“Eles já sabiam quem ele era e que se tratava de um Terreiro”, relata Yalorixá Jeane Yara, após invasão de PMs a terreiro

Caso será investigado na Delegacia Tia Marcelina; mãe de santo fala sobre episódios que antecederam agressão ao filho
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Registros da situação do Terreiro Abassá de Angola, após invasão e depredação. Foto: Arquivo Pessoal

Ainda abalada diante do ataque ao terreiro Abassá de Angola e do espancamento contra o adolescente de 18 anos, na última quinta-feira, 2 de março, a Yalorixá Jeane Yara relata que os policiais militares que cometeram as agressões já sabiam que o jovem era seu filho e que o lugar que iriam depredar e invadir se tratava de uma casa de santo. Segundo ela, a vítima de espancamento já havia sido abordada pelos policiais durante o Carnaval, na passagem de um bloco de maracatu.

Segundo a Ya, após o desfile do bloco, a comunidade do terreiro estava em reunião e receberam a informação de que acontecia uma operação na rua e que um amigo do adolescente havia sido colocado dentro da mala de uma viatura. “Meu filho disse que iria lá para saber por que o amigo tinha sido detido. Depois de um tempo, vem o pessoal da comunidade para dizer que meu filho também foi colocado dentro da mala”, relata.

Segundo Jeane Yara, ao chegar no local, duas viaturas já estavam com as portas fechadas e os policiais negaram estar com seu filho. “O policial disse que não pegou ele. Mostrou uma viatura, que estava com o rapaz que estava no bloco. Só que toda a comunidade continuou dizendo que meu filho estava na outra viatura, e o policial negando”, conta.

Após muita insistência, um policial não fardado e com capuz no rosto determinou que abrissem a segunda porta. “Ele disse para eu aconselhar meu filho a não andar na parte de baixo, senão iria matar ele. Disse também um monte de outras coisas que eu não podia confrontar porque eram policiais”, conta. “Ele me viu com turbante, me viu com vestimenta”, conta.

De acordo com a Yalorixá, na segunda abordagem ocorrida menos de duas semanas depois, o jovem foi imediatamente reconhecido. “Meu filho passava pela esquina do terreiro quando a viatura passou ao lado já perguntando ‘você é aquele jovem que a família tem um monte de brabo? Cadê sua família agora para lhe proteger?’”

Os relatos de Jeane Yara dão conta de que os PMs já sabiam de quem se tratava o rapaz, antes de o colocarem na viatura para a primeira sessão de espancamento. “Eles pegaram meu filho e levaram para dentro de uma casa, onde espancaram, colocaram uma arma na mão dele para ficar a digital e disse que se quisessem matar só dizer que seria troca de tiros. Ficaram perguntando quais casas tinham drogas no conjunto, e ele disse que não iria falar porque era algo que não sabia”, relata.

As ameaças prosseguiram, além do espancamento. Até que, segundo Jeane Yara, o rapaz foi colocado de volta dentro da viatura, e os militares determinaram que indicasse o lugar que morava. “Quando chegaram, já perguntaram ‘você mora nessa casa de macumbeiro?’. Foi daí que quebraram a porta improvisada de madeira, porque estávamos em reforma, quebraram as correntes, mexeram na mesa da Jurema, vasculharam tudo”, disse. “Não tiraram meu filho da viatura e depois voltaram para essa casinha com ele para uma novo espancamento”, conta.

Legado da Mãe Vera

A Yalorixá afirma que hoje seu filho consegue sair de casa eventualmente, mas ainda está amedrontado. “Não pode ver uma viatura que corre para dentro de casa. Todos sabem que aqui é casa de santo. Há mais de 20 anos, fica aqui. E ficava agora com a cadeira de roda sentada enfrentando todos eles. Se disserem que não sabiam, estarão mentindo. Agora, o respeito que minha mãe tinha aqui, hoje passa para mim. E por isso me sinto segura pela comunidade, mas não me sinto segura pela polícia”, relata.

“Se eles querem ir atrás de tráfico, eles que precisam investigar e não ter que forçar as pessoas a dizer nada, ainda mais assim. Minha mãe resistiu, há mais de 20 anos aqui, tinha compromisso de sustento coma s mulheres, acolhia a comunidade com o terreiro e também foi acolhida pela comunidade. Não vai ser uma viatura que vai acabar com a história dela aqui dentro”, relata.

“Na pandemia, a Prefeitura queria acabar com parte da comunidade e minha mãe foi quem tomou a frente a chuva, arriscando a vida e colocando os pés na lama. Ela resistiu para não tirar ninguém e seu pé adoeceu, agravando com a diabetes e pegando a bactéria nos dois pés. Ela lutou muito”.

Polícia Civil investigará pela Delegacia Tia Marcelina

Após ouvir as vítimas, mãe e filho, a Polícia Civil informou que o inquérito será aberto pela Delegacia de Crimes contra Vulneráveis Tia Marcelina. A confirmação foi feita nessa segunda-feira, 6. Na última sexta-feira, o desembargador Tutmés Airan informou ter enviado um ofício para o órgão solicitando que o caso fosse investigado pela Delegacia Especializada, em razão dos indícios de racismo religioso.

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