Em audiência, segmentos culturais de Maceió cobram políticas públicas municipais paralisadas

Indignados com o tratamento que a Prefeitura vem dando ao setor, representantes do meio se uniram a fim de buscar soluções para acabar com o descaso
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Denunciando mais uma vez o desmantelamento das políticas culturais em Maceió, representantes do segmento estiveram presentes em audiência pública na Câmara Municipal de Maceió, nesta segunda-feira, 19, reivindicando a retomada de três equipamentos necessários para o funcionamento no setor. O Conselho Municipal de Cultura, o Plano Municipal de Cultura e, finalmente, o Fundo Municipal de Cultura compunham o que é chamado de ‘CPF da Cultura’ e seguem paralisados pela Prefeitura de Maceió, impossibilitando a participação e o acesso da classe cultural local aos direitos.

A audiência foi convocada pela vereadora Teca Nelma e contou com a mesa composta pelo Pai Célio, representando a cultura afro-brasileira; com o coordenador Escritório regional do Ministério da Cultura, Pedro Verdino; com a representante da Associação dos Forrozeiros de Alagoas; Rosiane Lessa, a produtora musical Wedja Miranda; e o coordenador gera de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura, Fred Correia.

Durante a atividade, a virada de costas para o setor não só foi a reclamação mais recorrente, como os relatos demonstram a gravidade com que o esvaziamento vem acontecendo, e que vem se destacando publicamente de forma mais recente, diante de uma sequência de medidas polêmicas por parte da gestão municipal: a falta de editais para os blocos de Maceió e o pagamento de R$ 8 milhões para o desfile da escola de samba carioca Beija Flor; ou mesmo o calote aos forrozeiros e as grandes quantias para shows nacionais e, contraditoriamente, a negativa de recursos e o calote aos artistas locais.

Cantora Mary Alves durante audiência pública. Imagens: Transmissão/CMM

Antes de realizar  a apresentação de abertura, a cantora Mary Alves manifestou o descontentamento com que a produção cultural alagoana é desvalorizada. “A cultura alagoana é, de fato, uma prioridade para nossos gestores? As ações culturais, as Leis Aldir Blanc, Paulo Gustavo, são de fato políticas públicas que têm nos atendido de forma justa, honesta e transparente? O descaso é um projeto político?”, questiona.

Uma das caracterizações deste descaso foi trazida pelo Mestre Zé Cláudio, da quadrilha Luar do Sertão, que relatou sua experiência durante os festejos juninos de 2023. “No ano passado, fizeram um grande palco para as apresentações principais e não fizeram nada para as quadrilhas. Fomos reivindicar e nos colocaram ao lado do mercado”, contou.

 

 

Mestre da Quadrilha Luar do Sertão conta sobre descaso que fez o grupo voltar para casa sem se apresentar. Foto: Transmissão/CMM

“Tive o desprazer de, no primeiro dia, levar minha quadrilha que estava na programação. Levamos ônibus, caminhão. Tinha gente para assistir, mas não tinha som nem iluminação, então tivemos que ir embora. Aí sabe o que o cara da fundação falou? ‘Não se preocupe, você vai receber o cachê’ . Então é esse o tipo de descaso que se tem com a cultura popular”.

Os forrozeiros também foram afetados diretamente com as diversas sabotagens durante o período junino. “ Como o cara vai dizer que não é falta de respeito você desconsiderar o segmento que é característico daquela época, daquele período? Aí, para dar um alento, coloca o cara para tocar em um ponto de ônibus, porque a grande maioria dos forrozeiros tocaram assim no São João. Em algum lugar no comércio, com sanfona na mão, andando no centro da cidade. Isso os artistas aceitam porque precisam daquele dinheiro. É pouco, mas precisam, aí se submetem a essa humilhação”, diz. “

 

Tem um cidadão, que está até internado, que colocaram ele para tocar caminhando no corredor Vera Arruda. É muito longo. Uma sanfona pesa de 12 a 15 quilos e, para você usar andando, é muito sofrimento. Mas a pessoa se submete porque precisa. E o São João para o forrozeiro é o décimo terceiro dele”.

Orçamento para eventos culturais está na Secretaria de Comunicação

A estrutura de financiamento dos eventos culturais também foi colocada em pauta. Representando a junta governamental do sindicato dos artistas, Dudu Nogueira relatou como a própria Secretaria de Cultura é desfalcada em orçamento, que fica sob gestação da Secretaria de Comunicação.

“Não existe uma gestão cultural hoje no município. A Secretaria de Cultura, ao meu ponto de vista, é órgão de fachada, porque os grandes eventos relacionados à cultura estão sendo feitos pela Secretaria Municipal de Comunicação. O Maceió Verão foi completamente feito pela Comunicação, sem autonomia nenhuma da Secretaria de Cultura. Eu estive lá no backstage e vi pessoas da cultura, da FMAC, sem autonomia. E a Comunicação totalmente dominando a situação, como também no São João”, relata.

Nogueira acrescentou, ainda, a falta de democratização das discussões. “Não existe conversa com a sociedade para trazer a discussão sobre os planejamentos dos eventos. Não sei se já foi divulgado, mas nos próximos dias deve sair as próximas atrações. Mas trouxeram para gente esse debate? Já é um debate antigo”, acrescenta. “E a desculpa é que é um evento turístico. Não. É um evento cultural. Cabe à Cultura exercer seu papel politico-cultural. O que se vê é esvaziamento. Uma Secretaria de Cultura nova que não assumiu seus poderes”.

Segundo o representante do sindicato, houve esperança com a criação da Secretaria de que as políticas culturais de fato fossem consolidadas. No entanto, as expectativas foram frustradas.

“O Conselho já era uma grande conquista, mas estamos em ano de eleição e ele está suspenso. Sem Conselho, não temos como questionar. E como a Secretaria de Cultura não tem autonomia, como cobrar os 50% de orçamento obrigatório por lei para artistas locais, se as contas dos grandes eventos não estão na Secretaria de Cultura, para ser avaliada pelos conselheiros. Estão sendo avaliadas na comunicação”.

Assim, sem o devido controle social, grandes disparidades terminam por acontecer. “Os técnicos de espetáculo de fora ganham 7 vezes mais do que os daqui. Nos grandes eventos, o prefeito e os convidados tinham camarote, sala privativa, acesso a tudo, mas os técnicos estavam ao lado do caminhão comendo com colher de plástico”, cita.

Maceió sem CPF da Cultura

Atual gestor do Cine Arte Pajuçara, Marcos Sampaio, o Marcão, problematizou a ausência de participação social na construção das decisões.

“Vamos discutir a necessidade de política pública para a cultura e essa política pública pode ter várias vertentes, várias nuances, mas tem que ser fundamentalmente construída junto à comunidade cultural. O que a gente observa é que justamente o que foi plantado para política cultural foi desmantelada ao longo dos anos. E um elemento fundamental para participação social é o Conselho Municipal de Política Cultural. Não se admite hoje uma gestão, seja municipal, estadual, federal, que não tenha dentro dela os elementos necessários à participação popular”, relata.

Marcão também comentou sobre as políticas públicas construídas em gestão anterior, que passaram a se desmantelar ao longo dos anos e das gestões seguintes até a atual. “Nos últimos anos, tivemos, do ponto de vista federal, a destruição de políticas no âmbito cultural. E, mais do que isso, a demonização do artista e do fazedor de cultura no país. Passamos a ser para alguns os inimigos, usurpadores, que queriam se beneficiar das políticas públicas e leis de incentivo. Até hoje, uma parcela da população absorveu o discurso, chegou nas outras gestões. Nesta gestão municipal não tem sido diferente”.

Para solucionar, o gestor do cinema levanta a necessidade de resgatar o que tem sido chamado pelo setor cultural como o ‘CPF da Cultura’. Para Marcão, é preciso começar definindo um calendário para a gestão municipal, no sentido de que restabeleça a política de cultura.

“O segundo ponto é que, a trancos e barrancos, tivemos uma conferência de cultura, e dessa conferência foi tirado um plano municipal de cultura, revisto em 2023. É preciso que seja ampliado e se torne lei”, explica. “A dificuldade é que a comunidade cultural se aproprie dele e transforme em instrumento de reivindicação”.

Por fim, acrescenta a necessidade de que seja retomado o Fundo Municipal da Cultura. “Sem os três, inclusive, Maceió não recebe recursos federais. É o que chamamos de CPF da Cultura, que precisa ser regulamentado”.

A reivindicação foi reforçada por outros participantes, como a produtora musical Wedja Miranda.

“É impossível que a gente continue aceitando os desmandos que estão acontecendo. A gente teve exemplo com a Lei Paulo Gustavo. Na minha concepção, enquanto fazedora de cultura, edital não é política pública. Ele é mais um, mas não é política pública para cultura. O Conselho tem que estar junto, o Plano, o Fundo. A gente precisa ter alguma coisa nas instituições culturais do Estado e do Município que garantam a vida da cultura alagoana, porque somos muito ricos”, conta. “Não sou contra artista nacional, mas contra o destrato aos músicos alagoanos”.

Representando a Secretaria Municipal de Cultura, o coordenador geral de cultura Fred Correia informou que houve atrasos no calendário da Lei Paulo Gustavo em Maceió, mas que estavam lançando em breve novo calendário. Também relatou que estavam “organizando o conselho para operar a lei”.

Durante sua fala, também afirmou que a Secretaria de Cultura construída há um ano ainda não possui uma equipe técnica. “Devido a outras dificuldades, secretaria nova sendo montada, equipe técnica que não conseguiu montar, o calendário foi estendido, mas vai ser cumprido, e a gente está dentro do cronograma novo para fazer a lei acontecer”, contou.

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