EDITORIAL: Manter o preço da passagem é insuficiente – precisamos falar sério sobre mobilidade em Maceió

Para nós, da Mídia Caeté, a discussão sobre os custos com transporte não deve ser levantada como mera relação de consumo, em que a ‘qualidade do produto’ porventura justificaria seu preço, mas atrelada ao debate que o enraíza: o direito à mobilidade urbana.
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Na última terça-feira, 14, o prefeito Rui Palmeira se posicionou contrário ao aumento da tarifa do transporte de ônibus em Maceió, de R$ 3,65 para R$ 4,10.  A declaração feita à imprensa veio após intensa pressão popular, sobretudo de argumentos apresentados pelo chamado Comitê pela Redução das Passagens, que registrou junto ao Ministério Público uma série de irregularidades, como o descumprimento em relação ao pagamento de dívidas contratuais por parte das empresas, que já passa de R$ 23 milhões, o descumprimento em relação à renovação de frotas, a deficiência no monitoramento do transporte, além de arbitrariedades durante reunião do Conselho Municipal de Transportes.

É o segundo ano em que as passagens de ônibus não têm reajuste na capital alagoana. Apesar desse desfecho se configurar uma vitória popular considerável, acreditamos que a decisão da gestão municipal é insuficiente, não só em decorrência das denúncias de irregularidade em como o processo foi conduzido e da relação de total permissividade da própria Prefeitura de Maceió em relação à dívida de mais de R$ 23 milhões das empresas. Levamos em consideração, ainda, a absoluta incoerência dos custos propostos pelas empresas em relação à realidade financeira da população maceioense, o que foi discutido nesta nossa reportagem.

É antiga a forma como o transporte público é encarado, como um serviço comercial, e a população se torna refém do que – e de quanto – é oferecido. Para nós da Mídia Caeté, é imprescindível que uma discussão tão importante quanto os custos com transporte não seja levantada como uma mera relação de consumo, em que a ‘qualidade do produto’ porventura justificaria seu preço. É preciso que a discussão sobre as passagens se atrele ao debate que o enraiza: o direito à mobilidade urbana.

Na tentativa de apresentar políticas de transporte mais efetivas internacionalmente, o ITPB Brasil chegou a apresentar um Manual de Desenvolvimento aos Transportes Sustentáveis, que apresentou alternativas para a melhoria da mobilidade, tais como: incentivo ao uso de transporte público, de bicicletas (através de adoção de política de trânsito que o favoreça), compactação do uso das cidades para reduzir distâncias – que possam inclusive ser percorridas a pé; implantação de transportes de alta capacidade, como metrôs e trens. O estudo apontou que estes dois tipos de transporte – coletivos e alternativos – são considerados os mais viáveis para substituir progressivamente os automóveis, interferindo qualitativamente no trânsito.

De acordo com os estudos que fazem Considerações sobre a Mobilidade Urbana em Maceió (Clique aqui para acessar na íntegra) Maceió tem 510,7 quilômetros quadrados, e ônibus que percorrem mais de 90% dos bairros. Já o Veículo Leve sobre os Trilhos (VLT) é o segundo transporte mais utilizado. Com a deficiência no transporte público, sobretudo falta de frotas, estrutura e irregularidade de horários, a população associa o automóvel a uma forma de independência em relação a esses problemas. A pesquisa apontou um diagnóstico dos principais eixos viários, concluindo que a faixa azul – exclusiva para ônibus – e as ciclovias foram úteis no auxílio para a efetivação da mobilidade urbana. O problema é que a desigualdade econômica se atrela à organização espacial estrategicamente desordenada das cidades, tornando refém das empresas justamente os grupos sociais com menor renda. Segundo o IPEA, os mais ricos em Maceió têm quase o dobro (1,7 vezes) de chances de se locomover de casa ao trabalho a pé do que os mais pobres. Quem mais precisa utilizar o transporte é quem termina por ser obrigado a pagá-lo.

O estudo, resultante do Projeto Acesso a Oportunidades ainda informa que “há grandes diferenças de acessibilidade no país. Em todas as cidades estudadas, a população branca e de alta renda tem mais acesso às oportunidades do que negros e pobres. O estudo revela, também, que a concentração de atividades nas áreas urbanas, aliada à performance das redes de transporte, garante altos níveis de acessibilidade ao centro das cidades, enquanto regiões de periferia são marcadas por desertos de oportunidades”. (Clique aqui para acessar o texto e clique aqui para acessar a pesquisa na íntegra)

A despeito do avanço propiciado pela extensão da faixa azul em uma série de vias, as ciclovias entretanto só existem mais extensamente na orla da capital, de modo a se encarar o ciclismo mais como lazer do que meio de transporte. Não há ciclovias contínuas, por exemplo, nas maiores avenidas como a Fernandes Lima e a Menino Marcelo, dificultando sobremaneira a locomoção dos que mais utilizam esses trechos, ou seja, a população que trabalha todos os dias.

Há muito o que se remontar quando se trata de mobilidade, e uma série de atores que têm enfrentado o debate a partir das perspectivas de direito à cidade e inclusão social. Segundo a Lei 12.587/2012, que desenvolve a Política Nacional de Mobilidade Urbana, municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes deveriam ter elaborado esse plano até 12 de abril de 2019. Segundo a última atualização (Clique aqui para acessar na íntegra), o PlanMob em Maceió ainda não existe – apenas as discussões no âmbito da Prefeitura e do governo do Estado.

Encarar a mobilidade urbana como uma garantia- e não um consumo, para nós da Mídia Caeté, trata-se de rememorar que saúde, trabalho, lazer e educação, por exemplo, são direitos fundamentais assegurados pela Constituição e o acesso aos espaços que os fornecem é basilar para o alcance desses direitos. Fomentar essa mobilização entre os principais setores da sociedade civil, coletivos, grupos e movimentos sociais  interessados no direito à cidade é uma tarefa urgente na cidade de Maceió e em outras localidades cujo crescimento desordenado e horizontal tem sido um entrave às demandas básicas e diárias da população.

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