Trabalhadores analisam ataques aos direitos, aumento da informalidade e estratégias de fortalecimento

Como sindicatos e movimentos sociais de trabalhadores enxergam o panorama a ser enfrentado na busca e manutenção de direitos e garantias
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O Dia do Trabalhador, 1º de maio, não é apenas um feriado, mas uma homenagem à luta de homens e mulheres por seus direitos e à importância de suas atividades. É fato que, hoje, muitas das conquistas são ameaçadas por sistemáticas reformas – como as trabalhistas e a previdenciária – que estimulam o aumento da informalidade.  

Os sindicatos, que surgiram no auge da Revolução Industrial, justamente da necessidade dos trabalhadores de direitos e salários melhores, também sofreram um enfraquecimento. A luta que, historicamente, estabeleceu conquistas fundamentais como a jornada de trabalho e o direito à greve, se vê fragilizada.

A reforma trabalhista e as dificuldades financeiras

O presidente do Sindicato dos Professores de Alagoas (SINPRO/AL), Eduardo Vasconcelos, coloca a reforma trabalhista como um dos grandes obstáculos enfrentados pelo sindicato por, dentre outras questões, atacar diretamente às finanças da organização. 

“Consequentemente houve muitas demissões de funcionários, a estrutura foi extremamente afetada, consequentemente, antes a gente tinha a possibilidade maior de rodar o Estado, de fazer algumas visitas, de ouvir as reclamações, os anseios da categoria”, relata Eduardo, que ainda fala da importância do imposto sindical para o sindicato. 

“Não é mais obrigatório o que até é, ao nosso ver, inconstitucional, porque tudo que a gente ganha enquanto negociação coletiva vai tanto para o filiado como para o não filiado, então vai acabar fazendo com que aquele que não contribui com nada vai acabar sendo beneficiado como quem contribui”, argumenta. 

Já Bruno de Lima Fontan, médico da família e comunidade que fala pela Frente Sindical de Resistência Popular, concorda, mas com a ressalva de que as áreas mais à esquerda do movimento sindical eram contrárias – incluindo ele – à essa obrigatoriedade de filiação, além do imposto em si atrelar os sindicatos ao Estado.

“Mas em determinado momento, mesmo aqueles grupos que se diziam contra o imposto sindical, começaram a adequar as finanças a esse tributo. Então, enquanto houver a retirada, há uma verdadeira quebra financeira Brasil afora de vários sindicatos. Uma medida do governo para acabar com os sindicatos, mas vamos ter mea culpa também de a gente ter se acostumado com esse imposto que nunca era pra ter existido”, acrescenta Fontan, que também tem experiência de atuação regional no Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Previdência, Seguro Social e Assistência Social de alagoas (SINDPREV-AL), em Matriz de Camaragibe.

Os movimentos sociais também compõem a luta pelos direitos das classes trabalhadoras. Eliane Silva, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), também avalia como as principais dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores atualmente a perda de direitos, além dos cortes e da desastrosa gestão da pandemia da covid-19.

“Teve corte da saúde, da educação, semana passada Bolsonaro corta recursos do programa de habitação. Nesses cortes, a gente entende que o setor da construção civil vai gerar desempregados. Então a fome, a miséria, o desemprego, a carestia, as mortes da Covid são resultado de um governo que não tem respeito ao povo brasileiro”, disse Eliane.

Pandemia

A respeito da interferência da pandemia na atuação sindical, Eduardo Vasconcelos ainda menciona o aumento de demissões e, com isso, a diminuição da base da organização. Já Bruno Fontan, por sua vez, relata a realidade do SINDPREV-AL.

“No meio da pandemia, como boa parte dos filiados são trabalhadores da área da saúde, fica difícil exercer a militância sindical como antes. Muitos estão empenhados no combate à pandemia e as próprias limitações também impedem de fazer atividades que antes causavam aglomeração, mas também não paramos”, pondera Bruno. 

Cláudio Jorge Gomes de Morais, professor e historiador, relata que a pandemia serve ao mercado por propiciar um ambiente de retirada de direitos.

“Encontra-se a classe proletariada com essa crise estrutural e histórica dentro de uma reestruturação perversa do capital, na lógica do ‘salve-se quem puder’, e aí, aproveitando a pandemia, é o discurso que a elite burguesa nacional tanto queria: mais precarização do trabalho”, explica Morais.

A precarização do trabalho e a precarização da vida andam juntas. Um exemplo concreto é quando vemos o ministro da Economia, Paulo Guedes, fala atrocidades como “todo mundo quer viver 100 anos”.

Neoliberalismo e a precarização do trabalho

Cláudio Jorge encara perda de direitos, a flexibilização e o desemprego estrutural como responsabilidade do neoliberalismo, que busca apagar o valor do trabalho e transferir para o consumo. “A crise do proletariado no sentido de que vai retirar de forma ideológica o fator de produção das mãos do proletariado – não quer dizer que ele perdeu sua força – mas eles vão jogar isso para o mundo do mercado”, disse o historiador.

Ele ainda discorre sobre a profundidade da perda desses direitos. 

Eliane Silva | foto: acervo pessoal

“É um processo perverso do fim das garantias. Uma arrasadora desregulamentação dos direitos. Isso vai levar a uma intensa relação de precarização histórica. Se, com o sindicato estruturado, com todas as lutas, sempre foram difíceis as conquistas, o que vai acontecer – o que está acontecendo na verdade – no momento em que o trabalhador, a classe operária perde, efetivamente, as garantias trabalhistas produzidas historicamente?”, pondera.

Bruno Fontan, que ainda cita um dos modos de precarizar a terceirização, que não é um problema novo, mas possibilita as prefeituras (mais comumente de cidades menores) de manobrar com trabalhadores que sofrem um risco maior de demissão. Além disso, ele também faz coro ao professor e historiador Cláudio Jorge ao criticar a mentalidade neoliberal.

“Entendo como uma estratégia da atual fase do capitalismo para continuar se reproduzindo e continuar mantendo aquelas pessoas que estão no andar superior no mesmo patamar a custa de uma precarização, de uma perda de direitos cada vez maior e de uma instabilidade muito grande. Essa nova modalidade, apesar de ser cada vez mais numerosa e virar mais regra do que exceção. É uma tragédia para a classe trabalhadora”, reflete.

“O que se tinha conquistado com décadas, até séculos de luta, vai se esvaindo para um nova configuração. E tentam se vender com aquela ilusão de empreendedorismo, de que a pessoa não trabalha mais pra outro, mas pra si mesmo, quando na verdade ela termina trabalhando pra outros, de maneira mais precária, garantindo lucros maiores e tendo menos benefícios a custa de um desgaste na saúde muito mais intenso”, conclui o representante da Frente Sindical da Resistência Popular, que ainda critica outros “valores” neoliberais.

“A medida que há um desenvolvimento mais profundo do neoliberalismo no mundo todo, com ele vai se criando uma série de valores cada vez mais individualistas, onde a competição, a meritocracia e todos esses outros valores que usam para tapear os trabalhadores rivalizam com valores históricos próprios da classe, como a solidariedade, por exemplo. E, esse tipo de perfil, tem feito com que as pessoas cada vez menos estejam dispostas a se organizar coletivamente, independentemente do grupo político, independentemente das forças que estejam se organizando nos sindicatos, todos irão se deparar com esse perfil já há muito tempo. E isso atrapalha bastante a organização sindical”, argumentou Bruno.

A coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto avalia a informalidade como consequência direta também da concentração de riqueza e do desamparo ao trabalhador, que é quem produz.

“A informalidade vem por conta da falta de emprego para o povo trabalhar, da falta de oportunidade, de incentivo, de geração de emprego e da garantia de direitos trabalhistas. E aí nasce a informalidade, que é um serviço precário e que não garante esses direitos, mas é o caminho que o povo tem para trazer seu sustento no final do dia”, disse Eliane.

Ela ainda pontua o agravo que a pandemia causou aos informais. “A pandemia abalou parte desse setor da informalidade: as pessoas não conseguem vender o seu lanche, sair para trabalhar e vender seu produto… E aí vem a fome. Aí vem  o desespero”, pontua.

O distanciamento entre movimentos e sociedade

Existe uma postura de desconfiança em torno dos sindicatos e movimentos sociais por parte do próprio povo, mesmo essas organizações tendo surgido da necessidade de luta pelos direitos das próprias pessoas. O professor Cláudio Jorge analisa essa desconexão e o preconceito da sociedade em relação aos movimentos sociais a uma propaganda ofensiva, fruto das fake news e do negacionismo.

Cláudio Jorge | foto: acervo pessoal

“Na verdade, ocorre uma grande banalização dos movimentos sociais no sentido de entendê-los. Há uma descrença dos sindicatos. Há também uma perversa propaganda política contra os movimentos de esquerda, contra os movimentos sociais. Isso vem sendo construído não só no Brasil, mas, no Brasil, sem dúvida alguma com uma nova direita negacionista, uma nova direita que abre mão efetivamente das questões nacionais. No Brasil, a burguesia tem um compromisso com o capital internacional”, argumentou Cláudio.

Bruno Fontan coloca essa aversão da sociedade se amplificou como uma consequência do antipetismo que, o surgir após o golpe de 2016, e é usada para atingir toda à esquerda, desvalorizando instrumentos de luta e atrapalhando a participação social.

“Na conjuntura mais recente, com toda essa farsa que se deu para consumar o golpe de 2016, há uma certa ojeriza por setores amplos da sociedade, inclusive setores populares, em relação à esquerda e, consequentemente, em relação aos sindicatos. Então, ao que existia, se somou isso. As pessoas começam a enxergar as bandeiras vermelhas, os sindicatos, a luta social como algo negativo de maneira que não é totalmente conscientemente explicável”, avalia.

“A visão negativa do sindicato entrou no bojo dessa conjuntura mais recente de ojeriza à esquerda onde tudo é PT, tudo é Lula. O sindicato é muito mais do que PT, é muito mais do que Lula, correntes as quais, por exemplo, eu não me filio”, alega Fontan, concluindo que tal associação foi “cozinhada” pela grande mídia, outros mecanismos ideológicos, as redes sociais e as fake news.

O professor Eduardo Vasconcelos, por sua vez, colocou em questão a falta de representatividade de alguns sindicatos e gestões como danosa à credibilidade das organizações. 

“Existe sim [descrença], não só da sociedade, mas da própria categoria, porque você acaba fazendo e pagando pelo todo. Há muitos sindicatos que realmente não representam, que viviam do imposto sindical, que eram sindicatos cartoriais, que, realmente, com o dinheiro do trabalhador, acabavam representando o patronato, que é o que a gente chama de ‘sindicato pelego’. Isso é um fato e, para tirar essa pecha, realmente é muito complicado”. pondera.

O presidente do SINPRO/AL ainda avalia que, apesar da desconfiança da sociedade, o número de denúncias feitas ao sindicato e à adesão seguem aumentando. 

Eduardo Vasconcelos | foto: reprodução do Instagram

“Ainda hoje há muita subserviência com relação a categoria ao patronato. Então, enxergam o sindicato com muito receio, com medo, mas, por trás, o número de denuncias vem aumentando significativamente. Isso quer dizer que há uma certa credibilidade do sindicato em relação a categoria. O nível e o número de filiações vem aumentando… o problema é o baixo valor da nossa mensalidade”, avalia Eduardo. 

Já o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto possivelmente sofre o maior estigma entre os entrevistados. 

“Há quem diga que o Movimento Sem-Teto, ou o Movimento dos Sem Terra são vagabundos, tomam o que é dos outros, mas isso não é verdade. O movimento ocupa terra que não cumpre com a sua função social e ocupa para a construção da luta coletiva, para a organização dos trabalhadores. Seja na terra, no campo, o Movimento Sem Terra, que discute a reforma agrária para produção de alimento, para gerar emprego e renda, para combater a fome da cidade com produtos da agricultura familiar, sem agrotóxico, sem veneno, para alimentar a sociedade com alimentos saudáveis”, explica Eliana, que segue: 

“Seja na cidade, com o MTST, e outros movimentos sociais que lutam nos espaços urbanos para defender a moradia, a saúde, a infraestrutura, o meio ambiente, a cidade como um todo. Ocupamos porque, enquanto o brasil tem 7 milhões de imóveis vazios, o Brasil também tem 6 milhões de brasileiros sem moradia. Então tem algo errado aí.

“O que a gente faz não é tomar o que é do outro. Nós estamos ocupando o que é nosso, porque o estado de direito devia garantir isso aos trabalhadores. Tá lá na Constituição. Tá lá na Carta Universal de Direitos Humanos”, conclui a coordenadora do MTST.

Há uma saída?

Os entrevistados se propuzeram a apontar estratégias, de suas próprias percepções, seus estudos, suas vivências e de como conduzem a luta por direitos. Cláudio Jorge explica que, em meio a tantos ataques e perdas, os sindicatos precisam voltar às origens.

“Os sindicatos precisam novamente retomar o seu discurso crítico do capital, é preciso alimentar e discutir a consciência de classe. O sindicato perdeu essa dimensão e fica agora sobrevivendo apenas da tentativa de trabalho e emprego. Isso é suficiente? E as conquistas históricas dos trabalhadores? Onde fica no processo de luta dos trabalhadores? Esse patrimônio histórico acabou sendo fragmentado dentro desse movimento chamado pós-moderno”, discorre Cláudio.

No caso do Sindicato dos Professores, o sindicato ganha força ao acionar o departamento jurídico através do mecanismo da Ação Civil Pública, uma vez que a organização é legitimada na Justiça do Trabalho. A colaboração com órgãos amplia a atuação do sindicato mesmo com a diminuição de recursos.

“A gente vem trabalhando muito com órgãos que vão nos ajudando como o Ministério Público do Trabalho; Superintendência Regional do Trabalho […]; e com outros órgãos como Procon; OAB, através da comissão da criança e do adolescente… A gente procura essa base de articulação com outras entidades, procurando também alguns políticos com mandato, que também nos auxiliam muito, e acaba suprindo um pouco essa carência”, avalia Eduardo Vasconcelos. 

Eliane Silva explica sobre as Cozinhas Solidárias, que o MTST realiza por meio de doações. Elas alimentam diariamente famílias da comunidade e adjacências, com almoço grátis. 

“E aí é onde entra o MTST, fazendo a diferença num trabalho de solidariedade, os movimentos sociais, os sindicatos, através das campanhas de solidariedade, distribuindo afeto, alimentação, acolhimento a esse povo trabalhador. E isso se dá por conta que o Brasil está desgovernado”, relata.

A coordenadora do MTST ainda fala como se dá a organização dos trabalhadores.

“A nossa forma de se organizar é construir os acampamentos; organizar as ocupações; organizar os territórios periféricos, onde as pessoas já tenham seu teto – mas não basta só o teto -; organizar esses trabalhadores para que eles enxerguem através do MTST que a luta só tem vitória quando nós estamos organizados. Que o espaço, o campo de batalha, é a rua”, discorre. 

Eliana enfatizou que o movimento segue suas atividades respeitando o distanciamento, com uso de máscara, do álcool em gel, mas que eles não podem parar. “A gente entende que não dá mais para ficar esperando que as coisas aconteçam. Então, a gente toma iniciativa de ir pras ruas, de lutar todos os dias pelos direitos e pela vida dos trabalhadores”, finaliza.

Já Bruno Fontan expõe sua visão pessoal – que não representa necessariamente alguma categoria, nem especificamente a que ele compõe – e entende que o caminho é primeiro entender o cenário de disputa do neoliberalismo para fazer uma luta mais assertiva.

“A maneira da gente tentar encarar essa situação, primeiro, é tentar compreender que as regras do jogo estão mudando e buscar compreender qual a maneira mais viável de se organizar para reivindicação para luta desse enorme contingente, que, cada vez se torna maior, com a possibilidade de se tornar maioria muito em breve – se já não é – de trabalhadores precarizados, terceirizados”, analisa.

Fontan acredita que construir uma nova proposta de atuação sindical – aliada ao aparato sindical existente – é a única possibilidade viável de garantia de direitos e até da conquista de novos. Ele ainda tem em mente que essa luta deve ser visando um processo maior. “A luta por direitos só ganha sentido se tiver inserida num processo de transformação social e que implica em um modelo de sociedade aonde a gente busca superar as opressões”, finalizou.

 

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