Falta de saneamento e interdição de vias geram caos em Maceió após poucas horas de chuva

Professor de Arquitetura e Urbanismo relata piora após decisões da Prefeitura e interdição de vias da Braskem
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Avenida Fernandes Lima nesta segunda (15). | FOTO: redes sociais.

Poucas horas de chuvas nesta quinta-feira, 15 de abril, já foram o suficiente para apresentar o cenário de transtorno generalizado causado pela falta de infraestrutura em Maceió: alagamento, congestionamento intenso e interdição de vias. Vídeos compartilhados pela população demonstram a gravidade provocada pela ausência de esgotamento sanitário, além das consequências das numerosas vias interditadas pela Braskem, Defesa Civil e própria Prefeitura de Maceió, gerando ainda mais transtornos de mobilidade e dúvidas sobre a situação de suas galerias.

No início da manhã, as imagens de uma alagada Avenida Fernandes Lima, cujo congestionamento já é intenso, foram propagadas nas redes sociais. O professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Dilson Ferreira, alerta que, embora seja um ponto de alagamento conhecido, ainda não havia chegado a este ponto.

São diversas as questões apontadas, desde a ausência de manutenção e limpeza na bacia de drenagem situada no CEPA até as condições das galerias. “Você tem sistema de galerias que drenam ali para o Vale do Reginaldo. Ninguém sabe como estão essas galerias. Além disso, fizeram ciclovia em cima da galeria de drenagem, e ninguém sabe sobre seu estado, se está entupido, porque tamparam. É preciso rever o sistema, fazer manutenção, se precisar ampliar. A bacia que existe ali por trás do Pinheiro, tem que ser reativada e limpa”, menciona.

Dilson Ferreira atenta que o Pinheiro é área de escoamento da água que acumula na Fernandes Lima, o que demonstra ainda mais os impactos das interdições e falta de informações sobre as vias por parte da Braskem junto à Prefeitura e à Defesa Civil.

“Se tem algum problema, com certeza é no Pinheiro, porque – se não fizer a manutenção dessa drenagem – essa água não vai sair, então ela alaga. Então, sim, os bairros afetados têm problemas que impactam. O alagamento na Fernandes Lima sempre existiu, mas nunca chegou a esse ponto de ficar realmente uma piscina e ultimamente está acontecendo muito isso e, principalmente, depois que os bairros foram evacuados. Ninguém sabe se tem terra, se a demolição que foi feita nessa região afetou o sistema de infraestrutura, ninguém tem acesso, porque ninguém tem acesso aos bairros. A Braskem fechou tudo e ninguém sabe o que acontece, ninguém sabe se esse sistema de drenagem foi demolido ou retirado, ninguém sabe. A reportagem não tem acesso, o Governo do Estado não tem acesso, o CREA não tem acesso, o CAU não tem acesso, a Universidade não tem acesso, o jornalista não tem acesso, ninguém tem acesso. São 23 quilômetros de ruas totalmente sem acesso”, explica.

Já nos Flexais, mais uma gravidade se apresenta com o alagamento associado ao isolamento sofrido pela população desde a evacuação no bairro do Bebedouro. “As pessoas estão ilhadas, do outro lado, pela Mata que liga Fernão Velho. Em cima, não tem condições de ter mobilidade, porque você tem a encosta, tem os Flexais de Cima, e do outro lado você tem a Lagoa. Então, eles estão com os quatro lados praticamente isolados. Fora isso, não está chegando mais ônibus como era para chegar antes, além da falta de acesso ao trem. Então, estão literalmente isolados”, menciona

Em resposta ao anúncio da interdição de uma das vias dos Flexais, moradores também divulgaram vídeos ressaltando como a única via restante hoje também sofreu alagamento. Neste sentido, o docente relembra mais um problema desencadeado pela controversa “revitalização dos Flexais”, projeto que a Prefeitura insistiu em dar continuidade, contra a vontade de grande parte da população.

“Do ponto de vista de investimento da Prefeitura, eu considero que é uma obra ilegal. Por quê? Deixe-me explicar. O Plano Diretor da cidade de Maceió, no seu plano de zoneamento, considera aquela região dos Flexais dentro de um mapa com restrição à ocupação. Ou seja, quem está lá fica, mas não pode fazer mais nada além de melhorias, limpeza urbana, ajeitar a rua. Você não pode investir e fazer grandes obras lá”, explica. “Com o problema dos bairros afetados, começaram a demolir as casas ali da região, e a Prefeitura inventou essa história da revitalização dos Flexais. Detalhe, sem discussão pública, sem audiências públicas com a população da região e de Maceió, não discutiu isso com nenhuma entidade, como CAU, como CREA, Conselho de Arquitetura, Conselho de Engenharia, e nenhuma entidade que esteja ligada à questão urbana. Não consultou o Conselho da cidade. Enfim, não teve discussão nenhuma”, rememora.

Além do mais, esclarece, a decisão do Município extrapola a condição de revitalização. “Nunca um projeto de abertura de via, duplicação de via, construção de coisas novas poderia existir ali, pois o Plano Diretor não permite. Todos os órgãos que participaram desse acordo não entenderam o que está no Plano Diretor. Apesar de já se justificarem. A Ufal fez um relatório sobre isso, que ali não dava para fazer nenhum tipo de intervenção, porque é uma área de gestão urbana. Está no Plano Diretor. Então, como é que você vai fazer uma intervenção urbana numa área em que o mapa da cidade, a macrozona número 6, diz que não pode? Você está infringindo uma lei municipal”, indaga Dilson.

Recorte de macrozoneamento de Maceió indica região nos Flexais com restrição de ocupação.

Outros bairros já conhecido pelo alagamento, desde a Zona Sul e Centro também são ressaltados a partir do problema da falta de manutenção, muito embora o pesquisador ressalte que, se antes Maceió tinha pontos de alagamento, hoje o problema se estende para praticamente todos os bairros. Seja pelo sistema de drenagem antigo que afeta as regiões da Jatiúca, Ponta Verde e Amélia Rosa, seja por um sistema de esgoto que se estende desde Jacarecica até a Praça Lions chegando até o emissário. “É um sistema de infraestrutura da cidade totalmente obsoleto, nenhum Governo do Estado investiu, nem município investiu, nem BRK vem investindo, e nem casal. Então, eu digo para você hoje, que a gente está chegando no colapso do sistema de drenagem, do sistema de mobilidade urbana, porque tudo impacta, e está tudo junto”, explica.

Existe um plano

Em resposta à Mídia Caeté, a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminfra) emitiu a seguinte nota:

“A Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminfra) informa que está diariamente pelos bairros de Maceió realizando serviços de recuperação, reconstrução, implantação e desobstrução de galerias de águas pluviais. As ações são feitas de forma preventiva e também com atuação nos pontos de alagamentos nos dias de chuva.

Somente nos três primeiros meses de 2024, 800 toneladas de entulhos foram retiradas das tubulações de drenagem. No ano de 2023, mais de 3 mil toneladas de entulhos foram removidas para melhorar o fluxo da chuva pelas tubulações, que ficam obstruídas por causa de resíduos descartados irregularmente.

O órgão reforça que trabalha na elaboração de projetos para levar mais desses serviços a mais vias da capital.”

A resposta, entretanto, termina se colocando insuficiente diante da magnitude dos problemas na cidade, que podem ser visualizados após tão poucas horas de chuva. Para pesquisadores, esse problema também se dá diante da ausência de conhecimento sobre o que de fato vem sendo feito.

“Não se sabe se esse sistema de drenagem que está sendo feito atende ao Plano Municipal de Saneamento e Resíduos Sólidos da cidade, porque ninguém fala nada. A Prefeitura não mostra”, comenta o professor da Ufal. Dilson Ferreira diz que não é por falta de estudos e planos que as drenagens não acontecem de forma mais sistemática. “Esse plano foi feito pela Universidade, com várias entidades, envolveu toda a cidade, o corpo técnico de drenagem da cidade, é um documento muito preciso”, menciona. “Então existe sim um planejamento da drenagem da cidade, um planejamento da limpeza urbana, dos pontos de alagamento. Está tudo mapeado e não é falta de informação ou diretriz de planejamento. O que acontece hoje é que estão fazendo a drenagem de qualquer jeito”.

E mais uma vez o problema dos bairros atingidos pela mineração da Braskem é considerado. “Antigamente, a água que alagava era a água da lagoa e dos riachos. Hoje, está descendo água de cima, isso demonstra que as ruas lá em cima devem estar com as galerias entupidas. E você vê que é um barro, o que desce é uma água avermelhada, o que demonstra que todo o solo em cima desses bairros estão nulos, não tem nenhuma proteção vegetal, foram demolidas todas as casas. Antes não, antes você tinha os telhados que captavam a água e mandaram para o sistema de drenagem. Atualmente, essa água cai no chão e sai lavando rua, lavando terreno e com a demolição vai levando tudo, detrito, o que você pensar leva”.

Mudança climática, Plano Diretor e as cidades resilientes

O integrante do movimento BR Cidades em Maceió, arquiteto e urbanista Airton Omena, resume o problema a uma fase crítica de planejamento e urbanização enfrentada pela capital alagoana, somados a uma intensificação das instabilidades climáticas.

“O atraso na revisão do Plano Diretor numa cidade com tantos colapsos em andamento, do afundamento pela mineração a erosão costeira e a intensificação dos períodos de chuva e calor, afetam diretamente o direito à cidade previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. Dito isso, essas constantes inundações e consequente destruição de patrimônio público e privado pelos alagamentos, como temos visto acontecer recorrentemente nos primeiros meses de 2024, são um evidente reflexo do despreparo do município com seu número insuficiente de técnicos para resolver de forma sistemática a quantidade de problemas que a cidade acumulou durante os anos de falta de planejamento e ordenamento territorial fundamentado na função social da terra e dos deveres da municipalidade em garantir a qualidade de vida na cidade”, avalia.

Omena faz referência, ainda, à obra ‘Cidade Restinga’, de Ivan Fernandes Lima, para tratar sobre as questões de chuva e drenagem a partir do bioma onde a cidade cresce. “É apontado o claro descompasso das políticas públicas e projetos e sua inserção, dissonância com a paisagem e a realidade da geografia natural do município”. Esse descompasso é caracterizado por alguns problemas, segundo Omena, como a constante impermeabilização do solo, verticalização da cidade em áreas de APP e a pouca arborização urbana e saneamento ecológico deficiente.

“Acaba gerando um ambiente insustentável de constantes alagamentos, contaminação do lençol freático e dos corpos hídricos urbanos, além da fragilização e até destruição de edifícios e equipamentos e infraestruturas urbanas entre outros problemas que afetam diretamente a segurança da população”.

Dilson Ferreira especifica o caso de Maceió. “O Plano Diretor da cidade de Maceió está obsoleto. Estão fazendo construções e impermeabilizando o solo. E tem outra coisa: a Prefeitura tem asfaltado muita rua e ela tem feito propaganda enorme das ruas asfaltadas na Santa Amélia, na Santa Lúcia, na parte alta. Só que fazem muitas vezes o sistema de pavimentação sem drenagem”, acrescenta. “Se você não faz a drenagem, a água não tem ponto de correr e vai para o ponto mais baixo, então quem mora na parte mais baixa sofre”.

Nesse sentido, a população que residia nos bairros afundados e que foram obrigadas a se deslocar para parte alta, terminam por gerar ainda mais impacto. “Empurraram essa população para perto do aeroporto, impermeabilizaram tudo lá para cima, não fizeram drenagem, e esse é o caos. A água vai descer para algum lugar impactando quem mora em Jacarecica, Gustavo Paiva e vai alagar lá embaixo também. A água vai se espraiando pela cidade”.

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