Sem escola própria há quase 20 anos, povo Karapotó Terra Nova ocupa Secretaria de Educação de AL

Seduc prometeu assinatura dia 25, mas indígenas decidiram manter ato até a assinatura se consolidar
Share on facebook
Share on twitter
Share on pocket
Share on whatsapp
Protesto do povo Karapotó Terra Nova reivindica assinatura de ordem de serviço de escola. Foto: Wanessa Oliveira

Indígenas da etnia Karapotó Terra Nova, em São Sebastião, decidiram ocupar a frente da Secretaria Estadual de Educação de Alagoas (Seduc-AL), no bairro do Farol, em Maceió, com objetivo de reivindicar a assinatura da ordem de serviço para a construção da escola da comunidade. Em uma espera por quase 20 anos, estudantes vêm sendo dispersos em escolas de municípios, em detrimento da garantia da educação escolar indígena. O Governo do Estado já chegou a licitar e homologar a empresa para a construção, mas falta especificamente a etapa da assinatura.

Liderança da comunidade, Cacique Nena Karapotó relata como a situação vem se estendendo há quase duas décadas.  “Estamos com várias promessas. Há anos e anos recebendo esse promessa da construção da nossa escola, chegando até outros fundadores dessa história, que já se partiram. Chegam aqui filhos e netos, parentes, dando continuidade ao que até hoje não foi concretizado”, explica. “Foi iniciado o projeto da escola, e as nossas crianças da educação infantil hoje já estão cursando faculdade. Tudo isso não faz com que perca a cultura e identidade, mas enfraquece a educação, e a educação é complemento da nossa cultura”, comenta.

Sem espaço próprio, hoje crianças e adolescentes são atendidos em outras escolas do município. “Hoje reivindicamos isso, a assinatura. Já foi licitado. Enquanto isso, viemos sofrendo vários preconceitos. Hoje alunos foram para a escola chorando porque foram jurados, no sentido de que se faltassem para vir aqui para o ato, não iriam fazer prova depois”, conta.

Sem escola há quase 20 anos, povo Karapotó Terra Nova chega até a Seduc-AL para protesto. Foto: Wanessa Oliveira

Em meio à mobilização, representantes da Seduc-AL foram até o local e informaram que a assinatura está agendada para o dia 25 de julho, durante um evento. A informação foi comunicada por engenheiros que foram ao local para conversar com as lideranças. “Passou um lapso de tempo de vários anos na tentativa de construção dessas escolas. Não só a escola de vocês, mas de outras escolas. A gente entrou com esta prioridade das escolas indígenas”, relatou o superintendente de obras, Lucas Ranieri. “Conseguimos terminar a licitação, empenhou, homologou e agora só falta a assinatura da ordem de serviço, que será no dia 25”, disse.

Cacique Nena Izidoro Karapotó, Rodolfo Izidoro Karapotó, e André Karapotó, lideranças apresentam situação à Secretaria. Foto: Wanessa Oliveira

Os representantes acrescentaram, ainda, que foram licitadas 12 escolas pelo Governo do Estado, e quatro comunidades – aquelas que não possuem escola – terão prioridade. As escolas estão situadas nas cidades de Pariconha, Traipú, Água Branca, e São Sebastião.

Após o informe dos representantes da Seduc – e já tendo já recebido outras promessas ao longo dos últimos 20 anos-, a comunidade decidiu permanecer na Secretaria, até que a ordem de serviço esteja efetivamente assinada.

“Recebemos a informação de que seria dia 25, mas já viemos tendo várias e várias promessas. Podemos sair sem essa ordem de serviço? De jeito nenhum. Estamos aqui para dormir, vamos pegar alimentação. temos certeza que pessoas que vejam nossa situação virão ajudar”, conta. “Só queremos o que é de direito, nosso bem, nosso futuro. Não estamos pedindo demais. Só o básico necessário para nossa sobrevivência de direitos.”

Uma das lideranças, José Karapotó, respondeu aos engenheiros: “Estamos esperando essa escola há quase 20 anos. Vocês vieram há mais de 20 dias. Foi bem explícito para vocês que estamos sofrendo discriminação nas escolas, com prejuízos para alunos do CLIND, que estão se formando e estão perdendo oportunidades e tendo que se submeter a se humilhar em outras comunidades para concluir seus estudos. Estamos lutando por essas crianças, esses jovens, esses professores que estão se formando”, conta. ” Se essa ordem de serviço dia 25, ou dia 20 ou dia 10, acredito que ela pode, basta o governador querer”.

Falta de educação escolar indígena se estende há quase 20 anos

De acordo com a cacique Nena, há pelo menos 150 estudantes vivenciando essas condições dispersos em escolas de cidade distintas, como Arapiraca, Junqueiro, na cidade de São Sebastião, no povoado de Cana Brava”, cita.

Rodolfo Izidório Karapotó enumera uma série de impactos sofridos pelos estudantes. “Nesses 20 anos, nunca deixamos de levar os estudantes para as escolas. Eles vão sim, mas vão para a escola do município e não para escola indígena. E aí nessas escolas acabam sofrendo muito preconceito. Não são liberados nos dias para fazer os rituais, não conseguem ter esse espaço com nossos anciões também. Nisso vão se perdendo. É uma forma de apagamento”, relata.

Cacique Nena explica com ainda mais detalhes. “Já tivemos vários momentos para tentar pacificamente, mas chega um momento em que a gente cansa. Vemos que estamos perdendo muitas crianças fora das lições dos nossos anciões, que também são esquivados de estar junto dentro das salas de aula. Muitas vezes usamos pé de árvore, fruteira, para que essas pessoas mais velhas possam conversar. Nisso, perdemos muito no cotidiano de suas histórias nesse setor religioso. É um momento onde as famílias se encontram de forma totalmente segura e estão perdendo essa convivência”, explica.

Dentro das escolas de educação não indígena, há ainda um outro grande problema: a discriminação sofrida pelos estudantes. “Eles vêm sendo muitas vezes discriminados. Pra não perder conteúdo, são obrigados a ir, mesmo quando é dia de ter algum tipo de celebração religiosa. Eles querem se incluir também as vezes na sociedade, mas sem querer deixar a própria cultura e não conseguem fazer isso. Muitas vezes sofrem chantagem, são estimulados a ter muita desunião, e vai afastando nossos estudantes”, explica.

A urgência ainda se dá em razão da própria condição do terreno, de acordo com informações de José Karapotó. “É um sofrimento que a gente vem há muito tempo. A gente teme que essa escola não tenha nem sequer data de início, porque já viemos aqui no passado. Essa é nossa preocupação. Foi um terreno doado do Município para o Estado e esta é a segunda vez, porque já perdemos e foi doado de volta. Esse é o nosso medo.  Assim como vocês vieram mandados pelos seus superiores, a gente veio mandado pelo nosso povo “.

Apoie a Mídia Caeté: Você pode participar no crescimento do jornalismo independente. Seja um apoiador clicando aqui.

Recentes