Concurso pode virar longa batalha jurídica em Alagoas

Certame já é questionado na esfera administrativa após envelope de provas rasgado na primeira fase
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Soa irônico que o concurso para juiz do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) tenha tudo para virar uma longa batalha jurídica. E para isso não foi necessário sequer chegar ao fim do processo seletivo. O motivo? O pacote de provas que chegou aberto a uma das salas da primeira fase, realizada no dia 06 de outubro de 2019.

O caso indignou três candidatos, que decidiram ingressar com um Procedimento de Controle Administrativo (PCA) junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 14 de outubro, alegando o comprometimento na lisura do certame. Mas foi somente em dezembro, após solicitar informações ao Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), que o conselheiro e relator do caso, André Godinho, suspendeu o concurso até julgamento final.

A suspensão traz à tona diferentes versões. Se de um lado há candidatos que desejam a anulação, do outro estão os aprovados na primeira etapa. Muitos destes, inclusive, já movimentam os instrumentos necessários.

“A gente vai entrar em bloco como interessados no procedimento administrativo”, disse uma das aprovadas, que pediu para não ser identificada.

O incidente ocorreu no dia da avaliação objetiva. Os portões já estavam fechados e os postulantes ao cargo de juiz dentro do prédio. Tudo transcorria normalmente até que uma das coordenadoras do certame, organizado pela Fundação Carlos Chagas (FCC), entrou na sala 92 com uma notícia alarmante, anunciando que o pacote das provas estava rompido. O ambiente da sala teria virado um misto de agitação e compreensão. Os mais exaltados só concordaram em iniciar a prova após todas as queixas serem colocadas em ata.

A versão do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) nos autos do procedimento administrativo é de que houve um acidente, e não uma fraude. Em resumo, sustenta que um dos fiscais contratados carregava um grande volume de provas no ombro e sofreu uma queda no corredor, ocasionando a abertura do envelope.

O fiscal envolvido no incidente deixou sua declaração. Seu relato, escrito à mão, diz: “Fui convocado pela coordenação para fazer a entrega das provas aos fiscais de sala, onde durante a entrega um dos pacotes de prova, acidentalmente caiu de minhas mãos, com isso um dos pacotes devido ao impacto da queda se abriu, logo chamei uma das coordenadoras do concurso, relatei o ocorrido e devolvi todos os pacotes de prova a ela, inclusive o que foi aberto pela queda”.

Para respaldar a versão, foram anexadas imagens das câmeras de segurança (nºs 7, 8, 9 e 10) do segundo andar do bloco C do Centro Universitário Tiradentes (Unit), local em que foi realizado o certame. A Mídia Caeté teve acesso ao conteúdo. A alegação é de que a queda teria ocorrido às 8h43m55s, segundo as imagens da câmera 10:

As imagens não foram suficientes para convencer o relator do caso. Na decisão, ele afirma não ter sido possível identificar de forma inequívoca o momento no qual vários envelopes teriam caído no chão. Da mesma forma, não teria havido a identificação de rostos nem do envelope que teria se rasgado.

O grupo de candidatos que deseja a continuidade do concurso discorda e alega ter motivos para ir além. Utiliza como trunfo o argumento de que três inscritos de salas distintas atestaram em ata que os malotes de prova chegaram intactos ao local de prova, o que afastaria a ausência de lisura.

Candidatos aprovados querem a continuidade

O ingresso na magistratura é a ambição de muitos alcançada por poucos. Há quem o encare como um dos mais importantes da República. Para se ter uma dimensão, foram 7.729 inscritos para a concorrência geral, segundo estatística divulgada pela FCC. Somente 326 deles acabaram aprovados para a segunda fase. E muitos destes se queixam, sobretudo, de um ponto em especial: os autores do pedido de anulação sequer teriam atingido a pontuação necessária para se classificar. Assim, o que estariam buscando com o pedido de anulação seria apenas uma nova chance.

Com a suspensão, o cronograma inicial atrasou. A próxima etapa estava marcada para os dias 12, 18 e 19 de janeiro de 2020, e não tem, até segunda ordem, novas datas, o que deixa os aprovados sem norte.

“Me sinto prejudicado, desanimado e preocupado, pois ser submetido novamente a uma prova que você já obteve êxito não é garantia de sucesso, pode ser que não alcance a nota necessária e infelizmente aqueles que buscam forçar uma “fraude” poderão ter sucesso, já que nenhum dos autores da reclamação conseguiram atingir a nota de corte, inclusive 02 dos 03 Autores sequer conseguiram a nota mínima 6,0 e o outro também ficou longe (ficou na posição 1153, quando somente 326 foram aprovados”, declarou um dos aprovados, que não quis ser identificado.

Além do dano psicológico, há a alegação do prejuízo financeiro. Candidatos de todo o país cobiçam a vaga. Colocando os cálculos na planilha, os aprovados que buscaram a reportagem afirmam que os danos materiais com material de estudo, passagens, hospedagem, alimentação e deslocamentos podem ultrapassar o valor de R$ 3 mil por pessoa. Multiplicando pelo número de aprovados, a cifra se elevaria.

Sobre a alegação de fraude, defendem não haver provas, mas apenas suposições. Afirmam que transcorreram seis minutos entre o incidente e a entrega das provas na sala 92, tempo visto como insuficiente para a prática de fraudes, sobretudo pelos procedimentos de segurança que compelem o candidato a colocar os pertences em sacos lacrados. Além disso, não teria faltado nenhum exame ou gabarito dos candidatos da sala em questão.

A contradição dentro do Tribunal de Justiça de Alagoas

Se inicialmente o TJ-AL saiu em defesa da continuidade do concurso diante do CNJ, uma entrevista em vídeo do presidente do órgão, Tutmés Airan, à Tribuna Hoje, no dia 27 de dezembro de 2019, trouxe novos contornos à situação.

“Nós resolvemos aqui, de modo próprio, baseado no autopoder de tutela, antes do CNJ julgar, nós vamos nos antecipar e estamos anulando a realização dessa prova. Outra prova vai se realizar”, declarou Tutmés em um dos trechos.

A entrevista ligou o sinal de alerta para os aprovados. Diante das declarações, vários deles resolveram se resguardar e ingressaram com mandados de segurança preventivos para tentar evitar a anulação do certame. Segundo sustentam, eventual anulação de ofício, sem instauração de procedimento interno de apuração e antes mesmo da decisão final do CNJ, prejudicaria o contraditório e a ampla defesa.

Em início de ano agitado, o TJ-AL atravessou petição no procedimento administrativo no último dia 09 de janeiro. No pedido, o presidente da comissão do concurso afirma que caso o CNJ não se convença dos elementos apresentados para a continuidade do certame e o impasse permaneça, a anulação seria a medida mais adequada, com base especialmente no interesse público, a celeridade e a não atribuição de qualquer vício na forma de ingresso na magistratura dos aprovados para a segunda fase.

Basicamente, o TJ recuou e entregou o caso nas mãos do CNJ. Sem data marcada para o julgamento final, não há nada que indique uma solução definitiva e pacífica. O lado perdedor não deve deixar barato. Esgotada a esfera administrativa, judicializar a questão seria o caminho mais provável.

O OUTRO LADO

Os candidatos autores do pedido de anulação

A Mídia Caeté tentou ouvir a versão dos três candidatos que ingressaram com o Procedimento de Controle Administrativo (PCA). Por meio de um dos representantes legais, o grupo informou que não deseja, neste momento, se manifestar além dos autos do processo.

Tribunal de Justiça de Alagoas

A reportagem entrou em contato com a assessoria do Tribunal de Justiça de Alagoas e obteve um posicionamento sobre o assunto. Confira, na íntegra, a nota enviada pela presidência:

“A suspensão do concurso se deu, como é sabido, devido às notícias apresentadas por candidatos ao CNJ, sobre possível violação do lacre de provas aplicadas na sala 92 do Centro Universitário Tiradentes, em Maceió. A comissão do concurso, analisando todos os elementos de prova disponíveis até o momento, concluiu pela inexistência de indicativo de fraude e tal situação foi informada ao Conselheiro André Gondinho, relator do procedimento no CNJ. Todavia, como forma de demonstrar nosso total interesse na transparência do concurso, cuja realização e conclusão, aliás, é nossa prioridade devido ao número de comarcas vagas em nosso Estado, cogitei a possibilidade de sua anulação imediata, com vistas a não atrasar ainda mais o certame, bem como para que não pairasse quaisquer sombras de dúvidas quanto à sua lisura embora, repito, esteja convencido da inexistência de qualquer fraude. Entretanto, ao me reunir com a comissão, entendemos por bem consultar o conselheiro relator, André Gondinho, sobre nossa intenção de, em exercício de autotutela, realizar a anulação, estando esperando a manifestação do CNJ. Esta é a situação atual: estamos esperando o resultado da consulta e julgamento do procedimento pelo Conselho Nacional de Justiça. Por fim, ressalto que este Tribunal e este Presidente estamos comprometidos com a realização de um concurso que seja transparente e que, ao cabo dele, tenhamos excelentes juízes ocupando os cargos vagos nas diversas comarcas de Alagoas, atendendo aos alagoanos da melhor forma possível”.

Fundação Carlos Chagas

A Mídia Caeté tentou contato telefônico por diversas oportunidades com a banca responsável pela realização do concurso. Após sucesso no contato, um e-mail foi enviado. Até o momento da publicação da reportagem, não houve retorno.

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