Família denuncia pioras irreversíveis em saúde de idosa por negligências em hospitais do Estado

Parentes relatam perda de documento, interrupção de tratamento e transferência sem informação prévia
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Não bastasse o desafio diário de conviver com o lúpus aos 63 anos, a senhora Jaira Magalhães vem enfrentado meses difíceis tendo sua condição de saúde e qualidade de vida piorada, em meio a transtornos e negativa de atendimento, de hospitais em hospitais do Estado. Familiares denunciam que dona Jaira chegou a ser transferida sem informe prévio à família, teve documentos de exames de doppler perdidos, e tratamento interrompido gerando pioras irreversíveis em seu quadro.

O susto começa ainda em maio deste ano, quando Sheyla Alencar, filha de dona Jaira, conta ter chegado ao Hospital Metropolitano para encontrá-la e descobriu que a mãe havia sido transferida para o Hospital Geral do Estado (HGE) para uma amputação, sem que a família fosse informada. Jaira fazia um tratamento de pulsoterapia, que é a administração de altas doses de medicamentos por curtos períodos de tempo.

“Transferiram ela sem comunicar à família. Cheguei na UTI [Unidade de Tratamento Intensivo] e ela não estava. Ao chegar no HGE ela estava na Ala Azul, que é uma ala reservada à triagem e doenças de baixo risco, [vi que ela estava] com um soro glicosado na veia, mesmo ela tendo diabetes. Ao ser questionada, a enfermeira do plantão retirou imediatamente”, relata. Sheyla, ao reforçar que “Ela [a mãe] estava com reserva para Ala Vermelha de trauma, com indicação de amputação de membro, mas sem termo de autorização e comunicado prévio a família. Só consegui internar ela na UTI do HGE através de mobilização e auxílio de profissionais que viram a irresponsabilidade e decidiram me ajudar”.

A denúncia foi formalizada através de Boletim de Ocorrência, na Central de Flagrantes I, localizada no bairro do Farol. Ainda no HGE, segundo Sheyla, a interrupção da pulsoterapia e a demora para retornar o tratamento, teve consequências graves para a saúde de dona Jaira.

“Teve repercussões irreversíveis devido à irresponsabilidade clínica do Hospital em interromper um tratamento de pulsoterapia que ela fazia no Metropolitano, trocando por medicação oral”, conta Sheyla Alencar. “E sem nenhum tipo de acompanhamento, exames de controle ou monitoramento do Lúpus Eritematoso Sistêmico, o que a levou a um quadro de Nefrite Lupica, Anemia Hemolitica e Eventos trombólicos nos dois membros inferiores que, consequentemente, devido ao Lúpus não estar sendo tratado”.

 

Com a complicação – mesmo passando por um acompanhamento com um angiologista para desobstrução uma vasculite nas pernas, também consequência do Lupus – dona Jaira precisou ter a perna amputada. “Pois os médicos lá [no HGE], não fizeram exames que detectassem a causa dos eventos trombólicos simultâneos, para anticoagulação plena”, acrescenta a filha da paciente.

Dona Jaira foi liberada do HGE no início de julho deste ano, mesmo sem exames que comprovassem que a sua situação era estável. Sheyla relata ter informado que ela ainda estava em crise, mas não lhe deram ouvidos. “Dia 23 de julho voltou a intercorrer com os mesmos sinais. Como desconfiávamos e tentávamos alertar aos médicos da Ala D (onde ela estava internada), o Lúpus não estava controlado e ela voltou a ter crise. Agora ela precisa se submeter a um tratamento bem mais agressivo. E, atualmente, está fazendo uma dose de ataque de corticoide 120mg, que a expõe a muitos riscos, mas que infelizmente, é o que está mantendo ela viva”.

Busca por justiça

Acompanhar as condições de dona Jaira neste momento já vem sendo difícil suficiente, o que se soma à percepção de parentes de que sua piora vem acontecido em decorrência de uma série de negligências e erros. Para tentar garantir o mínimo, foram necessárias denúncias e mais denúncias, inclusive uma ação em caráter de urgência para assegurar sua angioplastia. “E agora também, graças à Defensoria Pública, entraram com liminar e medida cautelar pedindo a transferência dela com urgência”.

O documento foi embasado pelo relatório de uma médica particular, segundo a filha de dona Jaira. “Mesmo ela interna no HGE, o hospital não forneceu o parecer para ela dar a continuidade. Então foi preciso o relatório de médica particular”

Nota da Secretaria de Saúde

A Mídia Caeté entrou em contato com as assessorias de comunicação do Hospital Geral do Estado, do Hospital Metropolitano, e da própria Secretaria Estadual de Saúde (Sesau). A secretaria emitiu a seguinte nota:

“O Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió, esclarece a paciente Jaira Maria Magalhães Porto, de 63 anos, foi admitida às 17h13 do dia 29 de julho deste ano, após ser encaminhada da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Jaraguá, em Maceió, com queixa de vômito e com anemia severa e, que, já estava fazendo uso de uma medicação prescrita pelo reumatologista que a assiste, uma vez que ela é portadora de Lúpus. Ressalta que, ao admiti-la, a equipe multidisciplinar do HGE adotou todas as medidas necessárias para assegurar assistência qualificada à paciente e, enfatiza, que em nenhum momento houve negligência na assistência prestada a ela.

Salienta que não havia no relatório ou encaminhamento do profissional que a atendeu anteriormente ou do reumatologista que a acompanha, a indicação para pulsoterapia com corticoide, seja devido a sinais de atividade do Lúpus ou por qualquer outra complicação relacionada à doença. Diante disso, a paciente seguiu internada na Área Verde do HGE e recebeu os cuidados multidisciplinares necessários para o caso, que incluíram a integração de diversos especialistas para estabilização do quadro clínico, uma vez que o Lúpus é uma doença inflamatória crônica de origem autoimune, que não tem cura, e que a assistência médica visa controlar os sintomas decorrentes de crises como a vivenciada por Jaira Maria Magalhães Porto.

A Gerência do HGE reitera que, no período em que esteve internada no HGE, a paciente recebeu concentrado de hemácias e realizou endoscopia digestiva alta, em menos de 24 horas após admissão na unidade hospitalar, a qual evidenciou monilíase esofagiana, pangastrite e ectasia duodenal. Diante desta situação, foi proposto tratamento com fluconazol para a monilíase esofagiana, mantido antibioticoterapia com ciprofloxacino e acrescentado antiparasitário de forma preventiva, devido ao uso de corticoide sistêmico em dose superior a 20 mg/dia, com proposta de manutenção por mais de duas semanas, o que caracteriza profilaxia de estrongiloidíase.

Ainda durante o período de internação de Jaira Maria Magalhães Porto no HGE, foram realizados outros exames complementares, como eletrocardiograma, ecocardiograma e exames de laboratório seriados, nos dias 29/07, 30/07, 03/08, 04/08, 06/08, 08/08 e 11/08. Os últimos (11/08) apontavam melhora no quadro de anemia (Hb 11,2), uma vez que ela chegou ao HGE extremamente anêmica; discreta anisocitose (RDW 15,7%); as células de defesa estavam normais e havia discreta queda na contagem total de plaquetas, sem alteração morfológica (144.000); além de função renal e hepática preservadas; discreta queda do sódio em sangue (130), PCR normal (0,8), o que caracteriza que ela não estaria com reação inflamatória.

A Gerência do HGE destaca que a paciente e a família estiveram cientes sobre as condutas médicas estabelecidas, com relação ao diagnóstico, inclusive com a equipe multidisciplinar esclarecendo que Jaira Maria Magalhães Porto é portadora de uma doença crônica, que é passível de tratamento, no entanto, não tem cura, mas que é possível realizar o controle, mas que, o seu quadro clínico poderia sofrer alteração, por se tratar de uma patologia autoimune, que poderia desencadear complicações diversas. Paralelamente, foram orientadas de que a paciente tem a necessidade de acompanhamento com reumatologista na área de saúde, independente de estar internada ou não, assim como da importância de adesão ao tratamento proposto, que deve ser seguido à risca, evitando assim complicações e surtos.

A Gerência do HGE reitera, ainda, que todas as observações feitas pela paciente e por sua família foram registradas em prontuário e que, em nenhum momento, houve negligência, desacato ou desassistência por qualquer profissional da unidade hospitalar, em consonância com os princípios ético-morais que regem a profissão regulamentada do médico no Brasil. Por fim, destaca, também, que toda a equipe multidisciplinar procurou tratar a paciente com agilidade e eficiência, mesmo diante de uma doença crônica e autoimune, prezando sempre pela assistência humanizada, assim como ocorre com os pacientes internos nos mais de 200 leitos de Enfermaria do HGE. Por fim, especifica que, diante da necessidade de submeter a paciente a pulsoterapia com corticoide, ela foi encaminhada para um hospital filantrópico de Maceió, contratualizado ao Sistema Único de Saúde (SUS), às 14h44 da última quarta-feira (17/08/2022).

Incoerências

Os familiares contestam, no entanto, as informações trazidas pelo hospital e apontam uma série de incoerências.
“Tem inconsistências nessa nota. Uma delas é o fato de que ela chegou no HGE sem parecer do médico que a atendeu anteriormente na UPA, porque ela se negou, e sem parecer de reumatologista. Não é verdade, porque ela tem um parecer assinado e carimbado da médica dela do dia 28 encaminhado à unidade hospitalar que a atenda solicitando a pulsoterapia. Sendo que ela estava em crise, baseado em exames que estavam no porte da família, e não deram nenhuma credibilidade ao parecer que tínhamos. Tanto que precisamos impetrar com ação na justiça e ter assistência, fora as cartas na ouvidoria falando da necessidade de reumatologista e da pulsoterapia que estavam negligenciando”

Sheyla ainda relata possuir uma gravação de áudio demonstrando mentiras por parte do hospital. “Disseram que tinham feito pedido de transferência no dia 30 e isso não foi verdade e descobri no dia 12 com gravação em áudio que o pedido não existia”. A reportagem não teve acesso a essa gravação.

Além disso, reforça que, a despeito do informado na nota, a transferência só foi viabilizada em razão da insistência da família por meio do pedido de liminar. “É um problema geral. É um problema do Estado. O Estado não tem o suporte par fornecer leitos e os hospitais acabam sendo coniventes com uma conduta totalmente irresponsável”.

Quanto ao Metropolitano, Sheyla destaca o fato de que a unidade detinha a tutela da paciente naquele momento e ignorou sua necessidade de pulsoterapia ao efetuar a transferência sem informação à família e sem garantia de continuidade no tratamento.

“Na verdade, eles fizeram transferência para amputação sem autorização da família, porque se era para amputar – e nem era na verdade, porque não podiam fazer o tratamento sem fazer exame de imagem, porque se ela tivesse com alguma obstrução, que é o caso dela, iam complicar ainda mais. Mesmo assim não poderiam liberar sem relatório de transferência que não existia, e sem autorização para o procedimento. Como o hospital, à revelia da família, transferem a paciente para ser amputada? Já cometeram crime a partir daí”, relata.

“Além disso, ela foi recebida sem acompanhante na ala azul no HGE, mesmo ela tendo vindo da UTI no Metropolitano, não só em razão da pulsoterapia, como por insuficência renal, anemia grave, queda de sinais vitais, e foi colocada na ala azul. E só retornou à UTI cerca de cinco horas, por insistência da família”.

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