R$ 4,10: estudantes apontam ações arbitrárias em reunião

Entre irregularidades, relatam falta de acesso a documentos que embasariam defesa por reajuste ; SMTT emite nota
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Foto: Jonathan Lins

A população maceioense foi surpreendida pelo desfecho de uma reunião do Conselho Municipal de Transportes, nesta quinta, 26, que propôs aumento da passagem de ônibus para R$ 4,10. Quem também tomou susto foi uma parte integrante do próprio Conselho, os estudantes, que expuseram como esse modus operandi de reajuste foi efetuado. A crítica começa com  o aumento – ou sua intenção – costumeiramente apresentada em dias festivos, mas vai além: o grupo caracterizou a reunião como repleta de arbitrariedades, incluindo ausência de debates, negativa de apresentar estatuto do Conselho e informações que justificassem qualquer centavo a mais de reajuste. Além de buscar o Ministério Público Estadual para rediscutir a proposta, os estudantes também chamam a população para um ato no dia 6 de janeiro.

Representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE), uma das entidades que integra o Conselho Municipal de Transportes, a estudante de História da Universidade Federal de Alagoas, Quézia Santos, relata ter recebido quase que por ‘sorte’ a convocação para a reunião que discute o aumento de passagem.

“Poucos setores estão funcionando na UFAL, que está em recesso. Só tinha uma pessoa em toda a reitoria. Uma técnica que, por coincidência, me conhecia e enviou o documento pelo whatsapp na segunda”, conta. Apesar da surpresa, o grupo compareceu na data agendada e recebeu mais uma notícia constrangedora. “Fomos impedidos de assumir a cadeira, porque relataram que os empossados da nova gestão do DCE não tinham sido empossados pela Prefeitura”, conta. “Pedi o estatuto para respaldar essa negativa, uma vez que não sabíamos sobre ela, e tínhamos em mãos nossa ata de posse da gestão do DCE, mas eles negaram e disseram que, se tivéssemos interesse, tínhamos que ter solicitado com antecedência, porque o documento não é público e não costumam usar estatuto em reuniões”.

Apesar do imbróglio, o grupo relata ter alcançado direito a voz e solicitou que o representante da gestão anterior sentasse na cadeira, de modo  a possibilitar participação na votação. “Nós conseguimos fazer a fala, e ele fez o voto nos representando. Durante a fala, coloquei o absurdo em que foi conduzido o processo, que foi antidemocrático, feito com uma pressa injustificável. E que só pode ser entendido como uma tentativa de desmobilizar as entidades estudantis”, conta.

Para Quézia, no entanto, a decisão que culminou em 10 votos favoráveis e apenas 3 contrários ao aumento, associada à falta de discussão e de transparência nas informações, despertou estranhamento à minoria contrária. “Durante a reunião, a explicação apresentada a respeito dos supostos valores para embasar o reajuste era muito superficial. Nunca se trata de reajuste, é sempre um aumento acima da inflação e acima do que eles supostamente dizem que precisam e sempre é aceito pela Prefeitura, ainda que não tenham feito auditoria. Além do mais, mesmo as empresas devendo mais de R$ 20 milhões, a Prefeitura nunca quis sequer cobrar”, atenta.

Segundo a representante do DCE, no ano passado a situação mudou. “Em 2019 conseguimos barrar o aumento porque nos envolvemos muito com esse processo e saímos procurando, por conta própria, as atas, contratos de licitação. Foi aí que constatamos uma série de irregularidades e descumprimentos, que resvalavam na perda de qualidade dos serviços de transporte para usuários, a defasagem no número de frotas. Levantamos que não havia justificativa para o aumento. Mesmo agora continua não existindo e não nos apresentaram em nenhum momento documentos que expusessem que a situação mudou. Nesta reunião, ninguém levou nossa fala em consideração. Foi aí que percebemos que parecia tudo pronto, que tudo já havia sido decidido antes”.

A representante do DCE mencionou, ainda, o pedido de vistas da documentação que não havia sido socializada junto ao Diretório, o que, segundo ela, foi recusado. Uma audiência pública também chegou a ser solicitada pelos estudantes– pedido também negado. “O Conselho nos negou algo que, por lei, deveria ter sido dado. Sem estatuto em mãos, negaram o pedido de vistas ao documento. Saímos com ata em mãos e um documento falando sobre todos esses pedidos negados. Entendemos que o Conselho foi puxado de forma arbitrária e extremamente ilegítimo. Negaram acesso à informação até mesmo aos conselheiros”.

Nesta sexta-feira, 27, os estudantes se reuniram através do Comitê pela Redução da Passagem, situação amplamente divulgada nas redes sociais do Comitê. O grupo seguiu para uma reunião junto ao Ministério Público do Estado (MPE), apresentando a proposta considerada abusiva. Horas depois, o MPE também lançou posicionamento público informando ser contrário ao reajuste proposto e acionando uma reunião para o dia 7 de janeiro, um dia depois do ato, agendado para acontecer no dia 6, às 15 horas, no Calçadão do Comércio.

Subsídios para baratear

Segundo Quézia, uma dos questionamentos feitos pelos estudantes trata-se da oferta de subsídios por parte da Prefeitura para garantir o barateamento dos custos. No entanto, rememora que o esquema de manutenção das dívidas impede a viabilidade da ideia.

“Eles dizem que não há fundos para isso. Em outras cidades em que esta medida existe, os fundos são compostos pelo próprio repasse das empresas ao Município. O problema é que, aqui em Maceió, em quatro anos, as empresas não pagaram um real para a Prefeitura. Só podemos supor que quem está pagando no fim das contas é o estudante, o trabalhador”, comenta.

A dívida retratada pela estudante trata-se de um impasse referente à dívida com a outorga das empresas que prestam serviço, um débito contratual que só em 2018 já passava dos R$ 23,7 milhões. Questionada pela Mídia Caeté, que respondeu através de assessoria, a SMTT não trouxe uma resposta referente ao acompanhamento ou pagamento da dívida.

Escanteamento de estudantes

Para a representante do DCE, a brecha de discussões delineia uma cratera oculta que já dura um ano e cujo propósito é tentar escantear estudantes da participação nas decisões sobre o transporte público.

“Não houve nenhuma reunião durante todo esse tempo. Vale lembrar que a cadeira do DCE nesse Conselho foi muito suada. Prefeitura, empresa, órgãos municipais, ninguém queria os estudantes participando ativamente da discussão. Quando conseguimos, o DCE passou por um processo em que ficou parado, e depois retomou. Tentaram negar nossa participação novamente, por não reconhecerem nossa capacidade de mobilizar os estudantes e a última gestão acabou não indo para nenhuma reunião, porque sequer era notificada. Desta vez, por insistência muito grande das pessoas que compõem a gestão, conseguimos ser notificados”, rememora. “Mostra a importância que é nos mantermos mobilizados e atentos”.

Apesar da insistência, anualmente os estudantes e outras parcelas e grupos ligados à mobilidade urbana buscam manter a pauta tanto institucionalmente como nas ruas, com campanhas e atos que levantam contrariedade ao reajuste, defesa da redução ou mesmo a gratuidade da passagem.

SMTT responde com nota

Em resposta aos relatos e denúncias apontadas  pelos estudantes, a assessoria relatou ter esclarecido durante a reunião que os documentos requeridos pelo DCE poderiam ser entregues em uma outra oportunidade, incluindo o estatuto. A Superintendência também informou que não utilizam estatuto durante reunião do Conselho, e que de fato só ocorreu uma única reunião, esta do dia 26, durante todo o ano. Sobre o encaminhamento da notificação com a UFAL em recesso, afirmou ainda que a notificação foi encaminhada com antecedência e que a prática de ter realizado dia 26 trata-se de ‘um dia como qualquer outro’. Já a respeito do endividamento milionário das empresas em relação à outorga, a Superintendência não emitiu respostas.

Por fim, o órgão também encaminhou a seguinte nota, declarando que ” a proposta de reajuste de 12,16% foi apresentada com base na tabela paramétrica de reposição prevista no edital de licitação do transporte público de Maceió e feita após recomendação do Ministério Público do Estado (MPE) e do Ministério Público de Contas (MPC)”.

O órgão acrescenta ainda que “não há data prevista para a implantação do reajuste tarifário e reforça que o valor apresentado e aprovado pelos conselheiros será encaminhado para o chefe do Executivo municipal para apreciação. A Superintendência pontua que uma das condições impostas para o possível reajuste da tarifa dos coletivos urbanos de Maceió para o ano de 2020 é a continuidade do plano de renovação da frota por parte das empresas que compõem o Sistema Integrado de Mobilidade de Maceió (SIMM), que se comprometeram, ainda em janeiro, já entregar 20 novos ônibus 0 km à população. Outros coletivos zero quilômetro também serão entregues ao longo do ano. A SMTT enfatiza ainda que no ano de 2019, a tarifa de ônibus de Maceió ficou congelada por determinação do prefeito no valor de R$ 3,65.”

Ao todo, foram favoráveis ao aumento as Secretarias Municipais de Infraestrutura, Economia, a SMTT, a Procuradoria Municipal, a Agência Municipal de Regulação de Serviços Delegados, o Sindicato dos Taxistas (SINTAXI), o Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários o Consórcio Operacional SIMM, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Maceió.

Já os votos contrários estiveram com o DCE, a Associação Alagoana de Ciclismo (AAC), e a Federação das Associações dos Moradores do Estado de Alagoas (FAMOAL). Entre os grupos usuários do transporte, Quézia reforça a contrariedade à proposta: “Como usuários, não podemos deixar que empresários façam o que bem entendem só porque se acobertam por órgãos da Prefeitura. Não há motivo para serem pagos 45 centavos a mais, com ônibus que continuam sucateados, com a população tendo que vivenciar situação humilhante, como sardinhas, nas frotas reduzidas, enquanto eles dizem que está tudo ótimo e por isso tem que pagar mais caro”, reforça.

 

 

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