Novo normal ou mais do mesmo?

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Eu juro que é melhor não ser o normal. Bem cantaram os eternos e também mutantes, Arnaldo Baptista e Rita Lee, em Balada do Louco, famigerada canção do genial registro fonográfico datado de 1972, Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets. 

 

 

Imagem: Domínio Público (Fetamce)

Muito me incomoda essa ideia que virou a tônica do momento em pleno curso da pandemia: o novo normal, dizem especialistas, curiosos e palpiteiros. Incomoda porque essa normalização já era, por si só, mesmo antes da pandemia, deveras equivocada. Longe de mim acreditar que vivíamos dias normais quando o inimigo ainda não era microscópico e invisível. É bem verdade que o caráter aparentemente democrático do coronavírus até vem servindo pra amolecer o coração de pedra de muita gente insensata e insensível, provocando uma espécie de despertar, ínfimo que seja, sobre a importância da coletividade enquanto práxis em uma sociedade que cada vez mais dá as costas para isso. Mas ainda é pouco e a desesperança que a gente tenta esconder pra não pagar de pessimista sempre vem.

Com o transcorrer da pandemia pelo mundo eu percebo que os estopins necessários para as verdadeiras transformações sociais simplesmente não vão acontecer, e não vai ser covid-19 nem 20 que nos conduzirá a isso. O novo normal é, portanto, uma falsa ideia de nova era, porque, enquanto findam vidas nos leitos dos hospitais, fora deles ainda imperam os vícios de sempre, dentro e fora do âmbito político, cujos interesses alheios à salvaguarda da vida prevalecem em detrimento ao bem maior da espécie humana, que é a própria razão de existir, estar vivo e se sentir vivo.

Por ora não serei eu o jornalista que vai te orientar sobre a reconfiguração das relações trabalhistas ou sobre os protocolos de segurança e prevenção enquanto o autêntico espirito solidário não brotar em você de verdade, enquanto valores mais humanos e fraternos não forem suas incessantes buscas, porque de nada vai adiantar nos tornarmos mestres do enfrentamento a essa e outras pandemias enquanto o vírus vil da indecência e do egoísmo ainda nortearem as decisões de lideranças políticas de toda sorte, cor e bandeira. A respeito da importância das diretrizes e recomendações dos organismos de saúde já tem muita gente escrevendo e isso é ótimo, só não me venham com essa ladainha de que o mundo não será mais o mesmo porque isso definitivamente não é verdade. O novo normal é mais do mesmo.

Não acreditemos que a inteligência artificial há de ser a aposta para garantir o sucesso do mundo corporativo enquanto as inteligências orgânicas pensam o mundo e o indivíduo igualmente orgânico como número e estatística. Não normalizemos o que não é normal. Se nós estamos conseguindo renunciar aos beijos e abraços, porque não renunciar ante as injustiças mil em tantos lugares desse planeta sofrido e explorado por nós mesmos? Não sejamos nós o coronavírus do mundo. Mais humildade e presença no agora ante padecer com olhar desesperado para o futuro. Assim, e talvez só assim, deixaremos de entregar nossas liberdades aos (des)governos, ainda que, por ora, isso ainda pareça ser a nossa única alternativa, o que não deixa de ser perigoso.

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