Arthur Lira parte para ofensiva contra jornalistas para calar denúncias de corrupção e violência

Ações judiciais são classificadas por entidades como ataque à liberdade de imprensa
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Presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas), em ofensiva judicial contra jornalistas. Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Envolvido em recentes escândalos públicos sobre orçamento secreto, suspeita de corrupção em compras de kit de robótica e, agora, em um processo relacionado à violência sexual e agressão física contra a ex-esposa, o presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal Arthur Lira (Progressistas-AL) partiu para ofensiva judicial contra jornalistas, impetrando ações na Justiça do Distrito Federal contra a Agência Pública e do Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Organizações e entidades confrontaram a ação de Lira, identificando como um ataque direto à liberdade de imprensa.

Na reportagem da Agência Pública “Ex-mulher de Arthur Lira o acusa de violência sexual” – que você pode ler na íntegra clicando aqui – a jornalista Aline Maciel analisou o processo judicial, publicou laudo médico, ouviu a vítima e diversas testemunhas, buscou o delegado, peritos, obtendo inclusive declaração da delegada que ouviu as testemunhas. Finalmente, o veículo também registra ter buscado Arthur Lira, por meio de assessoria de imprensa, mas o parlamentar optou por não responder sobre as denúncias e o conteúdo apresentado. A reportagem também informa como Lira foi inocentado nove anos depois pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já deputado federal, inclusive trazendo detalhes sobre o entendimento dos ministros de que havia ausência de provas e prescrição relacionada à demora para apresentação da denúncia.

Imagem da Agência Pública, após ação judicial de Arthur Lira para impor retirada de reportagem.

Ao invés de exercer democraticamente seu direito de resposta, ofertado pela própria reportagem da Agência Pública, Arthur Lira partiu para a ação no Distrito Federal, requerendo a imediata exclusão das reportagens e busca indenizações no valor de R$ 100 mil para o veículo.

Já para o ICL Notícias, o objeto da ação que tramita na 24ª Vara Cível trata-se de um programa do Instituto que comentava sobre as denúncias de propina por vaga na CBTU; envolvimento de um assessor de Lira em compra superfaturada de kits de robótica, e, finalmente, sobre uma entrevista feita também à ex-mulher de Lira, com as acusações de violência.

Além da retirada das reportagens e da indenização de R$ 300 mil, Lira ainda solicitou a retirada de 47 vídeos dos canais na internet, a desmonetização do veículo pelo YouTube por 90 dias e até mesmo a proibição de futuras publicações sobre o assunto. Para acessar o canal do ICL, clique aqui. 

Organizações e entidades se posicionam contra ataques ao direito da liberdade da imprensa

Após a informação sobre o processo judicial, a direção da Agência Pública emitiu uma nota em que reitera  o conteúdo da reportagem e repudia a tentativa de intimidação judicial com pedido de censura prévia”. 

Ao recapitular todos os cuidados éticos e técnicos durante a produção da reportagem, a direção atenta que “a atitude de Arthur Lira contra à atividade jornalística representa uma ameaça frontal à liberdade de expressão, direito garantido pela Constituição de 1988 e pilar do Estado Democrático de Direito vigente”. A nota pode ser lida na íntegra clicando aqui. 

Já leitores e seguidores do ICL produziram um abaixo-assinado, em que descrevem que: “É perigosíssimo que figuras proeminentes e em postos de poder no Estado brasileiro queiram perseguir e amordaçar a imprensa livre. O processo movido por Arthur Lira, motivado por interesses privados, é deplorável manifestação autoritária de quem deveria zelar pelo fortalecimento da democracia.” O abaixo-assinado, que já contava com mais de 164 mil assinaturas até o fim desta reportagem, pode ser lido e assinado clicando aqui.

No dia 12 de julho, entidades e organizações voltadas à defesa do jornalismo assinaram uma nota em que repudiam a prática de Lira. “Para as organizações abaixo listadas, é inadmissível que o presidente da Câmara dos Deputados, um dos poderes que devem zelar pelos preceitos constitucionais, faça uso do Judiciário para cercear conteúdos jornalísticos que lhe desagradam”.

A nota foi assinada pela Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Repórteres Sem Fronteiras – RSF
Ajor – Associação de Jornalismo Digital, Instituto Vladimir Herzog, Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas
Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores, Instituto Palavra Aberta e Instituto Tornavoz.

Os pedidos de tutela de urgência, para que o conteúdo fosse retirado de imediato em ambos os veículos, foram negados pelos juízes. Nos dois casos, foi lembrado ao parlamentar sobre o direito constitucional à liberdade de imprensa. Para as organizações, o posicionamento manifestado pelos magistrados foi apontado, na nota das entidades, como “um dos sinais do equívoco e do exagero do parlamentar em lidar com o noticiário e com os profissionais de imprensa em uma situação que, certamente, lhe causou desconforto”.

Ao emitir ainda uma nota em defesa da Agência Pública, a Ajor  “insta que governos, autoridades judiciais e demais instituições responsáveis pela proteção dos direitos humanos e da liberdade de imprensa atuem para garantir o direito à informação.” Leia aqui a nota na íntegra. 

Não se sabe, ainda, se o parlamentar está procurando emitir novas ações judiciais contra outros veículos de comunicação que divulgaram as denúncias.  A Mídia Caeté procurou Arthur Lira, por meio da assessoria de comunicação, mas não obteve nenhuma resposta. 

Assédio Judicial e Intimidação contra Jornalistas

Em artigo produzido ainda em 2020, a ABRAJI levanta a problemática do assédio judicial e processual contra jornalistas nos últimos anos. A associação inicia distinguindo o assédio judicial através da “utilização do poder judiciário como forma de perseguição e intimação, especialmente contra defensores de direitos humanos”. Já o Assédio processual vem sendo entendido como “como um abuso do acesso à Justiça, pelo ajuizamento de diversas ações sobre um mesmo fato ou contra uma mesma pessoa, com o intuito de prejudicá-la e, nesse caso, caberia a condenação por litigância de má-fé”.

Produzido principalmente por políticos desconfortáveis com publicações envolvendo seus nomes, essas práticas de assédio vêm cada vez mais tomando como alvo jornalistas inseridos em veículos de comunicação independente, gerando desgaste funcional e econômico, no intuito de inviabilizar a continuidade dos trabalhos.

Em Alagoas, a FENAJ e o Sindjornal chegaram a emitir uma nota em repúdio a dois políticos alagoanos, o prefeito de Palmeira dos Índios, Júlio Cezar, e o deputado federal Rafael Britto, ambos do MDB, por episódios de intimidação contra os jornalistas Kleverson Levy e Berg Moraes.

Berg Moraes foi alvo de uma ação judicial movida por Rafael Brito, que reivindicou indenização por danos morais. Já o jornalista Kleverson Levy foi alvo de críticas pelo prefeito de Palmeira dos Índios, Júlio Cezar, em suas redes sociais. Na nota, o Sindicato e a FENAJ declararam: “O comportamento dos dois políticos representa uma tentativa clara de intimidar e cercear o trabalho da imprensa. Tal postura, partindo de tal representantes do povo em tempo de intolerância e disseminação de discurso do ódio, só reforça a prática de violência contra os profissionais da comunicação”.

A resposta às ofensivas foi produzida por Kleverson Levy em seu site, em que declarou: “não compro ideias mentirosas e matérias montadas por assessoria ou quero aparecer jornalisticamente. Os fatos e denúncias verdadeiras são repassadas – diariamente – por quem está vivenciando inúmeras situações em seus locais de trabalho. Continuarei com o meu trabalho independente, no Blog Kléverson Levy, firme e seguro nas matérias publicadas.”   Você pode a nota na íntegra, no Blog do Kléverson Levy, clicando aqui.  

Nesse episódio envolvendo Arthur Lira contra os veículos da Agência Pública e ICL, Levy identifica mais um processo de ataque democrático. “Arthur Lira tenta calar toda imprensa do país, quando abre processo contra o ICL. É um ataque à democracia, ao jornalismo, à imprensa e a todos os profissionais. Virou moda no Brasil e, principalmente, aqui em Alagoas, políticos atacarem e processarem jornalistas. Porém, enquanto o Judiciário for favorável à liberdade de expressão e imprensa, teremos voz para suplicar pelos que não têm voz e vez. Esse é o nosso papel de fazer jornalismo independente”, comenta.

“Nós, profissionais independentes, temos que nos unir para que isso não venha a acontecer. E ficamos felizes por eles não terem cedido a essa pressão de até o momento”. “Não é nem calar, é acabar de vez com aqueles meio”.

Em live com o tema O Jornalismo sob Assédio Judicial, a procuradora do Trabalho e coordenadora nacional do Coletivo Transforma MP, Vanessa Patriota, apresenta o evento demonstrando como o assédio judicial vem sendo uma expressão da crise democrática iniciada em 2016, e que provocou um déficit democrático mediante uma série de perseguições.

O uso do Poder Judiciário para calar jornalistas é uma destas práticas. “Temos presenciado o ajuizamento de inúmeras ações contra um mesmo jornalista, muitas vezes sobre um mesmo fato, em nítida afronta à liberdade de expressão. O jornalista, geralmente pessoa física, é acionado em diversos locais, e tem que se virar para se defender em diferentes comarcas, contratar advogado em diferentes estados o que prejudica e inibe seu direito de defesa”, relata.

“Essas perseguições vêm sendo orquestradas exatamente com esse objetivo, na esfera cível ou criminal, que visam retirada de conteúdos do ar, indenização por danos morais, condenação por calúnia, injúria. Imagine a situação da mídia independente, imagine a situação daquele jornalista que tem um blog e não tem a mídia corporativa por trás. Como é que esse jornalista, engessado por dívidas em razão de ações judiciais, pode continuar denunciando as ilegalidades, os abusos dos donos do poder? O objetivo é calar os jornalistas”, define

O direito à informação é presente em sociedades democráticas e tem a ver com a autodeterminação e com o nível democrático de determinado Estado, o que envolve o direito de informar sem censuras. A live, que reúne jornalistas e juristas, pode ser visualizada na íntegra clicando neste link, no canal do GGN. 

 

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