Em meio à crise por moradia, ADEMI comemora preço alto dos imóveis em Maceió: “brilhou intensamente”

Mercado Imobiliário não menciona como afundamento de solo aumentou procuras forçadas, e como fez uso da crise para aumentar preços
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Especulação imobiliária é elevada na capital alagoana. | FOTO: Secom Maceió

A remoção de famílias em pelo menos 14, 5 mil imóveis atingidos pelo afundamento de solo provocado pela Braskem em cinco bairros de Maceió, gerou o que pesquisadores identificam como um rebatimento claro no mercado imobiliário: conforme o mapa de risco aumentava a área de abrangência, as variações nos preços dos imóveis superava a própria meta em uma sequência harmônica de tragédia-encarecimento. Cinco anos depois do crime ambiental que esvaziou os cinco bairros, a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas – Ademi-AL, começa o ano emitindo uma nota festiva em que diz que Maceió “brilhou intensamente” como “uma das capitais mais valorizadas em 2023”.

A comemoração foi publicada nesta quarta-feira, 18 de janeiro, e retrata que, com o aumento surpreendente de 15% no valor das casas, apartamentos, e empreendimentos comerciais,” Maceió se firmou como um polo de prosperidade no setor.”

A Associação ainda atribui esta alta no valor ao “potencial econômico da região, mas também ressalta a crescente confiança dos investidores e clientes no mercado local”. Mais a frente, acrescenta que “por meio de nosso calendário de eventos, contribuímos para a valorização contínua do setor em Alagoas! Seja você um residente, investidor ou sonhador em busca do lar perfeito, este é o momento de estar atento às oportunidades que nossa cidade oferece.”
A matéria produzida pela entidade que representa o mercado imobiliário alagoano repercutiu negativamente aos diversos segmentos que atuam sobre os problemas urbanos da capital alagoanas, entre pesquisadores, organizações e afetados pela mineração.

Ocorre que, em nenhum momento, a matéria atribui a alta do preço à procura forçada por imóveis desencadeada pelo afundamento dos cinco bairros em Maceió, provocado pela mineração da Braskem. Ao negligenciar este fato, portanto, a entidade não responde uma série de perguntas sobre a quem esta valorização serve, quais os possíveis consumidores deste ramo, ou mesmo se as pessoas deslocadas dos bairros, de algum modo, estão tendo as demandas atendidas pelo tamanho da oferta.

ADEMI comemora “desempenho imobilbilário” de Maceió. | FOTO: Divulgação.

Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a arquiteta e urbanista Caroline Gonçalves tem pesquisado desde 2019 os impactos das subsidências sob o ponto de vista da atuação estatal, do mercado imobiliário, dos afetados e da própria empresa.

No âmbito do mercado imobiliário, as análises iniciaram em 2020, quando, segundo a pesquisadora, já foi acendido o alerta de que o Plano de Compensação Financeira afetaria os valores dos imóveis.

“Quando soubemos que haveria esse aporte de capital pra compensar e pagar os atingidos, imaginamos que seria um rebatimento claro no mercado imobiliário. Em 2019 já tínhamos percebido um impacto no mercado de aluguéis, em que o aumento chegou a ser noticiado. Quando veio o Plano de Compensação, com a injeção de capital, o mercado imobiliário também passou a responder com o preço das vendas, porque as pessoas estavam procurando. Inicialmente havia 4500 imóveis de estoque disponíveis para venda, ainda que não necessariamente prontos, alguns em construção”, rememora.

A essa altura, os pesquisadores já atentavam para a movimentação do mercado imobiliário e o foco na demanda que surgiria. “Foi ampliando conforme a revisão de mapa, chegando a 14.500 imóveis atingidos, que é o que temos hoje. Fomos comparando os índice do FIPEZAP e refletindo o aumento desse preço sobre a atualização do mapa. Vai valorizando conforme a demanda. Então, refletimos que a valorização começou a ultrapassar numa linha bem superior ao nível nacional, inclusive acusando essa inflação acima da média nacional, com variações sempre positivas. E depois da variação vem o preço mesmo, que ultrapassou 2023 como o maior metro quadrado do nordeste, até mais caro do que Recife. Já havia ultrapassado Fortaleza, Salvador”, conta.

Ainda segundo a pesquisadora, nenhuma justificativa se dava para esse aumento substancial. “Se a gente comparar o fator renda, é uma cidade que apresenta muita desigualdade. Não temos nenhuma variação na faixa de renda da população que possa explicar que foi impulsionada por este fator de crescimento. Então é claramente impulsionado pela pressão por demanda. E o que foi que mudou nesse cenário para essa variação tão repentina e intensa”, conta.
A resposta é trazida pelo entendimento de que essa oferta não vem sendo destinada às pessoas que forçosamente foram levadas à procura.

“Eles não trazem muita idéia do que explicou os aumentos de preço nesta proporção] e reforçam o convite de ‘venha investir’. Não começa, a ofertar para a demanda que surgiu, mas entendendo que tem gente que vai atuar no mercado imobiliário passivo”, diz.

De fato, dados do IBGE apontaram um aumento populacional considerável nas cidades metropolitanas, o que vem sendo explicado por economistas de todo o estado como decorrente das realocações de ex-moradores dos bairros afetados pela Braskem e da falta de residências adequadas, em preço ou em sincronia com as necessidades estruturais das famílias, de Maceió. Assim, o Censo Demográfico em 2022 indicou que as maiores taxas de crescimento populacional em Alagoas foram observadas em cidades do entorno de Maceió: Satuba (95,11%), Rio Largo (32,88%), Marechal Deodoro (31,19%) e Paripueira (21,93%).

Apesar de ‘surfar na onda’ das procuras forçadas, ofertas do Mercado Imobiliário não foram destinadas à demanda dos afetados

É nesse sentido que o perfil das ofertas é também analisado. “Nesse cenário a gente vai ter produção do mercado imobiliário que não é voltado a essa demanda que surgiu. Eles ofertam muitos imóveis de um quarto, o que preocupa muito, porque os estúdios em si são vários imóveis situados em áreas com certa infraestrutura, na parte baixa, como Ponta Verde, Jatiúca, Pajuçara. São voltados a turistas, aluguel por temporada, airbnb, e na prática não atendem à demanda reprimida. Então são imóveis em áreas que têm estrutura, mas vão passar parte do ano fechados”, conta. Nesse sentido, Gonçalves atenta para o formato. “Muitos imóveis eram de edifício térreo mais três, e agora eles demolem e constroem outros com mais unidades, nesse formato, com esse padrão pequeno”.

Mesmo quem de fato tenha deixado os bairros, deslocando para a parte baixa, não o fez necessariamente por opção. “O fator preço foi um dos maiores apontados como fator de decisão, além do fator de oferta. Se a pessoa recebeu o dinheiro da compensação, essa indenização que foi paga não considerou a euforia do mercado imobiliário. Então a pessoa recebe aquele valor, e quando vai ver na cidade não encontra imóvel que possa pagar”.

Professora de Arquitetura e Urbanismo da UFAL, Caroline Gonçalves.

Por último, ainda há a questão da desvalorização dos imóveis no entorno. “A área mais valorizada nesta no eixo de Pajuçara, Ponta Verde, e Litoral Norte. São esses que puxam tão para cima este valor. E o que puxa também para cima são esses estúdios que chegam de R$ 14 a 19 mil o metro quadrado, nessa expectativa. É algo que precisa muito ser discutido, porque tem muitos empreendimentos sendo construídos nesse formato, na Engenheiro Mário de Gusmão, Amélia Rosa, imediações da Álvaro Calheiros, e são imóveis que vão passar parte do ano fechados”.

Ausência do Plano Diretor

A ausência de uma maior intervenção estatal na promoção de políticas públicas e gestão de toda essa situação é levantada, também, como uma questão que terminou por ‘descontrolar’ esse “boom”.

“Não houve uma quantificação, quantos imóveis tinham três ou quatro quartos. Nenhuma informação controlada do ponto de vista da política pública, de como gerir. Daí a gente observa que tem relação com a própria deixa do Estado de não ter garantido minimamente garantido o Plano Diretor”.

É neste sentido que a crítica se volta à busca pela atualização do Plano Diretor, uma vez que sua ausência vem desencadeado em uma série de construções orientadas aos próprios interesses do mercado imobiliário, sem muitos obstáculos.

“Batemos na tecla porque, além do mercado ter se aproveitado mesmo disso como um case de sucesso no cenário nacional, na prática, ele também se aproveita da revisão do plano diretor que serviria para se pensar como a gente vai redistribuir e redirecionar, onde vai adensar ou não deve adensar. Onde é possível ter empreendimento nesse formato de estúdios airbn. Nada disso é colocado sob revisão e atualização. Então é o mercado imobiliário quem dita para onde seguir e onde adensar”.

Já as pessoas que buscam por moradia, lhes restam buscar os locais mais distantes em regiões periféricas, o que vai levantando ainda mais problemas numa reação em cadeia.

As pessoas que precisam morar não conseguem comprar nessa parte. Estão tendo que ir para lugares mais distantes: as zonas periféricas da cidade.

Dizer que Maceió brilhou? Como o próprio mercado imobiliário pode sofrer com esse “crescimento”

O sentimento de revolta vem se estendido nas redes sociais pelos segmentos ativistas também das questões urbanas. A arquiteta e urbanista Isadora Padilha, coordenadora do Instituto Ideal, reitera a impulsão da desigualdade gerada por esta alta de preços.

Coordenadora do Instituto Ideal, Isadora Padilha.

“Impressiona a falta de sensibilidade da ADEMI, instituição mor que representa o mercado imobiliário em nossa cidade, diante do momento que vivemos em Maceió. Dizer que Maceió brilhou quando o custo dos imóveis aumentou por causa do maior desastre socioambiental em uma área urbana do mundo? Quando as pessoas da cidade são cada vez mais empurradas para áreas periféricas porque não conseguem pagar o preço de aluguéis em uma cidade onde o mercado imobiliário atende apenas 2% da população?”, questiona.

Para além do estarrecimento, Isadora Padilha retrata como esse movimento do mercado imobiliário pode, inclusive, causar um efeito rebote. “O mercado imobiliário deveria repensar essa lógica estudando o que acontece em lugares como Veneza, como a costa espanhola, como cidades de Portugal e até do Canadá ou mesmo Salvador e Recife que passaram por bolhas de quedas generalizada de preços e encalhe de imóveis e subsequentes falências de empresas, para perceber que esse tipo de pensamento é autofágico para os seus próprios negócios”.

A Mídia Caeté entrou em contato com a ADEMI, por meio de assessoria de comunicação. Informamos o motivo da reportagem, mas até o momento não obtivemos retorno.

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