Cientistas enfrentam dificuldades no trabalho

Cotidiano exaustivo e renda baixa sobrecarregam quem precisa conciliar pesquisa e emprego
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Keyla Nobre no Laboratório de Biologia Celular (LBC), na Ufal. (Foto: Arquivo pessoal)

Nesse período de pandemia, o mundo está revendo o valor das coisas. Saúde, dinheiro, trabalho, abraços. A importância que damos a tudo está sendo reavaliada durante a quarentena. Os profissionais de saúde, por exemplo, estão sendo valorizados como sempre deveriam ser.

A ciência e o conhecimento estão sendo exaltados também, mesmo que muitos não entendam como funcionam seus processos, desprezem as medidas de segurança ou se desesperem atrás de panaceias. A ciência precisa de dedicação e investimento para prosperar. No entanto, para pesquisadores, esta realidade tem sido extremamente distante.

No Brasil, as pesquisas científicas de maior relevância, impacto e qualidade estão vinculadas às Universidades e Institutos Federais. O que certamente deveria ser valorizado, mas, dentro do próprio governo, tornam-se esvaziadas.

As universidades, por exemplo, sofreram diversos ataques no decorrer do governo Bolsonaro. Ameaças de cortes no orçamento, devido ao que o ministro da Educação Abraham Weintraub considerava “balbúrdia”, precederam um contingenciamento de verbas que seriam destinadas à pasta por contenção de despesas por parte do governo. Também houve acusação – sem provas – de uso dos campi para larga produção de drogas, também por parte do mandatário do MEC.

Bolsonaro também teve posturas questionáveis em relação à ciência. Em meio à pandemia, exonerou João Luiz Filgueiras de Azevedo, ex-presidente do CNPq, que pedia mais verbas e autonomia para o Conselho; além do ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, sem razão aparente.

Ano passado o presidente também alterou por MP o modo de escolha dos reitores das universidades, que, como autarquias, deveriam ter autonomia em decisões administrativas; exonerou também Ricardo Galvão, então diretor do Inpe, pela divulgação dos dados referentes ao desmatamento no Brasil.

Daniel de Magalhães Araujo, doutor em Zootecnia e professor do campus Satuba do Instituto Federal de Alagoas (IFAL), encara essa postura como ataque às universidades e a ciência de modo geral. Para ele, “em períodos de governos obscurantistas, a ciência e os cientistas sempre têm mais problemas, são mais atacados e não protegidos”, relata.

“A sociedade só percebe a importância da ciência e dos cientistas para a soberania nacional em momentos de crise, quando precisa de EPIs hospitalares, respiradores e vacinas, mas a histórica precarização não permite ao país a obtenção da resposta necessária”, completa Daniel.

 

Os Outros Problemas da Pesquisa

Essa cultura de desvalorização da ciência reflete não só na compreensão de sua relevância, como também em questões orçamentárias. Keyla Silva Nobre Pires, enfermeira e mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da UFAL, explica que é difícil realizar os projetos pretendidos com recursos limitados.

“Vivemos um cenário onde se torna cada vez mais difícil se inserir no mercado de trabalho acadêmico/científico, levando a uma falta de perspectiva de emprego ao final da pós-graduação, o que desestimula muitos pesquisadores”, relata Keyla Silva. “Os que têm oportunidade acabam mudando para outros países, onde o campo de pesquisa é amplo e valorizado”.

Já Daniel Araujo elenca uma série de fatores como subfinanciamento da pesquisa devido à falta de projeto por parte dos governos. “A crise econômica nos expôs novamente o seguinte fato: nunca houve realmente um projeto nacional para a ciência. Nestes momentos, o tema subfinanciamento volta à tona, mas não se configura em novidade, apenas a situação piora”, avalia.

A burocracia também é um entrave. Para o uso do dinheiro, curto prazo para utilização desses recursos, dificuldades para prestação de contas estão entre as dificuldades burocráticas. Além de que a falta de regularidade atrapalha a continuidade dos procedimentos.

“Hoje você tem recurso para comprar um equipamento, amanhã não consegue nem fazer uma manutenção. Hoje você conta com três ou quatro bolsistas bem capacitados, desenvolvendo estudos de ponta, amanhã as bolsas são interrompidas e os cientistas já preparados precisam sobreviver e abandonam os projetos em busca de empregos. Isso é desanimador”, pontua.

 

Questões Trabalhistas

O trabalhador no Brasil teve diversas perdas de direitos, com a reforma trabalhista em 2017 e uma recente incentivo à expansão do serviço informal. O pesquisador, por sua vez, mesmo em mestrados e doutorados – onde são profissionais graduados – não tem garantias como carteira assinada, salário ou férias. Nem mesmo o tempo de atuação na pós-graduação conta para a aposentadoria. Por não serem classificados como mão de obra trabalhista, não existe regulamentação ou lei que ampare o exercício de trabalho do pós-graduando.

“No entanto, nós temos uma condição mista, estamos em processo educacional de formação, mas também exercemos atividade laboral, sendo responsáveis pela maior parte da produção científica, e isso deveria ser reconhecido e regulamentado”, explica Keyla Nobre. “O pós-graduando não é visto como profissional, mas trabalha muitas vezes em tempo integral”, completa.

O pagamento chega como “auxílio” na forma de bolsa, que não contempla a todos e não sofre reajuste há anos. Os que não conseguem este benefício – ou o perdem devido a cortes orçamentários – acabam buscando o sustento em outros serviços enquanto conciliam o tempo com o trabalho científico, quando não desistem da pesquisa.

A remuneração não é o único fator de desistência. Segundo os pesquisadores entrevistados, o déficit de pessoal de apoio técnico aos pesquisadores, o que sobrecarrega os pós-graduandos com outras tarefas além de manter os laboratórios funcionando, ensinar as técnicas aos alunos da graduação e nível técnico além da produção científica em si.

“Diante destas condições, o pesquisador brasileiro finda por acumular diferentes atribuições que não são suas, como as de administrador, contador, técnico em diversas áreas, controlador de estoque”, enumera Daniel, que segue explicando que é comum também ao pesquisador fazer serviços de limpeza, pedreiro, manutenção e outros.

Fora tudo isto, é comum que os pesquisadores gastem seu próprio dinheiro para manter laboratórios funcionando e pesquisas em andamento. Tudo isto é muito desgastante e entendo as muitas pessoas capacitadas que acabam não mais atuando na pesquisa”, desabafa.

 

Tempo de Qualidade

A produção científica acaba sendo um desafio dentro de tantas atribuições. No Brasil, como o trabalho científico realizado nas universidades e institutos de ensino é realizada por estudantes e docentes, existe um acúmulo de atividades. Um pesquisador com estabilidade necessariamente é um professor que, para se dedicar à pesquisa, não tem redução de carga horária em relação aos colegas que apenas lecionam. A produção científica acaba sendo um aumento de atribuições voluntário.

A função primária de ensino – preparar e ministrar aulas, corrigir trabalhos e provas, orientar trabalhos de conclusão – demandam tempo e esforço do pesquisador. Fora que exige habilidades que não necessariamente competem a um bom cientista.

Para o estudante pós-graduando, a gestão do tempo também é um desafio. “Todas as atividades são regidas por prazos rigorosos, que se tornam curtos, visto a grande demanda, então a maioria acaba abdicando de noites de sono e momentos de lazer para conseguir realizar tudo satisfatoriamente”, relata Keyla.

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