Escalada da pandemia é projeto político, alertam movimentos sociais em Alagoas

Ato simbólico no elevado do CEPA reivindicou vacinas, volta do auxílio em R$600 e medidas protetivas efetivas contra a Covid
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Movimentos do Fórum em Defesa do SUS realizam ato simbólico, com faixas e cruzes sobre o viaduto do CEPA. (Foto: Wanessa Oliveira)

O Dia Mundial da Saúde caiu este ano como um grito em todo o país. Contando mais de 340 mil mortos, e 3.829 registrados só nas últimas 24 horas desta terça 7, movimentos sociais realizaram atos simbólicos em todo o país a fim de compartilhar o luto e intensificar o alerta de que a escalada da pandemia no Brasil trata-se de um projeto político composto por medidas, negligências e escolhas conscientes.

Compondo a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, militantes do Fórum em Defesa do SUS posicionaram faixas no alto do viaduto do CEPA, no Farol. Em uma mobilização performática, a fim de evitar aglomerações, a mobilização chamou atenção da população reivindicando vacinas, auxílio emergencial de pelo menos R$ 600, e medidas efetivas de combate ao Covid-19.

Coordenadora do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Alagoas, que também integra o Fórum, Eliane Silva relata como as condições de vida impostas pela política econômica no país vêm esvaziando a população de qualquer possibilidade de acesso à saúde.

Enfrentamento da pandemia e luta por sobrevivência

“No início da pandemia, a população pobre não entendia muito. O próprio Governo Federal fez campanhas de mentir com relação à Covid-19, mas a realidade expõe a crise sanitária, econômica, a carestia. Quem está na periferia está desempregado passando dificuldade, passando fome. São cerca de 19 milhões de brasileiros de volta à miséria. É uma situação muito precária. Enquanto os países têm feito uma série de medidas protetivas, com avanço da vacina, a gente ainda está na briga para sobreviver por conta de um governo que não está nem aí”, diz Eliane.

Eliane Silva: “Enquanto outros países criam medidas protetivas, nós lutamos para sobreviver”

Para a coordenadora do MTST, não tem outro jeito de assegurar o enfrentamento do problema, a não ser a mobilização nas bases. “Precisamos abrir a mente, acordar e nos mobilizar. Uma pena que não dê para fazermos passeatas, aglomerar na mobilização por conta da pandemia, mas estamos fazendo em todo o Brasil esse ato, nos viadutos, falando sobre a importância de reagirmos enquanto é tempo”.

Descontrolado, desgovernado e intencional

Na última segunda-feira, o governo iniciou o pagamento do novo auxílio emergencial, que reduziu de R$ 600 para R$ 150, enquanto o país registra ter triplicado o número de pessoas inseridas na pobreza no último semestre, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e em meio a um contexto aterrador de aumento de desemprego e subemprego.

Integrante do Fórum em Defesa do SUS, a professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e assistente social Valéria Correia reforça as condições políticas que seguem afetando diretamente o estado da pandemia no Brasil. “Temos solidariedade a familiares das vítimas e por isso hoje é dia de luto, mas principalmente de luta. Luta porque não se trata só de uma fatalidade do vírus. O que está acontecendo é em escala de genocídio, porque existe um governo que, até o momento, não tem um plano nacional de combate à Covid. Pelo contrário, o presidente da república estimula aglomerações, volta ao trabalho, ao invés de proteger a população e os empregos e fornecendo a desempregados um auxílio emergencial digno de no mínimo R$ 600, valor que população mais vulnerabilizada precisa”, defende.

Valéria Correia: “Características são de um governo que estimula a morte”.

Para Correia, há medidas ainda mais objetivas que distanciam o país de um caminho para melhora. “Estudos da área jurídica da Universidade de São Paulo (USP) já demonstraram que nenhuma lei criada no Brasil foi protetiva. O uso de máscaras ele vetou. Não facilitou o auxílio emergencial, nem o acesso à água e à alimentação para a população indígena. É uma experiência humana que é também um crime contra a humanidade, porque a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) já considera o Brasil uma ameaça mundial. As características são, sim, de um governo que estimula a morte com traços de eugenia. Joga o vírus e sobrevive quem for mais forte”.

O descontrole em relação à pandemia é associado ainda ao próprio colapso provocado pelo desmantelamento no sistema de saúde, uma vez que vão se esgotando as possibilidades de assistência dentro dos hospitais não só em relação à pandemia, como à falta de vagas para tratamento de outras doenças, gerando ainda mais mortes por outras causalidades. Ao mencionar este efeito cascata, Valéria Correia aponta ainda mais inações do Governo Federal.

“Sofremos por um crime de responsabilidade do Governo Federal que, até agora, não tem uma coordenação de combate à pandemia. Todas as tímidas ações são resultados de pressão de oposição, movimentos sociais e entidades comprometidas com a saúde. Além disso, o governo não participou do Consórcio Facility da OMS, em maio, e aderiu só em outubro sob pressão do Congresso, adquirindo só o mínimo de vacinas que era de 10%, ou seja, 42 milhões. Um atraso que nos deixou no último lugar, quando poderíamos ter tido 211 milhões pelo consórcio. Hoje, vacinamos menos de 9% e somos o único país do mundo que abriu precedente para que empresas adquiram vacinas; Isso é um crime contra a população brasileira”, conta.

Nesse mesmo caminho, a professora Edna Bezerra, que integra o Fórum, levanta a bandeira de fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). “Vivemos em um momento difícil no país, com quase 350 mil mortos e sabemos que teria sido muito pior se não tivéssemos um sistema público e universal, se não fosse o SUS, que foi uma conquista dos últimos 30 anos de muita luta de movimentos de reforma sanitária para que todos tenham a saúde como direito. Hoje, temos cortes diversos, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que congelou gastos com saúde que hoje nos afeta tão grandemente”.

Edna Bezerra: “Tudo seria pior se não tivéssemos o Sistema Único brasileiro”

A docente também atenta também sobre a liberação de vacinas para iniciativa privada. “Tivemos mais um ataque com a aprovação ontem do camarote da vacina, onde as empresas privadas vão comprar vacina para os seus, vão furar fila sim, porque os grupos prioritários como idosos e pessoas com comorbidades não terão o mesmo acesso como os que têm dinheiro”, denuncia.

“Essa caminhada de luta é para que gente enfrente esse governo genocida que está aí, massacrando o povo brasileiro em uma necropolítica que deixa a população mais vulnerabilizada, empobrecida, periférica e negra à margem da sociedade”, finaliza.

O negacionismo e o lugar das mobilizações

O médico da Família e Comunidade e integrante do Fórum, Bruno Fontan, pondera que, embora a pandemia mundial tenha uma série de elementos biológicos, o que faz o Brasil ser posicionado neste nível de gravidade é o fator político. “Poderíamos estar sofrendo a pandemia como todos estão, mas esta gravidade vem de um desgoverno e da intencionalidade de um projeto contra o povo. Tem países que não têm estrutura que o Brasil tem de saúde e não é a mesma catástrofe que estamos vivendo”, comenta. ”

Para Fontan, o projeto se dá através de uma negligência intencional por parte do governo e apoiadores. “Ele sabe conscientemente que o que ele faz desencadeia isso. Não só Bolsonaro, como todos que colaboraram precisarão em algum momento da história ser responsabilizados, inclusive entidades que corroboraram com isso, como por exemplo o Conselho Federal de Medicina (CFM), que em muito apoiou medidas sem qualquer respaldo científico”.

Bruno Fontan: “Ataques só retrocedem com pressão popular”

As críticas apresentadas pelo médico compõem desde a falta de posição firme diante das ações – e falta de ações – do Governo até o próprio incentivo a tratamentos desacreditados cientificamente.

“Eles dizem que os que contestam o ‘Kit Covid’, por exemplo, estão inserindo questões ideológicas e políticas, quando na verdade eles que fazem isso e muito mais”, comenta. Entre membros da sociedades brasileiras de epidemiologia, infectologia e medicina intensiva, três especialidades que lidam diretamente com casos mais graves ligados à pandemia, com certeza a maioria não são pessoas de esquerda. Provavelmente até votaram em Bolsonaro, porém tomaram atitude coerente com a ciência colocando que não funciona, mas o Conselho não leva em consideração”.

Nesse sentido, conclui que o lugar da política no debate segue dos dois lados. “Então politicamente quem está agindo são eles. Não é errado agirmos politicamente. Só que eles estão agindo de maneira nefasta e acusam quem está agindo de acordo com a ciência de atuar politicamente”.

O ato do Fórum em Defesa do SUS integra a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde e vem realizado atos e atividades focados no fortalecimento, defesa do SUS e contra ataques na saúde pública. “Tenho plena consciência de que esses ataques só deixarão de existir ou retroceder com pressão popular, com a organização de movimentos sociais pressionando, porque o SUS não foi fornecido por favor de político e sim por intenso movimento social que levou anos”, rememora. “Para tudo isso ser refeito é preciso ter esse mesmo movimento. Não tenhamos ilusões que virão de favor dos de cima. Só com a classe dos de baixo organizada e unida”.

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