Volta às aulas preocupa em meio à desigualdade

Professores alertam sobre falta de estrutura e aumento do abismo entre estudantes pobres e ricos em Alagoas
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Atualmente enfrentando uma série de dificuldades com o ensino remoto, imposto como alternativa para continuidade das aulas durante o período de suspensão desencadeado pela pandemia do Coronavírus, professores das redes públicas e privadas refutam qualquer possibilidade segura de cenário de volta às aulas presenciais em Alagoas nas condições  . Os docentes alertam desde a falta de garantia em saúde à comunidade escolar até o próprio aprofundamento das desigualdades quando se trata dos distintos contextos sociais.

O debate toma proporções mais urgentes diante de uma série de movimentações ocorridas nas últimas semanas. No país, a decisão sobre a retomada tem sido bastante controversa, variando o resultado em cada estado. No Distrito Federal, por exemplo, houve anúncio de retorno e, tempos depois, uma desistência. Em Alagoas não há ainda qualquer prazo estabelecido, embora o estado esteja atualmente na fase azul – e a fase verde, a seguinte, esteja apontada como a propícia para a abertura das escolas.

O pronunciamento da UNICEF e da UNESCO junto a OMS obre a prioridade em se retornar às aulas para a reabertura econômica se respaldou pelas diversas questões sociais surgidas com a manutenção das crianças em casa: aumento do trabalho infantil e de uma série de abusos domésticos, dificuldade de retorno ao trabalho dos alunos por não ter onde deixar suas crianças. A diferença também de acesso à educação durante a pandemia foi colocada em xeque, uma vez que, segundo a UNICEF, aproximadamente meio bilhão de crianças não tiveram qualquer acesso a Educação à Distância.

O problema é que, do outro lado, docentes alertam que qualquer possível cenário de volta às aulas nesse momento não tornaria a condição das famílias mais favoráveis. Professor nas redes pública e privada, Bruno Santos ressalta os contextos distintos que, em qualquer cenário, leva a uma dificuldade ainda maior para estudantes que já se encontram em condições mais precarizadas de acesso à educação. As diferenças já podem ser visualizadas na situação atual.

“ Acredito que as escolas particulares têm mais possibilidades de voltar, inclusive uma estrutura mínima que as escolas estaduais não têm”, conta. “As grandes escolas não pararam. Ensino remoto pra todo mundo e quase 100% dos alunos com acesso a internet. Nas escolas menores muitos alunos relatam conexão deficiente, que é uma das razões pelos pais terem deixado de pagar a escola ou pedir desconto. Essas duas realidades para as escolas particulares. Na escola pública é bem diferente”.

O público, o privado, o humanitário e as finanças

As entidades sindicais que representam professores atuantes em escolas públicas e privadas confirmam a posição. De acordo com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Alagoas (Sinteal),Maria Consuelo Correia, a categoria impulsionou diversas reuniões expondo os impactos de um possível retorno. “Etamos totalmente contrários.  Tínhamos diálogo contundente com o Ministério Público Estadual, que avaliou os nossos argumentos e teve entendimento de que 100% de segurança a gente tem certeza de que esses gestores não vão garantir para ninguém. Em outra reunião, com a secretária Ana Dayse, a gente questionou se o estado vai ter teste para todos os alunos e trabalhadores. Para além disso, tem o traslado todos os dias. Eu saio de casa e pego transporte, tem toda essa preocupação”, relatou.

No mais, a própria estrutura da escola também se apresenta como obstáculo importante. “Na escola não pode ter aglomeração na hora de servir a merenda. Tem que ser servida no espaço da sala de aula. Tudo isso significa mais contratações, porque também haverá necessidade de profissionais para sanitizar os ambientes, limpando continuamente as mesas com álcool, e os banheiros a cada uso. Nossos banheiros nas escolas nem tampa têm. Não há papel higiênico, muitas vezes falta água. Como fazer essa escola funcionar em um protocolo de segurança? A gente não vislumbra o retorno porque tem uma série de elementos que a gente tem certeza que o estado não vai aguentar”. listou Correia.

“O protocolo de segurança que eles apresentem pode servir para uma escola e não para outra. Tem umas bem estruturada e e outras em salas alugadas. Então não tem como. A gente não defende em hipótese alguma. A centralidade não deveria estar no calendário porque calendário a gente recupera. A centralidade é em defesa da vida.”

Consuelo acrescenta que, tampouco, é uma hipótese aceitável permitir a abertura das escolas particulares, enquanto as públicas permaneçam fechadas. “É o cenário mais absurdo. Desmonta mais o argumento de que aqueles que tem acesso a escola privada estarão em pé de igualdade com aquele que não tem acesso, para concorrer a Enem, IFAL. É deixar mesmo a população pobre para trás. O pobre acaba não podendo acessar o direito garantido à educação. É isso o que a gente está vendo no país em que o mercado da educação é entregue aos empresários, com o Itaú, a Fundação Lehman. São pessoas que querem preparar mão de obra barata para o mercado e não formar cidadã ou cidadão, para que a elite continue mandando no país e a gente obedeça, uma vez que educação para pobre é feita de qualquer jeito”.

Histórica, a desigualdade não é produto da pandemia, mas vem definindo e sendo retroalimentada pelas condições educacionais de estudantes no Brasil. O Anuário Brasileiro da Educação Básica 2020 oferece um termômetro da situação. Aportado por dados do IBGE do Inep, o Anuário expõe o abismo no desempenho entre estudantes mais ricos e mais pobres no Brasil. Um exemplo é aprendizagem do ensino de matemática no 9º do ensino fundamental. Enquanto alunos ricos tiveram 54,7% de desempenho, estudantes pobres obtiveram o nível de apenas 8,8%. No 3º ano do ensino médio, os ricos adquiriram 45,7% nível de aprendizagem contra somente 3,2% entre os estudantes pobres. A paralisação das aulas que preocupa por tantas razões, vem sendo colocada sob pressão justamente em razão da pressão econômica.

“Não é agora que a gente vai diminuir a desigualdade. Já existe há muito tempo. Essa pandemia foi o fio devastado para ver como o país é desigual e Alagoas não é diferente. Além do mais, na economia, a classe trabalhadora foi enxergada como quem de fato faz a riqueza do país girar e gerar. Foi uma greve imposta pelo Covid, mas paramos, e a economia parou. E agora querem jogar a responsabilidade nos pais. Agora sentem na pele a importância da escola, ao ver ela fechada e com os pais sem ter com quem deixar os alunos para irem trabalhar”, revela Consuelo.

Para a entidade que representa professores das escolas privadas, a compreensão é semelhante.  De acordo com o secretário-geral do Sindicato dos Professores de Alagoas (SINRPRO-AL), Nivaldo Mota, as reuniões efetuadas sempre houve entendimento comum de que não há condições de retorno. “Com relação a nosso sindicato laboral, somos radicalmente contrários à volta porque existe toda uma problemática. Os alunos, principalmente os pequeninos, podem contaminar tio, tia, avó, pai, mãe. É uma coisa que não tem a mínima condição”, rememora. “Sabemos dos problemas, evidentemente, e dessa situação dramática que a gente vive. Porque quando a gente fala de escolas, a gente sabe que tem muitas que têm condições de dar aula remota tranquilamente, mas outras que apesar de se adequarem tem imensa dificuldade. Nos preocupa em relação ao trabalho também porque estamos lutando para que não haja demissões”, comenta.

Segundo o secretário-geral do SINRPRO, o receio pela perda de emprego ainda existe, mas não há número de vozes significativos em prol de que a volta às aulas presenciais aconteça. “É muito difícil com uma crise dessas você deixar de receber salários, mas a grande maioria dos professores é totalmente contrária. Evidentemente mais do que os professores, são os pais. Mesmo os mais negacionistas que tenho contato, perguntei se levariam seus filhos para a escola e disseram que não”, afirma.

A Comissão da Defesa da Criança e do Adolescente da OAB seccional Alagoas efetuou um levantamento com pais, mães, responsáveis por estudantes e profissionais da educação, sobre retomada presencial das aulas. O resultado da pesquisa divulgado no início de setembro demonstrou que, das 18.595 respostas, 84,6% dos pesquisados são contrários à volta às aulas.

“Porque não é uma questão humanitária, mas de finanças”, comenta Nivaldo Mota. “[As escolas] chegaram a discutir ainda uma volta de forma híbrida, mas se percebeu que ou volta tudo ou não tem volta. E eles tem recursos porque tiveram que reduzir energia, água, com manutenção. E diante de uma volta, mesmo com todos os cuidados, como você vai controlar uma criança em um corredor, em uma sala de aula, no intervalo? Um pega material do outro, toma no canudinho do amigo. Por mais rica que seja a escola não tem esse controle. E a maioria das crianças são assintomáticas, mas transmitem. Se o professor morre por abertura irresponsável, quem vai pegar pela vida do professor?”

Mota também atenta ainda para o calendário do ano. “Um postura responsável do sindicato é buscar cuidar do emprego dos professores e tentar garantir que não haja o retorno até o fim do ano, mesmo porque já estamos em setembro e dia 24 de dezembro encerra tudo. Então não tem mais lógica querer voltar presencialmente. Trata-se de uma preocupação com a saúde dos professores, dos funcionários, das casas e das pessoas”.

Consuelo reforça: “Temos uma categoria muito envelhecida. Há análise nacional confirmando que há muitas pessoas em grupos de risco, e aqueles que já possuem comorbidade seria muito complicado o retorno agora. Mesmo as aulas remotas estão acontecendo sob muita pressão, sob cobrança de que professores tenham equipamentos como notebook para garantir aulas em plataformas. Não é justo a gente não ter tido rejuste salarial ano passado ou esse ano no governo municipal. Ao contrário, tivemos redução com esse desconto previdenciário. E há a imposição que coloquemos crédito no celular e paguemos plataforma para garantir aulas.

Enquanto isso acontece, a educação remota impõe ainda mais dificuldades em rafvzão das exigências apresentadas em al. “É uma educação com deficit porque grande parte dos nossos estudantes não tem acesso a internet. O ambiente de casa é diferente. Tem crianças com pais e mães que não são alfabetizados, porque temos também a mais alta taxa de analfabetismo. Todo esse esforço em meio a essa desigualdade acaba promovendo uma educação faz de conta. A gente tem conversado com professores do estado que estão sofrendo exigência de ter pelo menos 80% sob pena de não validar a aula como ano letivo. Ora, se nem presencialmente tem essa frequência.
Como em algumas turmas estão conseguindo fechar? Os professores organizam o material impresso, mandam levar para os estudantes, mas não têm feedback. Não sabem se aprendeu ou se não aprendeu”, revela.

Nas escolas privadas, Mota diz que o sindicato está conseguindo conter maiores abusos e evitar demissões, embora a situação também seja difícil. “É preciso ter em vista que as aulas remotas não são EAD. EAD é diferente. Diante da excepcionalidade no momento de crise, a tendência é que tenha essas aulas remotas. É bem verdade que há uma precarização, ,que o professor trabalha mais, mas o sindicato tem sido atuante quando surgem exageros”. As reclamações mais comuns seguem entre professores estão trabalho exacerbado e falta de pagamento de horas extras, além das condições logísticas dos professores para viabilizar as aulas online.

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