Bolsonaristas do canteiro mostram direita na oposição

PM chegou a enviar relatório, mas não apontou lideranças econômicas; ato perde força, mas segue agrupando ideologias antidemocráticas
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Sem qualquer instituição do Estado ou do Município mobilizada em contê-lo, o ato bolsonarista se aproxima de completar o primeiro mês em frente ao Quartel do 59º BIMtz, na Avenida Fernandes Lima, em Maceió. Já sem o fluxo intenso dos primeiros dias, os manifestantes se posicionam, na maior parte do tempo, como um lembrete de que há gente organizada, alimentando e sendo alimentada por propaganda antidemocrática, enquanto reivindicam um golpe que atenta contra uma das cláusulas pétreas da Constituição do país – o voto secreto, universal e periódico. Agora a oposição é esta à direita, que insurge em todo o país, insuflada por grupos políticos e econômicos, que pouco aparecem, a escalar discursos de ódio e confronto a direitos sociais.

Mesmo movimentos sociais tradicionais na luta por direitos, críticos à mobilização dos bolsonaristas, desta vez pouco tem ido às ruas. Vêm realizado petições, notas em repúdio e outros mecanismos de apelo para que as instituições façam o que lhes cabe. No último 16 de novembro, por exemplo, a Bancada Negra ajuizou uma Ação Popular direcionada à Prefeitura de Maceió para que cesse o ato antidemocrático, considerando a poluição sonora e outros prejuízos causados a maceioenses. Segundo informações da Bancada, não houve resposta. A gestão municipal não respondeu à Caeté também. O Governo do Estado foi procurado pela redação e, através da Secretaria de Segurança Pública (SSP), confirmou que não há ação programada no sentido de conter os manifestantes.

Já as últimas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), através do ministro Alexandre de Moraes, caminham também por determinar a desocupação das vias públicas ou qualquer espaço ocupado por estas manifestações. O debate se trata menos dos transtornos urbanos causados pela manifestação, e mais no pleito e seu fundamento antidemocrático. As decisões de Moraes vieram após uma série de relatórios também recebidos pelo Supremo, indicando as lideranças, empresas patrocinadoras e demais informações detalhadas a respeito das organizações do ato.

As investigações que chegaram ao STF confirmaram que o gabinete de campanha do golpe vinha sendo patrocinado por empresários do agronegócio, culminando no bloqueio de pelo menos 43 contas bancárias. Em Alagoas, a Polícia Militar encaminhou ao Supremo pelo menos 15 nomes de administradores de páginas que organizam as bases para o ato, além de agitadores e coordenadores do local que pouco se importavam com a exposição pública de seus nomes.

O problema é que a lista se limitava a nomes de agitadores que pouco se importavam com a exposição pública de seus nomes e não deu conta de prestar informações de empresários que patrocinam a manutenção do ato, a exemplo das instalações de banheiro químico no local e das tendas, e mesmo os financiadores dos transportes coletivos que organizaram “caravanas” de outros municípios alagoanos para a capital. Um dos agitadores identificados pela PM – Ícaro Manuel – chegou a informar em um grupo que um dos ônibus estaria sendo enviado pelo prefeito João Henrique Caldas (JHC), aliado a Bolsonaro e líder do PL em Alagoas. A Prefeitura de Maceió foi procurada pela Mídia Caeté, através de assessoria, mas não emitiu qualquer resposta.

A lista da Polícia Militar também não apresentou a identificação de qualquer policial militar ou do Exército durante o ato, muito embora tenham sido diversas as divulgações de suas participações.

Publicamente, os perfis de políticos bolsonaristas em Alagoas demonstram apoio ao ato antidemocrático, ao tempo em que interpunham um discurso de que, em razão das limitações institucionais não podem estar no local. É o caso do vereador Leonardo Dias, por exemplo, que em suas redes sociais encaminha mensagens de apoio explícito aos manifestantes, faz postagens fomentando desconfiança nas urnas, assim como o Cabo Bebeto.

 

A armadilha do ridículo: a espera por um Godot perverso

Cena do espetáculo Esperando Godot, de Samnuel Beckett. Retirada deste link

Vladimir e Estragon são dois sujeitos clownescos que esperam, na beira da estrada, um protagonista que nunca chega: Godot. Enquanto se perguntam se devem ou não continuar, não com grande profundidade, vão surgindo outros personagens pelo caminho. Um deles, o Menino Mensageiro, passa todos os dias no lugar e diz que Godot provavelmente deverá aparecer no dia seguinte.

Escrito pelo irlandês Samuel Becket, e lançado ainda em 1949, Esperando Godot basicamente deu nome ao Teatro do Absurdo e se consolidou como um clássico enquanto serve de analogia às grandes esperas vagabundas por respostas, por um caminho, por uma personalidade que definirá o destino da humanidade. Termina a obra e – contém spoiler – Godot não aparece. E Eles continuam na beira da estrada, esperando.

Bolsonaristas em ato contínuo na Fernandes Lima. (Foto: Mídia Caeté)

Na beira da Fernandes Lima, ou melhor, no canteiro em frente ao Quartel do 59º BIMtz, o grupo clownesco se mantém esperando Godot. E Godot muda a todo o tempo: pode ser o Exército, pode ser uma fala de Jair Bolsonaro ou da família, pode ser qualquer sinal que – numa extensão de pensamentos – confirme o sentido de se manterem, noites e dias a fio, no que ainda acreditam ser um ato de resistência patriótica.

Enquanto na peça, o Menino Mensageiro diariamente entrega a mensagem que Godot não virá naquele dia, “talvez amanhã”, o mesmo vai acontecendo dentro das redes sociais do Telegram e Whatsapp, onde promessas frustradas são substituídas por outras novas. De pronunciamentos de Bolsonaro, a mensagens subliminares, fake news que chegam a picos de prisão do ministro à morte de Lula, fora as mensagens encaminhadas de “integrantes do Exército” orientando a mobilização”, e tantas outras que sustentam a base bolsonarista.

Não há mais semelhanças, entretanto. Além da espera por um personagem que nunca chega, das fake News em torno de sua chegada, e das expectativas de salvação, a espera dos bolsonaristas da Fernandes Lima nada tem de humor amargo. Beira o sombrio e o perigoso.

Vladimir e Estragon são inofensivos à espera de Godot. Os bolsonaristas da Fernandes Lima, entretanto, esperam, buzinam, muitos estão armados – e fardados – e se retroalimentam clamando e fazendo crescer a busca por um projeto de poder que reúne ideologias brutais de um segmento da direita que não se envergonha da voracidade com que desumaniza quem não lhe serve.

Nessa narrativa, a figura de Bolsonaro já pouco importa para o crescimento da praga fascista– embora o terreno de instabilidade que ele aglutina, financiado pelo agronegócio e outros sujeitos à frente em segmentos industriais e comerciais, além de lideranças política, lhe sirva bem para negociar sua saída pela porta dos fundos com menor penalidade possível.

Fica, vai ter prints

Os discursos de que não há líderes nesse movimento para salvar o Brasil são constantes. Caem por terra, entretanto, quando, com a mesma frequência, há menções às “orientações vindas de Brasília”, ou do Exército, ou até mesmo das mensagens subliminares contidas no silêncio do capitão, que é como chamam Jair Messias Bolsonaro.

Sem qualquer fio da meada ou uma pauta definida, migram entre “resistência civil”, “intervenção federal”, mas mesmo sem saber o nome do que querem, ou como dizê-lo com menor comprometimento, o objetivos é bem definido: um projeto de poder totalitário que venha a partir do Exército, garantindo de forma indireta a manutenção de Bolsonaro no poder. É assim que desenham os próximos passos para o país contra o avanço do que entendem ser o comunismo com Lula.

A Mídia Caeté chegou a monitorar os grupos de base antidemocráticos e a acompanhar as manifestações in loco. De acordo com as informações coletadas nos grupos bolsonaristas, a primeira Grande Expectativa, já iniciada no dia 31 de outubro, tratava-se de um prazo estabelecido inicialmente pelos manifestantes, onde difundiam haver uma fenda de três dias após as eleições para a convocação do Exército, de modo que interviriam no cancelamento das eleições. Tratava-se de fake news mas, a essa altura, já não importa mais. Não para grupos que comemoram vividamente o a mentirosa prisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes; ou a aparição do Exército para informar sobre fraudes nas eleições; ou tantas outras mentiras num vale-tudo para manter a mobilização ativa.

1. Só não vale questionar

Vale quase tudo no grupo bolsonarista, inclusive fugir da realidade. O que não vale é fazer qualquer questionamento sobre notícia ou crítica às táticas encontradas. Proferir palavras mais moderadas, de desânimo ou que minimamente não demonstrem tanto incentivo aos atos é o suficiente para que o integrante em questão seja taxado como petista e eventualmente banido do grupo. O que importa é executar o avanço nas ruas e, em nome da salvação do Brasil, não deixar qualquer brecha de recuo.

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2. Mito da ausência de liderança

Poucas horas após a divulgação de que Ministério Público (MP) havia identificado as lideranças do grupo que realiza o ato, assim como a publicação de uma ordem assinada pelo comando da Polícia Militar sobre a penalização dos grupos – e de uma dispersão do ato que, na prática, a corporação não colocou em prática – os grupos se agitaram enviando mais constantemente mensagens de que os administradores não eram líderes. “O líder é o povo”, diziam nas mensagens, embora as orientações e comandos perpassassem pelos administradores. Além do mais, são constantes as orientações vindas de”reuniões”, a que as bases não sabem quando e como aconteceram. E nem perguntam. Frequentemente, pontuam receber orientações do Exército sobre como proceder com as mobilizações de modo que consigam acionar a instituição para a famigerada intervenção a que tanto buscam, no caso, o golpe militar.

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3. Silêncio como mensagem subliminar: a Espera de Godot

Até mesmo o silêncio é interpretado, para os peculiares entendedores, como um comando para continuar a greve. Seja as palavras vagas de Jair Bolsonaro , o chamado para manter a mobilização acesa é constantemente reacendido pela expectativa de uma ruptura do silêncio, pela pronúncia do presidente ou pela saída do Exército do quartel. Cada frustração é substituída por uma nova possibilidade de futura fala. E cada silenciamento é entendido como brecha para novas especulações. Pouco importa se reais.

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4. “Exército e PM estão com a gente”

Militares posando para foto junto com manifestantes. Foto: Mídia Caeté

Tão certos quanto a ideia de uma aparição do capitão é todo o fetiche criado de que o Exército deve chegar. Amparados pela cordialidade e cumplicidade de militares que já se manifestam em vídeos e áudios, e até são vistos balançando bandeiras no ato, além de suas recomendações sobre como agir e não agir. Mesmo no trio elétrico, um dos organizadores chegou a anunciar que “o Exército” chegou a orientar que não disparassem fogos de artifício. Em outros momentos, informaram que militares teriam liberado a mobilização. A PM não afirma nem nega. Mas integram o ato de diversas maneiras, sobretudo a partir da ausência de resposta quanto aos questionamentos sobre providências a serem adotadas em relação a militares ativos no movimento.

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5. Discurso de ódio e fetiche do soldado salvador contra o comunismo

Seria apenas bizarro e matéria-prima para memes, não fosse o perigo da coisa toda. Incorporados pela ideia de que são soldados salvadores, bolsonaristas se firmam numa missão clownesca e antiga de “deter o comunismo”, para eles representado pelo nada-comunista Luís Inácio Lula da Silva, o presidente petista eleito. Neste retroalimento ao discurso de ódio, qualquer palavra-chave relacionada a direitos sociais e até mesmo às realidades enfrentadas por grande parte da população brasileira é vista como voz inimiga. Não há interesse em combater a fome, mas em eliminar quem fala sobre ela. Qualquer pessoa que apareça naquele local com perspectiva diferente de golpe ou contrário ao bolsonarismo sente correr perigo – literalmente, uma vez que vários manifestantes odiosos ao comunismo estão armados.

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6. Um relato:

Uma mulher entra na conveniência de um posto de combustível, ao lado do Quartel do 59º para carregar o celular e tomar um refrigerante. Impossível não notar o lugar lotado de manifestantes bolsonaristas, com suas camisas da seleção brasileira. Ainda faltava um mês para o início da Copa. Provavelmente ela é a única que veste uma cor aleatória: roxo. Muitos verde-amarelo estão também lotando as mesas e há várias latas de cerveja vazias e amassadas. Cenário de micareta. Gritam e  esbravejam contra os perigos do comunismo. Misturam fake news com deduções, e frases de Whatsapp.

Um homem, imediatamente atrás dela, inicia uma conversa breve. Diz que observa bem e sempre que encontra, algum “infiltrado”, já corre para avisar aos administradores do grupo no whatsapp. Relata que dois homens, na noite anterior, foram para o ato e os manifestantes colocaram, com ajuda da Polícia, os “infiltrados” para fora. “Os policiais que nos ajudaram. Perguntaram para eles se eles queriam ser levados para casa ou para o CODE”, conta.

A mulher questiona: “mas o ato é público e o que vocês estão fazendo é tudo legal. Não há o que esconder de ‘infiltrado’ então , né?” O homem imediatamente arqueia a sobrancelha: “- você é petista? Se for, diga logo.”

Ela responde que não, e é absolutamente sincera. Mas nem adianta. Alguém grita do outro lado da conveniência: “Alguém deixou o celular aqui?”. A mulher responde: “Fui eu quem deixei carregando”. Os bolsonaristas começam a gritar, bem humorados: “Se tivesse petista aqui, o celular já tinha sido roubado. Mas aqui só tem gente honesta. Seu celular está seguro”. O celular poderia até estar seguro, mas a mulher deixou o local sem sentir qualquer traço de segurança em meio aos raivosos, clownescos, alguns embriagados, e armados manifestantes.

 

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