Com 22 votos, Câmara de Vereadores de Maceió aprova lei que viola direito das mulheres em casos de aborto previstos em lei

“Já existe lei para conduzir processo de aborto legal”. Especialistas alertam como projeto representa mecanismo de patrulha, risco à saúde reprodutiva, além de buscar escalar para a criminalização do procedimento legal
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Câmara de Vereadores de Maceió. Foto: Ascom/Câmara

Com 22 votos, a Câmara Municipal de Maceió aprovou um projeto de lei que viola diretamente o direito das mulheres que buscam as unidades públicas de saúde para procedimento de aborto em casos previstos em lei. Mesmo em meio a questionamentos sobre sua constitucionalidade, a lei, se sancionada, prevê a demonstração de imagens do desenvolvimento do feto às mulheres, e outros conteúdos com objetivo de constrangê-las caso queiram dar continuidade com o procedimento.

Sob o pretexto de alertar sobre os ‘riscos’ às mulheres, o documento aprovado pela grande maioria da Câmara foi bastante descritivo ao demonstrar que objetivo da lei é apresentar para mulheres “de forma detalhada e didática, se valendo, inclusive, de ilustrações, o desenvolvimento do feto semana a semana”, além de “demonstrar, por meio de vídeos e imagens, os métodos cirúrgicos utilizados para executar o procedimento abortivo”.

Para especialistas e defensoras dos direitos das mulheres, esta medida é -entre uma série de outros adjetivos – desnecessária, inconstitucional e violenta.

A coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM), advogada Paula Lopes, atenta para a finalidade de patrulhamento ideológico do corpo feminino em detrimento do Estado. “Eles não criminalizaram abertamente desta vez, mas conseguiram criar um mecanismo que vai patrulhar a mulher que exerce um Direito Constitucional dentro de uma Maternidade Pública, tudo garantido por Lei. Nenhum vereador ou vereadora deve interferir nisso. Nenhuma pessoa que não sejam os profissionais de saúde incumbidos de realizar o procedimento deve interferir nisso”, afirma. “Patrulhar a mulher num momento de fragilidade é uma violência moral, psicológica e institucional, para além das que ela já sofre e sofrerá fazendo o procedimento.”

“Aprovar essa Lei seria uma total perda de tempo se, por trás dela, não tivessem tantos homens machistas insensíveis às nossas pautas, decidindo sobre o corpo e as condições de vida das mulheres desta cidade, ou de mulheres como estas que estão à frente destas pautas, que não ousam imaginar ou ter o mínimo de empatia sobre a vida de outras mulheres que precisam passar pelo procedimento de abortamento nas mais difíceis situações da vida delas”, relata.

A especialista Paula Lopes alerta, ainda, para a importância de conhecer a história concreta de mulheres que buscam a assistência para o aborto legal. “As mulheres que realizam tais procedimentos são aquelas que sofreram algum tipo de situação biológica no corpo que as impediu de dar continuidade à gestação, pela vida delas ou pelo próprio feto que não tem desenvolvimento, ou são as que sofreram violência sexual e têm o processo de abortamento, que não é somente o aborto, garantido por direito”, cita.

Ainda de acordo com a advogada, há outras pautas com maior urgência e de fato necessidade que dizem respeito ao direito das mulheres. “Seria muito interessante que ao invés de interferir num momento tão difícil da vida dessas mulheres e meninas, os vereadores e as vereadoras pudessem criar políticas de acolhimento, onde as mulheres pudessem ter apoio psicológico de verdade, garantido pela rede público e apoio socioassistencial para serem retiradas das condições de violência que muitas estão submetidas. Mas parece ser demais pedir empatia para quem diz que defende a vida, mas não defende a vida de quem já está viva precisando de ajuda não é mesmo?”

Já existe lei para condução do processo de aborto legal, explica médica

Quem também explica o risco do projeto aprovado pelos vereadores e vereadores da Casa é a médica residente de Medicina da Família e Comunidade Paliativista, e coordenadora de Alagoas da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia.

“Do ponto de vista técnico-científico, é um projeto burro. É também uma aberração do ponto de vista constitucional. Já existe lei prevista para condução do processo de aborto legal, como qualquer outro procedimento médico. Existe Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com explicações sobre via medicamentosa ou procedimento cirúrgico”, explica.

Confrontando qualquer tentativa do projeto de se respaldar em âmbito de cuidado à saúde, Magalhães acrescenta: “Falando em ciência, um aborto seguro tem 14 vezes menos risco do que um parto, por exemplo. E, por isso, qualquer menina de 14 anos que engravide, independentemente de ter consentido ou não, é estupro de vulnerável e ela teria direito ao aborto. Então quando essas pessoas tentam legislar sobre os corpos das mulheres, elas perpetuam misoginia e machismo, querendo mandar em algo que não podem, e que cientificamente não tem respaldo nenhum”.

Ainda segundo a médica, o objetivo político do PL traz exclusivamente punição às mulheres. “É como se fosse uma vingança para revogações que o Ministério da Saúde trouxe, e é como se fosse uma revitimização da pessoa que já sofreu bastante até chegar ao aborto legal, então não faz sentido tentar a mulher desistir do procedimento, revitimizando e re-violentando. E a gente sabe que o tempo é muito curto. Tem viés político, ideológico. A gente não pode fazer da medicina uma ideologia política. Precisamos estar cientificamente respaldados”, relata.

A regulamentação revogada mencionada por Marília Magalhães, e que foi revogada pela atual gestão do Ministério da Saúde, trata-se da Portaria GM/MS nº 2.561, produzida pelo então ministro da saúde de Jair Bolsonaro, Eduardo Pazuello, que obrigava médicos a comunicar às autoridades policiais sobre os procedimentos de aborto efetuados em caso de estupro.  A medida possuía elementos tão extremos que foi necessária uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para alterar itens como a obrigação de que as mulheres vítimas de estupro fossem obrigadas a se submeter a um ultrassom para ver o feto antes do procedimento – algo bem parecido com o PL aprovado por quase todos os vereadores de Maceió.

De autoria de Leonardo Dias (PL), vereador que alcança constantemente visibilidade por se envolver em pautas polêmicas na Câmara, o projeto de lei foi também amplamente defendido por Gaby Ronalsa (DEM), parlamentar também conhecida pelo movimento ‘Pró-Vida’, e que já chegou a levar um boneco para o parlamento em meio a sua defesa por uma outra lei desta natureza – do Dia do Nascituro.  Confira a reportagem sobre o dia da discussão sobre o referido PL aqui. 

Da totalidade de vereadores, 22 aprovaram a medida, havendo ainda a abstenção da vereadora Teca Nelma, e a ausência dos vereadores Marcelo Palmeira (PSC) e Luciano Marinho (MDB).

 

 

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