MTST denuncia invasão de PM em acampamento no Village Campestre

Comunidade foi surpreendida por ação de militares, pouco antes de meia noite; secretário afirmou que apuraria o caso
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Era perto de 23 horas de sábado (23), quando dezenas de famílias que compõem o acampamento Tereza de Benguela, no Village Campestre, relataram terem sido surpreendidas pela chegada de três viaturas da Polícia Militar (PM). Sem apresentar mandado ou qualquer tipo de denúncia em flagrante, os policiais desceram agitados no local e, segundo moradores, infligiram uma série de ameaças e hostilizações contra a comunidade.

A gravação da coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST/AL), Eliane Silva, descreve a situação por si. Ao tomar conhecimento sobre o caso, na manhã de domingo, publicou um vídeo destinado ao governador Renan Filho (MDB) denunciando e solicitando que o assunto também fosse conduzido a Alfredo Gaspar de Mendonça. Recém-reconduzido ao cargo de Secretário Estadual de Segurança, Gaspar emplacou a denominada operação “Saturação”, que vem efetuando ações intensivas em diversos bairros de Maceió – até o momento, todos periféricos – e em outras cidades como Mata Grande, Palmeira dos Índios, e Arapiraca.

Nessa mesma noite de sábado, a “Saturação” aconteceu nos bairros de bairros do Vergel do Lago, Levada, Clima Bom, Chã da Jaqueira, Bebedouro, Santos Dumont, Cidade Universitária, Tabuleiro do Martins, Jacintinho e Benedito Bentes. Foram mais de 40 viaturas participando da operação que, segundo a Secretaria, não culminou em nenhuma prisão ou apreensão. Participaram in loco das ações o próprio secretário, além do comandante do Comando de Policiamento da Capital (CPC), coronel Do Valle, e o subcomandante da Polícia Militar, coronel Thúlio Emery.

Enquanto isso, a poucos metros de uma das ações na Cidade Universitária, sem registros oficiais por parte da secretaria, outra ação policial pairava contra moradores do Acampamento Tereza de Benguela. “Tinham umas 15 viaturas no Gama Lins, aqui ao lado, onde o secretário estava, mas – enquanto isso – vieram três aqui com os policiais sem qualquer identificação”, conta Eliane.

Segundo a SSP, a abordagem não se tratava de uma atividade da “Saturação”. O fato é que, com ou sem registro, a ação aconteceu e foi registrada por moradores. “Houve aqui uma abordagem truculenta, racista, que deixou pessoas marcadas com as falas de terrorismo que sua polícia fez, ameaçando atirar, chamando de bandido, de maloqueiro, e de marginal dentro deste acampamento”, comentou a coordenadora do MTST em vídeo.

Ninguém mais dormiu

Em áudios gravados por moradores às escondidas, de forma anônima e ainda sob receio de retaliação, os policiais questionam o motivo de um dos moradores ter se aproximado do local correndo. Em meio à discussão, é possível ouvir de forma mais nítida uma voz de visitante falando:

-“E pare com isso. A gente aborda aqui, aborda em condomínio. A gente da polícia aborda onde a gente quiser. Pau que dá em Chico dá em Francisco. Pare de vitimizar”.

Em outro momento, essa mesma voz continua:

-“Se você chega na abordagem, de forma calma, ordeira, e espera para vir falar com a gente, é totalmente diferente”. Já uma outra voz, também de uma visitante, prossegue contra o morador:

-“É porque é curioso

De imediato, um segundo morador se interpõe em resposta:

-“Não é curioso não. É trauma, porque o pobre é tratado diferente do rico. É trauma. Não é curiosidade, não”.

A voz da mulher então continua:

-“Primeiro você se enxerga e depois vem falar comigo, otário”.

O morador rebate: “A gente se enxerga. A gente é cidadão que paga imposto e seu salário. Que coloca comida na sua mesa”.

A agitação retoma e a voz da mulher prossegue:

-“Quem paga meu salário é você? Você está doido? Você não paga nem o seu, seu vagabundo. Você paga meu salário? Me respeite”.

O outro homem grita:

-“É melhor você calar sua boca”.

O morador se limita a responder que “Aqui não tem vagabundo, não”. Depois das vozes agitadas, os visitantes ordenam aos moradores: “Vou pedir para vocês retornarem para suas residências, por favor, agora”.

Eliane Silva conta que, ao chegar na manhã de domingo, encontrou toda a comunidade reunida. “Ninguém dormiu mais. Todo mundo em pânico”, contou.

No vídeo, reforça a reivindicação por proteção – e não terror – contra a comunidade que vive hoje no acampamento. “Está vendo, lá no fundo, a bandeira do MTST? Aqui moram famílias nessas barraquinhas de lona. E sabe por que, governador, as famílias moram aqui? Porque não têm moradia digna para morar e estão aqui fazendo uma luta numa terra que não estava cumprindo sua função social”, diz. “Aqui tem trabalhadores desempregados que estão passando fome, com a crise econômica que esse país está atravessando”, diz. “Com a crise que já existia, mas a pandemia escancarou, cresce o número de pessoas que esse Estado deveria proteger. Proteger, senhor governador. Proteger, senhor Alfredo Gaspar de Mendonça, e não causar terror na vida dessas pessoas”.

Secretário afirmou que caso será apurado

Em reunião ocorrida na tarde do último sábado, contando com a participação de representantes da Secretaria do Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), da Polícia Militar, do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral) e da própria SSP, o secretário Alfredo Gaspar afirmou que a situação relatada pela comunidade seria apurada pelo órgão e que não compactuava com excessos ou desvios de conduta dos militares.

Também acrescentou, de acordo com publicação da SSP sobre a reunião, que “Nossa gestão não criminaliza movimentos sociais e o importante é criar políticas de aproximação e avançar na construção de ações positivas para ambas as partes”.

A Polícia Militar foi procurada pela reportagem da Mídia Caeté, mas não emitiu qualquer resposta sobre a motivação da ação.

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