Por Julieta e pela liberdade de ir e vir: Maceió terá ato em homenagem à artista venezuelana

Pedaladas partem de diversos pontos em Maceió até a Praça Centenário; movimento pede justiça por artista e cicloativista brutalmente assassinada
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Julieta Hernàndez em performance artística pelo país. Foto: Redes Sociais

Integrando as mobilizações que acontecem em todo o país, Maceió também terá um ato público contra o crime brutal que tirou a vida da artista venezuelana Julieta Hernàndez, a palhaça Miss Jujuba. A mobilização acontece nesta sexta-feira, 12, com uma bicicletada que partirá de diversos pontos da cidade até chegar na Praça Centenário, onde haverá um ato marcado para as 18 horas.

Os atos confirmados vêm sendo atualizados dentro do perfil da página @bicicletadajulieta e, além de pelo menos 120 cidades confirmadas em todas as regiões brasileiras, há ainda protestos marcados na Argentina e na França. Em Maceió, coletivos de ciclistas realizam a mobilização em repúdio ao crime ocorrido, além de representar uma resposta à mensagem deixada pelo ato criminoso que limita mulheres à liberdade de ir e vir.

“O ato é basicamente em memória à cicloviajante Julieta, e também para lembrar e para avisar que a gente não vai se intimidar, que a gente não vai cessar, e que vai sim ter pessoas usando a bicicleta como seu principal meio de transporte, e também vai ter mulher sim andando de bicicleta. Queremos que Julieta tenha seu nome lembrado sempre, porque ninguém merece perder sua vida apenas por estar querendo ser livre”, relata a arquiteta urbanista e cicloativista Luiza Nascimento, que integra um dos grupos que realiza a mobilização em Maceió.

Entenda o caso

Integrante do grupo ” Pé Vermêi”, Julieta Ines Hernàndez, de 38 anos, vivia no Brasil há oito anos e se identificava como artista cicloviajante. Com sua bicicleta e todos os instrumentos do trabalho, levava a palhaçaria e diversos outros elementos da arte circense a diversos lugares do país.

Sua vida foi violentamente interrompida quando seguia uma rota para voltar para casa. Ao passar a noite em uma hospedagem improvisada no ‘Espaço Cultural Mestre Gato’, a cicloativista teve seu celular roubado, foi estuprada e teve o corpo queimado antes de ser enterrada viva por um casal que foi abrigado naquele local com seus cinco filhos. Thiago Agles da Silva e Deliomara dos Anjos confessaram o crime e tiveram prisão preventiva decretada.

O desaparecimento de Julieta já tinha sido alertado por amigos desde o dia 23 de dezembro, quando a artista deixou de mandar notícias. Apenas no dia 5 de dezembro seu corpo foi encontrado e os autores confessaram o crime. As últimas informações recebidas antes da morte de Julieta foi de que ela teria procurado, antes, pelo menos duas hospedagens e algumas redes de ciclistas e de mulheres, sem sucesso, de modo que o que lhe restou foi encontrar naquele espaço cultural uma alternativa para passar a noite.

Julieta para além do caso: sem submissão ao medo para viver a arte e a liberdade

Desde que o corpo de Julieta foi encontrado e o casal relatou detalhes sobre o crime, cada vez mais informações são disparadaes a respeito da violência sofrida pela artista. Sophia Hernández, irmã de Julieta, chegou a escrever uma carta em que declara como quer que a irmã seja lembrada:

“A imprensa sensacionalista faz o seu trabalho, mostrando-nos informações e detalhes horríveis que fizeram muitos terem medo. Mas Julieta sempre rejeitou o medo, ela era uma ariana poderosa, nunca teve medo, pelo contrário, rebelava-se com o poder de uma tempestade. Hoje, devemos contar essa parte de sua história, que não é de forma alguma a mais importante nem a que queremos que seja lembrada, mas sua trágica morte é uma história de proeza inimaginável. Julieta se imortalizou e essa é a maior expectativa de qualquer artista!”, escreveu a irmã.

Divulgação de ato que acontece nesta sexta-feira, 12, em Maceió. Imagem: organização do evento

Em outro trecho, descreve que: “E dói, claro, dói a todos nós porque sentimos que tínhamos muito a aprender com ela, tantos planos interrompidos pela realidade injusta. Mas Juli era assim, ela vivia o presente buscando sempre a expressão mais elevada de sua alma. Sua bondade e disposição para servir sempre foram sua forma de se relacionar. Julieta não acreditava em impossíveis, como acreditar neles se ela percorreu milhares de quilômetros com a força de suas pernas.”

A carta pode ser lida na íntegra clicando aqui. 

O feminicídio perverso cometido contra Miss Jujuba corrói a cada detalhe conhecido sobre a brutalidade vivenciada pela artista. Como diversos outros crimes enraizados na violência de gênero, também deixa uma mensagem para todas as mulheres: o de que elas não alcançaram a liberdade de ir e vir porque a violência pode interrompê-las a qualquer momento. Este recado  – mesmo sem palavras –  tenta reduzir a grandiosidade de uma atitude como a de Julieta –  deslocar-se de bicicleta para levar alegria e arte nos lugares mais esquecidos do país – transformando em uma má ideia, diante dos riscos que corria.

A vida e as escolhas conscientes feitas por Jujuba, no entanto, anteciparam a resposta que foi ouvida e reproduzida por sua irmã, na carta, e que também é ouvida e reproduzida pelos movimentos de mulheres e de ciclistas que agora espalham esta mesma resposta de liberdade pelo país – inclusive a liberdade de andar de bicicleta.

Cicloativista Luiza Nascimento:

“Eu faço parte de alguns grupos de pedais, e a gente usa bicicleta para além de um esporte. A gente usa bicicleta como meio de transporte também. Eu uso para pequenos deslocamentos e também esporte, para uma atividade física. No entanto, andar de bicicleta vai para além de uma atividade recreativa. Trata-se de vivenciar a cidade de uma forma mais pessoal mesmo, porque você consegue ver com mais calma os seus trajetos”, reflete a cicloativista Luiza Nascimento.

“Por mais que alguns dados apontem que a bicicleta seja um dos transportes mais seguros para as mulheres, as estatísticas e este fato atual nos mostram o contrário, e eu digo aqui o quão triste e devastador é esta notícia. Para mim e para as minhas amigas de grupo de pedal – que são mulheres que tentam fazer a mobilidade urbana algo ativo, algo que não dependa de motores – acaba sendo muito difícil e muito complicado, porque em alguns momentos a gente se depara com tais situações, a gente não se sente totalmente segura de andar em todos os locais e todos os horários, por estar sozinha e por ser mulher, e acaba sendo um alvo fácil”, conta.

Entretanto, a resposta deixada ao próprio medo é a continuidade. “O ato é para isso, para celebrar a pessoa que ela foi e para mostrar que a gente vai estar aqui, vai estar nas ruas, que pessoas que são simpatizantes com esse meio de transporte não vão se curvar aos motores, aos carros, e que a cidade tem espaço para tudo”, afirma.

Pontos de saída para o ato

📍Posto Zé Tenório
Concentração: 18h
Saída: 18h20

📍 Walmart da Gruta (antigo Hiper da Gruta)
Saída: 18h50

📍Ponta Verde – Posto Hannah – Petrobras (Começo da José Lages)
Concentração: 18h
Saída: 18h30

 

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