Em meio a conflito por despejo, prefeitura suspende água de 120 famílias agricultoras

Trabalhadores fazem protesto na BR-316 enquanto Prefeitura condiciona volta de água à saída de 15 famílias.
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Sem água, agricultores do acampamento Marielle Franco fazem protesto na BR-316. Foto: MST

Em Atalaia, 120 famílias agricultoras começam o ano enfrentando a falta de água há cerca de 20 dias no Acampamento Marielle Franco. A interrupção do fornecimento de carro-pipa acontece em meio a uma ofensiva da atual gestão para que parte das trabalhadoras e trabalhadores rurais sejam despejados do local. Na manhã desta segunda-feira, 22, um grupo se mobilizou fechando a BR-316 com faixas, pneus queimados, e baldes vazios, denunciando a gravidade das condições da comunidade diante da falta de água – sobretudo em um contexto de pandemia e de casos crescentes de Coronavírus no Estado.

Localizado às margens da rodovia federal, o acampamento Marielle Franco vem se estendendo por parte da Fazenda Santa Tereza e um outro trecho da Fazenda Umburi, que pertencia à massa falida do Grupo João Lyra. Todo o território se encontrava inativo. De acordo com a coordenadora do Movimento Sem Terra em Alagoas, Débora Nunes, o território atual foi alcançado após negociação mediada pelo Governo do Estado e pela gestão anterior da prefeitura,  em 2020, quando o arrendatário da Fazenda Santa Esperança acionou a Justiça para reintegração de posse. “Diante de processo de negociação, foi conquistado 50 hectares da Santa Tereza, onde já estávamos, e consentido o uso de 44 hectares, que é parte da fazenda Umburi, onde supostamente seria implantado o polo industrial de Atalaia que nunca foi avançado”, explicou.

 

Sem água, protesto exibe faixas reivindicando retorno de água no Acampamento Marielle Franco. Foto: MST

No contexto da interrupção de água, o conflito pelo território

Os trabalhadores iniciaram em dezembro os trabalhos de preparo da terra, A ideia era de que aragem acontecesse em tempo para receber as chuvas de dezembro e janeiro, garantindo assim as primeiras plantações. Até então, segundo a coordenadora do MST, a prefeita eleita não havia se pronunciado sobre despejo. Aliás, suas falas sugeriam o contrário: “Antes de ser empossada, ela anunciou em seu plano de governo para os primeiros 100 dias, o indicativo de que a área da Umburi seria destinada para o desenvolvimento de programas relacionados à agricultura familiar, na perspectiva da geração de trabalho e renda. Como já estávamos na área, aguardamos o chamado da Prefeitura, já na expectativa da chegada de tratores, sementes, programa de aquisição, de modo a fortalecer a agricultura familiar que é extremamente importante no município. Temos uma quantidade significativa de assentamentos no local, que sofrem descaso histórico por parte do poder público de uma política econômica com base na agricultura”, conta.

Ao invés das esperadas políticas para agricultura familiar, entretanto, as famílias foram surpreendidas pelo pedido de expulsão. “Em uma audiência que solicitamos à nova gestão para saber mais detalhes sobre essas medidas para agricultura, fomos surpreendidos pela Prefeitura com o pedido para que nos retirássemos da área. Explicamos então que é fruto de um acordo mediado pelo Governo do Estado e que não dá para as famílias saírem sem nenhuma perspectiva de para onde vão ou se terão uma área a ser realocada”.

“Se o campo não planta, a cidade não janta”. Acampamento Marielle Franco em parte da Fazenda Santa Tereza. Foto: MST

Três semanas atrás, os agricultores recebem mais uma informação, desta vez a partir das redes sociais. O procurador do município publicizou a confecção de um Boletim de Ocorrência na delegacia do Município com intuito de “tirar os invasores da área”. A partir daí, segundo Débora, foi compreendido o tipo de diálogo. “Entendemos aí que foi essa a forma que a Prefeitura optou por resolver, sem qualquer tratativa ou negociação, e sim um ‘vocês têm que sair”. Ao nosso ver, não deveria ser assim, porque são pessoas que estão ali imersas na crise que a gente vive, de falta de emprego, corte de auxílio emergencial, e necessidades que afetam essa parcela da sociedade brasileira, alagoana e atalaiense”.

Até então, a comunidade esperava que o boletim integrasse um processo de judicialização para a reintegração de posse. Entretanto, foi neste mesmo período que o carro-pipa parou de circular no local. “Lá não há cacimba, riacho ou rio, ou qualquer tipo de fornecimento de água. Então as famílias recebiam três vezes por semana um carro-pipa. Para a nossa surpresa, e digo surpresa porque o modus operandi é muito perverso, a Prefeitura toma  a decisão de cortar o fornecimento de água para o acampamento, condicionando seu retorno à retirada de parte dessas famílias da terra”.

Prefeitura diz que que carro-pipa está quebrado e que já existe área para remanejar famílias

Em resposta aos questionamentos e denúncias, a Prefeitura de Atalaia emitiu uma nota, por meio de assessoria, informando que o boletim de ocorrência é para que 15 famílias que estão na área do distrito industrial sejam realocadas para outro lugar no mesmo distrito, “já que atualmente essas 15 famílias ocupam o local de maneira irregular e o terreno será sede de uma empresa que vai ofertar 400 empregos para toda a cidade”. Segundo a nota, a parte do terreno encontra-se sem água porque o carro-pipa está quebrado, ensejando a necessidade de construção de poços.  Na nota, também é informado que serão construídos poços no acampamento Marielle Franco, e que a prefeita Ceci Rocha vem dialogando diretamente com as famílias sobre a necessidade de remanejamento.

Segue a nota na íntegra:

A Prefeitura Municipal de Atalaia vem por meio de nota esclarecer a denúncia de despejo contra algumas famílias. A Prefeitura reforça que foi feito um boletim de ocorrência para que 15 famílias que estão no distrito industrial sejam remanejadas para outro local (que fica no mesmo distrito), já que atualmente, essas 15 famílias ocupam o local de maneira irregular e o terreno será sede de uma empresa que vai ofertar 400 empregos para a cidade.
Esta parte do terreno encontra-se sem água e depende de carro-pipa que está quebrado, sendo necessário que se construa poços. A gestora Ceci Rocha relembra que as deputadas estaduais Angela Garrote e Fátima Canuto contemplaram Atalaia com poços, e que reforça que o Assentamento Marielle Franco será beneficiado.

A prefeita Ceci Rocha explicou pessoalmente às famílias do Acampamento Marielle Franco – por diversas vezes – a importância deles serem remanejados visando a melhoria para as famílias, assim como toda população de Atalaia com a chegada da empresa que vai levar emprego e renda para a cidade, inclusive para os próprios membros do Assentamento que também serão beneficiados com cursos da própria empresa.

A gestora também enfatiza que entregou ontem 300 cestas básicas para os assentamentos São Pedro e São José, São Luiz e Flor da Serra. A Prefeitura de Atalaia reforça seu compromisso com a população, valoriza a luta do campo e trabalha diariamente para o bem de todos.

Ainda de acordo com a assessoria, a Prefeitura deve licitar um novo veículo e vem buscado uma forma de solucionar a situação, porém reforça que o local inviabiliza a entrega de água e apenas o remanejamento das famílias para uma outra área no distrito possibilitará o acesso. Ainda segundo a assessoria, um carro-pipa do ITERAL deve ser deslocado para o Acampamento.

Agricultores atestam que falta de água trata-se de pressão política

Para Débora Nunes, entretanto, o problema do carro-pipa não explica a interrupção de água durante um período tão longo quanto 20 dias. “A desculpa do carro-pipa não explica, porque se o município declarou um estado de emergência por conta da pandemia eles podem comprar sem licitação ou consertar que o que etá squebrado é a bomba. Mas teria como articular e ir atrás, mas é um posicionamento político da prefeitura que condiciona mandar água se a gente sair da área, mas não terão coragem de dizer”.

Os agricultores também combatem esse discurso de que a saída das 15 famílias solucionaria o problema. “Ainda que tenha 15 famílias dentro de uma área que supostamente seja da prefeitura – porque efetivamente não há documento comprovando, e a área inclusive está na disputa da massa falida do grupo João Lyra – caberia à Prefeitura entrar com os meios legais. Não justifica deliberadamente a suspensão no fornecimento de água de 120 famílias e ainda chegar aqui afirmando que o povo está sendo intransigente porque está reivindicando que a água chegue”, defende. “Além do mais, a coordenação do acampamento foi lá há 15 dias e falou diretamente com a prefeitura e a resposta recebida é de que as famílias saíssem dali que viria a água.

Nunes também rebate: “Eles colocaram este argumento sem levar em consideração a agricultura familiar e a potencialidade deste trabalho para a geração de renda. Essa denúncia que a gente faz é tanto sobre esse despejo sem nenhuma preocupação com as famílias, como também mais urgentemente diante da gravidade da falta de água para as famílias, entendendo que a água é vida, necessidade básica, direito fundamental, principalmente em meio a uma pandemia. A própria Prefeitura colocou restrições para evitar contaminações no município, mas o que é mais essencial, que é garantia de água para as pessoas se higienizarem, inclusive, a Prefeitura cortou”.

Embora a privação de água em troca da saída das famílias tenha surpreendido os trabalhadores rurais ,Débora Nunes também reflete como situações como esta são enfrentadas ao longo da história por agricultores familiares o conflito desleal no campo e da perda de terra. “Ela é uma recém-eleita com o discurso do novo, mas temos entendimento de que é uma nova roupagem da mesma velha política cruel das velhas oligarquias, que historicamente dominaram Atalaia e tentaram combater o movimento em Atalaia”.

Neste sentido, Nunes rememora as relações com o poder no local em anos anteriores. “Não à toa temos três lideranças na luta pela terra que foram assassinados e, não temos dúvida de que foi a mando desse consórcio de fazendeiros, grupos políticos e econômicos que sempre hegemonizaram em Atalaia e não aceitam ou admitem processo de organização de trabalhadoras e trabalhadores para enfrentar problemas e buscar soluções que afetam o conjunto do povo”.

Trabalhadores denunciam situação de falta de água há 20 dias. Foto: MST

 

 

 

 

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