TV Gazeta apresenta transferência confusa de imóveis para tentar justificar empréstimos milionários a sócios

Processo de Recuperação Judicial revela patrimônios da empresa e de sócios de forma confusa; empréstimos chegam a mais de R$120 milhões, R$ 6 milhões feitos durante a Recuperação Judicial.
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Nas últimas semanas, a imprensa local e nacional vêm divulgando amplamente a crise enfrentada pela TV Gazeta, tendo como estopim decisão da Globo em não renovar o contrato de concessão, pondo fim à parceria de 48 anos. Em meio à defesa da empresa de que a saída da Globo compromete gravemente os recursos, o processo que abriga a Recuperação Judicial (RJ) da empresa também apresenta, por outro lado, uma série de patrimônios utilizados, inclusive, para uso de particulares, além de denúncias de ‘farra’ de empréstimos a sócios – inclusive em meio à ação de recuperação judicial, este último proibido pela Lei 11.101.

As conduções da gestão pela empresa de Collor foram condensadas pela própria defesa da Globo, na mais recente movimentação dentro do processo de RJ. O texto da emissora nacional foi uma resposta ao pedido de tutela formulado pela Gazeta para que o juízo da RJ impedisse a suspensão da parceria com a emissora nacional, uma vez que seu contrato já foi finalizado e vem, desde 2019, se segurando apenas por aditivos com prazos curtos.

Na resposta, além de defender que o juiz da RJ não possui competência para a decisão, uma vez que o contrato havia sido firmado no Foro Central da Comarca do Rio de Janeiro, a Rede Globo atentou para a condenação no STF do sócio majoritário, Fernando Collor de Mello, além da declaração de que “Embora a GLOBO não seja parte na recuperação judicial, é pública a reiterada e consistente oposição de grupo de credores trabalhistas a atos praticados pelas recuperandas, inclusive relacionados à alegada venda irregular de bens da recuperanda, representação viciada de credores na AGC, realização indevida de mútuos entre partes relacionadas e pedidos de afastamento dos gestores da companhia.”

A chamada realização indevida dos contratos de mútuos trata-se, noutras palavras, de empréstimos que foram feitos para os sócios da Organização Arnon de Mello na ordem de R$ 127 millhões de reais. Já durante a Recuperação Judicial – instituto efetuado quando a empresa alega não ter condições sequer de arcar com as obrigações básicas – houve retirada de mais R$ 6 milhões para empréstimo aos sócios.

As retiradas não chegaram a chamar atenção da Administradora Judicial, ou do Ministério Público do Estado – responsável por fiscalizar o processo, cabendo ao grupo de credores. Após mais de um ano de provocação de credores no processo judicial, o MPE decidiu encaminhar inquérito para a Polícia Civil – protocolado há cerca de um mês. Já a Administradora Judicial manteve a alegação de que não via “nenhuma irregularidade”, mas solicitou ao Juízo uma auditoria sobre os dados.

Os imóveis e a confusão de transferências

Chamada para se manifestar sobre os empréstimos milionários, a TV Gazeta apresentou uma resposta inserindo dois devedores de empréstimos à empresa: seu sócio majoritário, Fernando Collor de Mello, e a empresa Água Branca, de CNPJ 08.048.216/0001-39, e cujos sócios estão nomeados como o próprio Fernando Affonso Collor de Mello e seu filho, Fernando James Braz Collor de Mello.

O documento demonstra que foram celebrados contratos de mútuo em datas diversas, somando, até 2019, uma quantia devedora de R$ 125.123.416,67. Nas páginas seguintes, o demonstrativo apresenta ainda valores retirados nos anos de 2019 a 2021 – período em que a empresa já se encontrava em Recuperação Judicial, somando um valor de R$ 6.514874,84.

Levantamento da TV Gazeta dos empréstimos efetuados a sócios – inclusive nos anos de Recuperação Judicial – a partir de 2019.

Na sequência, começa a aparecer os documentos de transferências, desta vez reconhecendo uma dívida de pouco mais de R$ 119 milhões.

A primeira transferência tem como devedor Fernando Collor de Mello, que repassa um terreno desmembrado na Rua Saldanha da Gama. No documento , é declarado que o imóvel vem sendo utilizado pela TV Gazeta dentro de seu complexo, cujo valor foi contabilizado – em comum acordo entre TV Gazeta e Fernando Collor- por R$ 1,7 milhões. Ao somarem uma indenização pelo tempo de uso da empresa, encerraram o acordo em mais de R$ 6 Milhões. Apesar da apresentação dos dados, não foi encontrado qualquer anexo com parecer das imobiliárias – cujos nomes também não foram mencionados.

A confusão das transferências começa a partir do segundo contrato apresentado dentro da defesa dos mútuos feita pela empresa. Trata-se de cinco imóveis que foram repassados pela empresa Água Branca – representada pelo filho de Collor, Fernando James. A confusão começa a partir do momento em que Fernando Collor aparece como credor, ou seja, quem vai receber os imóveis, e a TV Gazeta como mera anuente, pelo “manifesto interesse em receber o bem”.

Nesta transação, a devedora Água Branca, então representada no documento pelo filho de Collor, é apontada por uma dívida de R$ 8.122.816,95. A primeira parte do pagamento é colocada a partir de uma casa residencial na Avenida Aristeu de Andrade, n.395 e que vem sendo utilizada pela empresa como estacionamento. A casa orçada no valor de R$ 1,5 millhões será paga com indenização pelo uso da empresa por R$ 3.804.000,00

Segundo o documento, os estudos foram feitos em comum acordo entre as partes – ou seja, Fernando Collor e Fernando James enquanto sócios da Água Branca, e o próprio Fernando Collor enquanto credor – com anuência da TV Gazeta, representada pelo administrador Luís Amorim.

O terceiro imóvel trata-se de uma casa residencial dos lotes 11 e 12 da Quadra 02 no loteamento Recanto dos Caetés, situado na Barra de São Miguel. A residência em questão, situada à beira-mar, possui 306 m² ó de área construída, e mais R$ 280m² em área coberta. A casa será orçada em R$ 3.284.000,00.

Mais três imóveis foram inclusos nesta lista. Trata-se de três salas dentro do prédio da Norcon Empresarial, em que o título é de promissária compradora. Isso porque a própria Norcon também está em Recuperação Judicial, de modo que os bens não podem ser transferidos. Ainda que sejam em algum momento, a transferência será para Collor, enquanto credor. As salas foram orçadas em valor comercial de R$ 286 mil, R$ 286.816,00 e R$ 462.000,00

Em nome da TV Gazeta

Já em nome da TV Gazeta, de acordo com dados do 1º Cartório de Registro de Imóveis de Maceió, encontram-se: o terreno na Saldanha da Gama, e o prédio hoje lotado pelo TRE na Avenida Aristeu de Andrade, a casa na Avenida Aristeu de Andrade; um imóvel na Avenida Durval de Góes Monteiro, dois lotes em Ipioca, no Loteamento Park-Rio, em Sauaçuhy. Além disso, também foi registrado um apartamento no Edifício VC Stella Maris, número 606. Apesar de estar em posse da TV Gazeta, este é o apartamento onde reside Fernando James, filho de Fernando Collor, sócio e representante da empresa Água Branca no processo, além de funcionário da Gazeta. A informação consta nos próprios documentos dos contratos firmados.

Ainda que apareçam estes imóveis registrados efetivamente em cartório na TV Gazeta, não foram encontradas informações mais aprofundadas dentro das páginas de contas, de como a empresa tem recebido – em aluguel ou renda de qualquer natureza – pelas moradias, inclusive de particulares, como é o caso do apartamento na Stella Maris.

Despesas: manutenção de piscina, jazigos em cemitério e até o próprio Fernando Collor

Outro documento que chama atenção à empresa de Collor que está em Recuperação Judicial é o detalhamento das despesas efetuadas na empresa. Na lista, o nome de Fernando Collor aparece mais uma vez, enquanto fornecedor, a receber R$ 111.428,09. O administrador da empresa, Luís Amorim, também tem a receber R$ 67.406,37
Despesas com manutenção de piscina também foram identificados no documento, no valor de R$ 952,00. Outro documento demonstra ainda o pagamento efetuado pela Gazeta de Alagoas de R$ 7247,00 por um jazigo no Parque das Flores, em documento datado em 22 de agosto de 2016.

Inquérito aberto

Cerca de um ano após credores da Recuperação Judicial terem apresentado questionamento a respeito do empréstimo de mútuos, o Ministério Público do Estado decidiu se manifestar, encaminhando uma abertura de inquérito junto à Polícia Civil de Alagoas, o que foi feito há cerca de um mês.

Mesmo diante da suspeita de chamados crimes falimentares, a Justiça Alagoana vem liberando a sequência de acordos que estão sendo realizados com grupos de credores, todos com valores estabelecidos unilateralmente pela empresa, por fora da Recuperação Judicial e sem instrumentos de mediação.

Neste momento, a Administradora Judicial Lindoso e Araújo manifestou não ter encontrado irregularidade, mas solicitou ao juiz que contratasse uma auditoria externa para apurar a situação. Atualmente, o juiz substituto da Recuperação Judicial, Leo Denisson, solicitou ouvir o Ministério Público após as manifestações da Globo.

A Mídia Caeté procurou a Administradora Judicial e não obteve nenhuma reposta. O Ministério Público do Estado também foi procurado. De acordo com a assessoria de comunicação do órgão, como as perguntas foram efetuadas no horário da tarde desta sexta-feira, às 14h, e o expediente do órgão é até 13h30, as respostas não poderiam ser alcançadas em tempo. O espaço segue aberto, no entanto, para as repostas. A Mídia Caeté também buscou a TV Gazeta, através de assessoria e advogados, mas não obteve respostas.

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