Dia de Jornalista: Inteligência Artificial, desinformação e aquela velha precarização de sempre

O museu de grandes novidades ilumina seus letreiros trazendo o que chamam de mais um desafio para o jornalismo mundial. A reflexão do momento é se o CHAT GPT, nova ferramenta de linguagem que produz textos e conversas extremamente complexas, irá tomar o lugar ou extinguir a profissão de jornalista
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O museu de grandes novidades ilumina seus letreiros trazendo o que chamam de mais um desafio para o jornalismo mundial. A reflexão do momento é se o CHAT GPT, nova ferramenta de linguagem que produz textos e conversas extremamente complexas, irá tomar o lugar ou extinguir a profissão de jornalista.

Será? Já ouvimos isso antes. No âmago do debate, a gente rememora que a Inteligência Artificial, sendo um instrumento resultante de um acúmulo da ciência, deve servir coletivamente – ao menos é assim que defendemos. O problema é quando, apropriada e mercantilizada, como tantas outras tecnologias, é posta a serviço de um processo que acontece com inúmeras outras categorias: a precarização.

Armadilhas, armadilhas

Antes de tudo, vamos lá: galera, jornalistas. O quanto vocês se reconhecem enquanto trabalhadoras e trabalhadores de fato e direito? Esse olhar no espelho é tarefa para ontem e difícil prosseguir essa prosa sem que essa missão tenha sido cumprida. Reconhecer a precarização do nosso trabalho significa nos encontrarmos no meio de toda essa gente que sofreu com reforma trabalhista, com a uberização e com tantos outros modelos que alteraram a dinâmica do modo de trabalhar e o vínculo com quem paga pelo trabalho que desempenhamos. A pjotização é assumida, quando jornalista precisa abrir um CNPJ para prestar serviço diário de forma pessoal, não eventual, em troca de remuneração. Deveria ser celetista, ter direitos, mas não tem.

As demissões em massa se multiplicam – a última tirou 40 jornalistas da Globo na semana passada. As redações enxutas cobram a polivalência para aquela jornalista romanticamente chamada de multimídia, multifunções, multitarefas. A multitarefa tem prazo para cumprir, tem produtividade para garantir e um fantasma a mais – da IA – para se assustar.

A multitarefa se perde também na impossibilidade de tempo de devida checagem de fatos ou devida profundidade da informação. A desinformação, lembremos, também se trata de informações superficiais que induzem a erros. Ouvir mais pessoas pode conduzir a uma outra conclusão sobre o entendimento de situações, mas não há tempo. E, além disso, não se lê textos maiores de uma lauda. Não se assiste vídeos com mais de 3 minutos. A tarefa vai ficando impossível e vamos nos enfiando em uma lógica de barganha: negociamos os termos da qualificação profissional em detrimento da IA, porque nós temos capacidade de investigar melhor as informações e a IA não. Olhamos o letreiro: a defesa não é pela ética de trabalho, mas em reforçar nosso valor diante da concorrência artificial ou humana – com produtores de conteúdo ‘não-jornalistas’. O sistema que produz essas necessidades; as empresas que nos condicionam a tais relações ultraprecarizadas e ainda nos cobram pelo que apontam os algoritmos; as grandes plataformas que captam nosso trabalho gratuito, ganham de um jeito ou de outro. Armadilhas, armadilhas.

Desligando o letreiro

No entanto, é exagerado dizer que não temos saída, ou que não podemos apagar esses letreiros e encerrar as atividades desse velho e difícil museu de grandes precariedades. Podemos e, sinceramente, constatamos algumas construções concretas. Existe uma preocupação generalizada com a desinformação, que polarizou a política no bojo de violações de direitos humanos e que acentuou a gravidade da pandemia do Coronavírus, gerando comprovadamente inúmeras mortes desnecessárias.

Nosso dever ético se coloca – mais uma vez – a serviço desse enfrentamento, no reconhecimento enquanto trabalhadoras e trabalhadores de redações, que têm o direito de trabalhar direito. Na reivindicação por descentralização de recursos públicos que também se distribuam às mídias independentes de modo que continuem existindo. Na organização, afinal de contas, de jornalistas que estão em todos os lugares – flexibilizados, fragmentados, das assessorias aos coletivos – mas que conseguem se ver no mesmo espelho, e entendem que,  às vezes, faz parte do jornalismo apagar os letreiros polêmicos e dar uma olhada no que o museu tem a nos ensinar. Não é o CHAT GPT que ameaça jornalistas.

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