, há cerca de 40 anos, trabalha com cinema, já trabalhando também como projetista quando o Cine esteve em seu auge. Ele se reconhece como um admirador do cinema durante todo esse tempo. Em um ambiente ao lado, zela pelo local onde funcionava uma locadora. Lá, se pode encontrar diversos filmes, principalmente clássicos nacionais como os filmes de Amácio Mazzaropi. Outra coleção de filmes, ou melhor, uma exposição das embalagens também pode ser encontrada na antiga locadora. Ela serve como pano de fundo para conversas sobre o que o cinema proporciona.

Seja como for, através de um filme se pode encontrar um novo olhar sobre a vida, mesmo que isso venha de uma obra de décadas atrás. O editor de vídeos Mario Tayroni frequentou o Cine Triunfo algumas vezes, na infância e adolescência, pagando uma pequena quantia e assistindo a vários filmes em uma tarde. Pra ele, foi uma experiência muito mais marcante do que ver os filmes em casa, pois dessa forma os amigos se juntavam para ir ao cinema e acabavam se responsabilizando uns pelos outros. Ele conta que o Cine Triunfo tentava se manter presente alugando filmes para se assistir no próprio local, mas, na época, já existiam outros cinemas mais próximo de casa.

Como vimos, o Cine Triunfo está vinculado ao lugar e à memória (inclusive afetiva) de muitas pessoas que passaram pela cidade. Pode e merece atenção por preservar ainda características dos cinemas tradicionais.

Entre um passado saudoso, dentro de uma estética refinada, e um futuro de apagamento, ainda existe uma sala, com projetor e zelador que nos levam a ter contato com elementos de uma época.

É como se “respirasse” um ar carregado pelo tempo e também marcado por certas tradições. Seu Dartagnan fica na porta, junto de outros amigos tomando café enquanto o cinema e a locadora ficam abertos, recebendo pessoas curiosas em conhecer um pouco sobre o local e que saem de lá com a pergunta: existirá um Triunfo para o cinema ou um final trágico, de esquecimento?

Nas palavras dele, “nunca vai acabar, enquanto tiver gente indo, gostando de cinema, conhecendo filmes.” Entre a história de uma família e ao mesmo tempo de um patrimônio, em meio à cidade e à especulação imobiliária, o fato é que o cinema corre o risco de – a qualquer momento – ser transformado em mais um ponto comercial, como o restante de seu prédio, que foi sendo dividido em partes desconectadas do seu original.

A memória coletiva preserva muitas histórias, mas quem na cidade está cuidando de preservá-la e manter vivos espaços com tamanha carga simbólica e histórica como esse que corre perigo de desaparecer? É necessário entender qual é o nosso papel nesse “roteiro”. A história do Cine Triunfo remonta não apenas mudanças no gosto do público, mas principalmente que, mesmo com toda essa pressão econômica (inclusive de espaço), ele consegue dialogar com o presente. O que ele ainda não consegue fazer, ao menos sozinho, é se integrar como antes. Nos aproximando de um dos possíveis desfechos, podemos imaginar que, caso o projeto que esses quatro universitários fizeram cinco anos atrás tivesse sido aproveitado, hoje a sua história poderia ser diferente.

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