Peritos de Mecanismo de Combate à Tortura encontram graves violações contra pessoas encarceradas em Alagoas

Insalubridade, alimentação azeda, e negação de atendimento de urgência estão entre as graves violações na extensa lista do relatório.
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Em sua primeira inspeção nas unidades prisionais e socioeducativas de Alagoas, foram graves os problemas encontrados por peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). O relatório foi apresentado na última sexta-feira, 10 de fevereiro, e constatava uma extensa lista que incluía grave condição de insalubridade, alimentação azeda e insuficiente, negação de atendimento, falta de atenção básica à saúde, além de outras violações que configuram tortura às pessoas privadas de liberdade. Ao longo das 177 páginas do relatório, as condições encontradas eram frequentemente adjetivadas no documento como “cruéis, desumanas e degradantes”.

De acordo com o relatório elaborado pelo MNPCT, cuja apresentação foi convocada pela Ordem dos Advogados do Brasil seccional Alagoas e pelo Ministério Público de Alagoas, foram inspecionados: o Presídio do Agreste, em Girau do Ponciano; a Penitenciária Masculina Baldomero Cavalcanti de Oliveira; o Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy; a Penitenciária de Segurança Máxima; o Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia; a Unidade de Internação Masculina Extensão A/B (Socioeducativo); e a Central de Flagrantes I.A . Diante da seriedade das irregularidades, concluíram uma série de recomendações endereçadas a órgãos alagoanos.

A Lei 9.455 de 1997 traz classificações precisas sobre a caracterização da tortura, como “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. Se a definição deixa pouco espaço para questionamento, a dúvida então se coloca sobre o que faz perpetuar este tipo de prática criminosa dentro dos espaços privados de liberdade sob a guarda do Estado.

O documento elaborado pelo MNPCT também reproduz essa busca de respostas, ao constantemente apontar como as irregularidades descumprem flagrantemente convenções internacionais, como a Resolução de Mandela, ou normas nacionais como as do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) ou o próprio CNJ.

Baldomero Cavalcanti

Com superlotação excedendo quase 100% de sua capacidade de 773 vagas, o problema do Baldomero já inicia com a inconsistência de dados travada pelos órgãos. Segundo o relatório, enquanto o SINDESPEN registrava que, das 1661 pessoas presas, 132 estavam em regime fechado e 1529 em prisão provisória; o mapa diário divulgado pela Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (SERIS) informa que há um contingente de 1.393 em regime fechado e 147 em prisão provisória.

A triagem do Baldomero inaugura a identificação de um local desumano, cruel e degradante – termos frequentemente utilizados ao longo do relatório -e em desacordo com normas nacionais e internacionais. Além de porta de entrada, o local em condições insalubres funciona como espaço para as pessoas privadas de convívio interno ou que passam por medida disciplinar. É um lugar sem colchão, sem banho de sol, ou escovas de dentes. Ao invés de toalhas de banho, foram encontrados pedaços de tecidos cortados de maneira insuficiente. Sem nenhuma iluminação, as pessoas ficam detidas em total escuridão quando anoitece. O MPNPCT acrescenta como estas práticas descumprem os Direitos Humanos quando, conforme preconiza a Regra 43 das Regras de Mandela, são vedadas práticas de tortura como o confinamento solitário indefinido e detenção em cela escura sem iluminação.

Além do mais, foram colhidos depoimentos de reeducandos que afirmaram  sobre a presença recorrente de vetores, como baratas, escorpiões, e que providenciam ‘fumaceiro improvisado’ para afastar os mosquitos. Algumas pessoas ouvidas estão no local há mais de 14 dias.

As péssimas condições de infraestrutura nos módulos também foram identificadas, com falta de ventilação e janelas, falta de iluminação e infiltração. As próprias pessoas presas colocavam pedaços de sabão em rachaduras, para diminuir o vazamento interno, e a água do chão não acabar molhando os colchões. Foram também encontrados fios elétricos expostos, podendo causar choques elétricos ou outros incidentes. As condições sanitárias também eram aviltantes. Os vasos sanitários estavam entupidos, havendo necessidade de jogar água com um balde em todo os usos. Também havia uso de balde para os banhos.

No módulo identificado como “Acolhimento”, estão idosos e cadeirantes e trabalhadores que precisam de algum cuidado específico de saúde. Embora totalizem 79 vagas, foram contabilizadas 116 pessoas no local. Sem cama, alguns dormem no chão, o que também por sua vez dificulta a locomoção de cadeirantes. Alguns deles relatam ter sofrido acidente em razão da ausência de estrutura mínima. Diante da falta de acessibilidade nos banheiros, nem mesmo as necessidades fisiológicas são respeitadas. Muitos precisam utilizar sacolas e pedir para que outras pessoas os ajudem no descarte.

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Canal aberto de esgoto, cheiro forte, aparecimento de insetos e animais transmissores de doença, além de peçonhentos, como lacraias e escorpiões. Com tantas condições sanitárias danosas à saúde, o problema ainda consegue ser maior diante da ausência de água de local higienizado com saneamento, conforme foi constatado na vistoria do Baldomero.

Por fim, na ala identificada como LGBT (sigla utilizada pela SERIS para se referir à população LGBTQIAP+), há 22 pessoas na única cela, com capacidade para 12, o número excedente dorme em colchões espalhados pelo chão, também em condições insalubres e geralmente molhados. A principal questão identificada foi de que a ala estava sendo ocupada não por pessoas LGBTQIAP+, mas por custodiados identificados como ‘mão de lodo’, aqueles que faziam um trabalho auxiliar aos servidores. A situação configurou – conforme aponta o relatório – um descumprimento direto à resolução do CNJ que preconiza a necessidade de cela específica para população LGBTQIAP+. O relatório também aponta desrespeito às identidades de gênero. Roupas tidas como femininas só podem ser utilizadas dentro das celas, e o nome social não é respeitado em chamadas às audiências.

Há ainda relatos de que as visitas de companheiros só podem acontecer com, no mínimo, união estável, e que não há orientações sobre hormonioterapia. Assim como fora do cárcere, a lógica de exclusão de oportunidades de trabalho também se mantém.

SAÚDE: números que não batem, punição por pedir atendimento de emergência e falta de informações

Embora o estado de Alagoas disponha de R$ 5 milhões advindos de recursos federais, a atenção básica de saúde não é executada no Baldomero Cavalcanti de acordo com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). O relatório, além de apontar esta questão, demonstra ainda ausência de atendimento médico em fins de semana. No mais, as pessoas são impedidas de chamar assistência à saúde no período da noite, diante de alguma gravidade, por relatarem sofrer agressão física ou outros tipos de retaliação, como desligamento da luz no módulo.

Neste sentido, o relatório identifica que: “nota-se a lógica sistemática de maus tratos, tratamento desumano cruel, degradante e tortura comissiva, a partir do momento em que toda sua estrutura de funcionamento atua como uma sobre punição completamente à margem da lei perante as pessoas privadas de liberdade”

Outra situação constatada foi a ausência de dados sobre as lesões encontradas em pessoas custodiadas. ”Quando chegam reeducandos com marcas, por exemplo, de bala de borracha no corpo, apenas é registrado pelo setor de saúde que o reeducando chegou “com ferimento”, a narrativa do reeducando sobre as circunstâncias do ferimento (que em tese, podem ser relativas à tortura, por exemplo), não são agregadas ao registro. Também não é utilizado mapa de lesão pelos profissionais de saúde da unidade. A falta da correta documentação de lesões no âmbito da privação de liberdade corrobora a impunidade de possíveis crimes de tortura, torturadores, propiciando a continuidade de episódios de violência”.

Outros registros chamaram a atenção: no último mês, a direção da unidade levantou 66 mil consultas com a enfermagem, embora nos meses anteriores as médias estivessem entre 1495 e 1526. Foram ainda constantes os relatos de pessoas com doenças crônicas sem acesso a medicamentos; pessoas aguardando cirurgias para reparação de traumas; pessoas com problemas visuais aguardando oftalmologista há dois anos, entre outras situações. Há ainda diversos relatos de subjetivações nas seleções de quem terá atendimento nas unidades, tendo grupos distintos de pessoas atendidas versus pessoas que não são atendidas.

Sem acesso a trabalho, grande parte das pessoas passam a maior parte do tempo na ociosidade. No âmbito da segurança também são encontrados descumprimentos. Enquanto a resolução do CNPCP determina a proporção de um agente penitenciário para cada 5 presos, no dia da inspeção do Baldomero havia uma proporção de 1 agente para 128 reeducandos. O número baixo representava sobrecarga, estresse, insegurança, falha em necessidades de deslocamento para questões de saúde, por exemplo, além de uso da força durante revistas, e destruição de pertences de pessoas custodiadas nesses momentos por policiais penais, sobretudo do GERIT. Há relatos de cadeirantes que também sofreram violência policial e relatos de pessoas que tiveram corte de cabelo feito de forma coercitiva, numa anulação de suas identidades de gênero ou religiosas.

Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy

Única unidade judiciária psiquiátrica do estado, o chamado CPJ possui grandes distinções entre as alas identificadas como ‘apartamentos’ – para pessoas com curso superior ou policiais – das demais, os ‘pacientes’ e  ‘reeducandos’. Além deste contraste, foi identificada  de unidades mistas, contribuindo para os riscos de estupro e assédio sexual contra pessoas internadas.

Em termos de saúde, não há enfermaria, unidade ou carro de emergência. Há precariedade nas instalações, e grande degradação nos alojamentos dos chamados pacientes e reeducandos. Foi ainda identificado longo período de desassistência jurídica. Não há sala de convivência com televisor para custodiados e só têm acesso a equipamentos como televisores aquelas pessoas cuja família tenha condições de levá-los.

O uso da força com fortes indícios de tortura também se coloca ali. Houve relatos de internos que sofreram violência com bala de borracha por se recusarem a entrar no alojamento. “Os Policiais Penais lotados na unidade não têm preparo específico para lidar com o público paciente em saúde mental, e pudemos notar, na prática, a falta de preparo dos mesmos quando, enquanto estávamos inspecionando, um paciente entrou em surto e começou a gritar e eles não conseguiram conter a situação e não demonstraram qualquer técnica para tentar acalmar os ânimos do paciente”. As informações seguintes dão conta de que o paciente em questão relatou estar segregado há treze dias.

Outro elemento contraditório encontrado se dava no vínculo com as Redes de Atenção Psicossocial, as RAPS. Instituídas desde 2011 pelo Ministério da Saúde, as Redes têm objetivo de prestar assistência às pessoas com sofrimento psíquico e com necessidades advindas do uso recorrente de álcool e outras drogas. O problema é que, em Alagoas, há grandes dificuldades em sua implementação.

Segundo informações colhidas pelo Mecanismo, a Secretaria Estadual de Saúde informou que estaria se mobilizando junto a gestores municipais para uma repactuação da rede. No entanto, no que diz respeito ao Centro Psiquiátrico Judiciário, as informações recebidas pelos gestores são de que não há qualquer vínculo do local junto às RAPS ou outras comunidades sociais de saúde, dificultando políticas de desinstitucionalização. Nesse ponto, ainda acrescentam que sequer há uma equipe de desinstitucionalização, conforme é preconizado para que esse processo aconteça.

Penitenciária de Segurança Máxima

A unidade que começou a funcionar efetivamente em 2017 já possui, segundo o relatório, condição de superlotação, infraestrutura precária, com vários relatos de insetos, mosquitos, ratos e escorpiões. Não há funcionamento de vaso sanitário e a triagem, assim como no Baldomero, também é utilizada para situações de castigo. Há ainda, segundo a inspeção, pessoas que chegaram a passar 52 dias na triagem, nestas condições.

De acordo com o relatório, houve ainda pessoas encontradas em condições de isolamento há três meses, sem qualquer banho de sol. O solário da triagem aparentava total desuso inabitabilidade.

Os lugares onde deveria existir ponto de iluminação foram cimentados. Nas portas de metal há apenas uma portinhola superior, faltando espaço para ventilação cruzada entre as celas.

A alimentação também foi considerada azeda, e há vários relatos de infecção intestinal e outros problemas gástricos em razão do alimento. E as questões de saúde prosseguem também.“A equipe de inspeção recebeu muitas reclamações sobre a ausência de assistência em saúde. Encontramos uma pessoa privada de liberdade com um furúnculo na axila sem o devido acompanhamento. Ainda foi relatado à equipe do Mecanismo que, para conseguir atendimento em saúde, é preciso estar morrendo, e mesmo quando as pessoas presas chamam a atenção solicitando atendimento há casos de policiais penais que entram na cela com violência e desrespeito”

Assim como no Baldomero, também há represálias para custodiados que precisem de assistência à saúde no período noturno. Segundo os relatos: “muitas pessoas afirmaram que os atendimentos de saúde de urgência só acabam acontecendo em último caso. Houve relato de pessoas que foram conduzidas para a enfermaria fora do horário de atendimento e que apanharam ao chegar; quem estava aguardando não era profissional de saúde, era profissional da segurança, que desferiu tapas na cara contra reeducandos e os reconduziu para seus módulos sem atendimento de saúde. “

O uso irregular das salas também foi identificado, quando o local que deveria ser o espaço da escola estava abrigando o módulo de custodiados que exercem trabalho interno no local, inviabilizando a prática escolar. Segundo os registros, há pelo menos 84 reeducandos analfabetos na Segurança Máxima sem qualquer perspectiva de alfabetização durante o cumprimento da pena, ainda que muitos tenham já manifestado desejo de aprender. Do total de 827 homens, apenas 27 realizam algum trabalho interno. Os demais se mantêm na ociosidade, agravando ainda a situaçaõ de saúde mental e a oferta de qualquer possibilidade de profissionalização.

A violência também é recorrente no local. “Na Penitenciária de Segurança Máxima foram relatados o uso de diferentes tipos de bombas: uma bomba que dispara esferas de borracha e uma bomba de estilhaços que cortam. Essas bombas são jogadas dentro das celas trancadas, quando está cheio de pessoas. Este tipo de armamento é regularmente usado em campo aberto, com possibilidade de evasão para aquelas pessoas que estão sendo repelidas. Seu uso em ambientes confinados, sem possibilidade de evasão, eleva a letalidade do armamento e torna seu uso potencialmente ilícito.

A comida

O relatório aponta que todo o alimento do complexo penitenciário de Maceió sai de um único local: a Unidade Central Produtora de Refeições. Os profissionais que atuam nesta cozinha industrial, situada dentro do complexo, são contratados pela SERIS sem processo seletivo público e ficam responsáveis pela preparação de 13 a 14 mil refeições por dia. Segundo o relatório, não há controle de qualidade dos alimentos e reeducandos de unidades prisionais distintas afirmam que há alimentos que não comem mais, por terem na sequência problemas intestinais, preferindo ficar sem se alimentar. Um destes alimentos é o macarrão com molho de tomate e salsicha.

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Segundo os dados colhidos, há três refeições diárias, sendo a última às 16h, impondo às pessoas presas um jejum de mais de 16 horas. São vários os relatos de comida azeda, de problemas de saúde consequentes da má alimentação, como dores de barriga e infecção intestinal. Os alimentos encontrados possuíam cheiro e gosto ruins. A água para tomar banho, embora não fosse restrita, era a mesma oferecida para ingestão – demonstrando a ausência de acesso a água filtrada. Ainda no Baldomero, sem talheres, as pessoas comem com a própria tampa dos recipientes.

O acesso ao cigarro também foi proibido, embora pessoas ouvidas tenham informado que podem conseguir efetuar a compra de uma carteira a terceiros por valores de 100 a 200 reais, configurando grande exploração econômica de pessoas privadas de liberdade.

Presídio Feminino Santa Luzia

Ampliado em 2015, o Presídio Feminino Santa Luzia passava por algumas pinturas, mas foi possível identificar a existência de mulheres na triagem há 17 dias, problemas estruturais como infiltração na cela emendadas com sabão pelas reeducandas, quantidade insuficiente de produtos de higiene pessoal para passar o mês.

Em termos de saúde, no caso do Santa Luzia, não há atendimento a partir das 15 horas e as demoras são constantes. Não é permitido uso de cigarro e nem oferecido qualquer tratamento para largar o vício. Além do mais, profissionais fumam na unidade e deixam o cheiro de cigarro afetando negativamente as mulheres com vício e que não podem fumar.

Das 221 mulheres na unidade, nem mesmo 15% estão trabalhando. H´ainda informações de mulheres que participaram de cursos profissionalizantes pelo PRONATEC, mas não receberam a devida ajuda de custo até o momento.

Há ainda um espaço identificado como “parlatório”, onde as mulheres são isoladas para fins disciplinares. As mulheres relataram terem sofrido violência física nesse local, como spray de pimenta, tapas, além de caso de uma policial penal que bateu a cabeça de uma reeducanda na parede. Foi ainda percebido muito receio por parte das custodiadas de relatar as situações.

Presídio do Agreste

O Presídio do Agreste tem administração baseada em uma cogestão junto a uma empresa privada identificada como “Reviver Administração Prisional Privada LTDA”. A triagem dos custodiados – na mesma condição de ausência de banho de sol – dura entre 15 a 30 dias e a água só é ofertada ali nos momentos das refeições. Em algumas das celas não há divisória entre a ducha e o local de dormir. Há pessoas neste local há mais de 45 dias confinadas, incomunicáveis e sem banho de sol.

As celas possuem também ausência de iluminação. Profissionais de segurança da unidade externam problemas psicológicos ocasionados pelo estresse e periculosidade, e ainda há imbroglios relacionados ao vínculo da parceria público-privadas. Há várias críticas sobre como o processo privatista de co-gestão vem violado a atuação dos policiais penais, além de violar o princípio da economicidade na administração pública, uma vez que um interno custa três vezes mais neste local do que numa unidade administrada exclusivamente pelo Estado..

No local, não é oferecida água filtrada para os reeducandos, e não há boa qualidade de acesso a água – problema relatado por se estender a todo o agreste. No mais, a presença de empresa privada não significou maiores diferenças quanto à precariedade das demais unidades administradas unicamente por gestão pública.

Seris nega prática de tortura

A Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (Seris) foi procurada pela Mídia Caeté e, em resposta, enviou uma nota em que nega a tortura e afirma que as denúncias não foram comprovadas. Também afirma melhorar o sistema prisional em parcerias com órgãos. Segue a nota na íntegra:

“A Seris informa que trabalha constantemente para melhorar o sistema prisional e conta com a parceria do Ministério Público e da OAB para executar ações em benefício e respeito aos servidores que atuam nas unidades, aos apenados e seus parentes e à população alagoana. A prova disso é a entrega de mais de 1.300 vagas que acabam com a superlotação, além do projeto que vai permitir a construção de uma Cadeia Pública com mais de 400 vagas. A Seris não compactua e nega a prática de tortura citada no relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), com apoio da OAB, e destaca que as denúncias não foram comprovadas.”

O Combate à Tortura e a articulação em Alagoas

No Brasil, desde 2016 o Mecanismo Nacional de Prevenção Combate à Tortura se constituiu através de regimento interno. A inspeção realizada por peritos nacionais, primeira em Alagoas, teve a participação de representantes de órgãos do estado, como a comissão de Direitos Humanos da OAB seccional Alagoas, e do Ministério Público do Estado. Uma série de recomendações foi endereçada a gestores públicos e entidades fiscalizadoras.

Convidado enquanto representante do Cedeca Zumbi dos Palmares, que tem assento no comitê estadual – instância que aguarda ainda a regularização por parte do Estado para que inicie sua atuação – o advogado Arthur Lira relatou ter defendido, na oportunidade da apresentação do relatório, o prosseguimento para efetivação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, de modo que o enfrentamento se dê com maior eficácia, e mais monitoramento.

“Foi apresentado projeto de lei no ano passado. Em setembro, a Procuradoria apresentou um parecer contendo uma série de irregularidades no projeto. Algumas sanáveis, do ponto de vista técnico-legislativo, mas outras com pontos específicos que tocam na ideia central do Mecanismo, que é o caso dos peritos. No projeto de lei, havia a possibilidade de três vagas de perito, e a procuradoria apontou ser inconstitucional  primeiro por não haver disponibilidade na LDO para criação do cargo e questão orçamentária. O segundo ponto dizia respeito ao fato de que, havendo essa seleção, ficaria a cargo do governador ter o poder de indicar a pessoa por ser um cargo comissionado”, relata.

Segundo Lira, o primeiro argumento da Procuradoria foi derrubado em dezembro de 2022, após decreto que alterou estrutura governamental. “Foram criados mais de 700 cargos e, entre os artigos, prevê que o governador tem até 120 dias para criar ou modificar como a administração pública vai funcionar”. O segundo argumento, por sua vez, vem sendo pauta de disputa política. “Cobrei em minha fala uma articulação institucional dos atores do Judiciário, Ministério Público e OAB, para construir e apresentar com o gabinete civil no sentido de que, esses cargos, apesar de serem comissionados, passem pelo crivo do comitê e não do governador, com critérios objetivos. Inclusive o cargo teria mandato de quatro anos”.

O próximo passo, segundo o advogado, trata-se de alinhar estas questões e encaminhar o projeto de lei para a Assembleia Legislativa. “É fundamental que, além da instituições irmanadas nesta luta, haja um Mecanismo Estadual que acompanhe, monitore, junto com esses atores. O Mecanismo, além de aglutinar essas forças, têm a liberdade do ponto de vista da legislação nacional e internacional, de fiscalizar essa situação”.

Nesse sentido, ao recordar as polêmicas divulgações sobre o resultado da pesquisa da Comissão Pastoral Carcerária, que afirmava não haver denúncias de tortura no cárcere em Alagoas, Lira ressalta a importância de monitoramento acurado para este caso. “Existiu, por exemplo, aquela informação equivocada por conta da própria metodologia equivocada da Comissão Pastoral Carcerária, de que não havia registro de tortura em Alagoas, porque não receberam notícia. Só porque não receberam, não significa que não exista. Muito pelo contrário, as outras instituições recebem denúncias quase que diariamente, como é o caso da OAB, do MP, e precisa ter olhar atento para melhorar essa fiscalização e a dignidade das pessoas que estão no sistema prisional e socioeducativo”.

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