Sabaru: faltam políticas específicas para os povos indígenas

Assessor político da APIB endossa como a aliança entre os povos vem sendo determinante para conquista por direitos
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Marcos Sabaru durante solenidade de nomeação de Tanawy. Foto: Ademar Júnior

Este ano, povos indígenas de todo o país vêm relatado que ‘o 19 de abril’ já é celebrado com certo alívio, dado o fim de uma gestão do governo federal declaradamente anti-indígena, além das recentes conquistas com as ocupações de indígenas em cargos direcionados a executar diretamente de suas políticas. Não significa, no entanto, que os caminhos estejam absolutamente abertos. Representando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Marcos Sabaru, da aldeia Tingui-Botó, relata como a aliança entre os povos que vem sendo determinante para a conquista por direitos.

Sabaru atenta que as lutas precisam se manter onde de fato acontecem: a partir das bases sociais, levantando a atenção para o fato de que, independentemente do apoio voltado ao político que ocupa os governos e parlamentos, é preciso seguir em alerta.

“Meu partido político é a aldeia”

“O que celebro, e é importante, é o fato dos povos indígenas estarem ocupando estes 34 distritos de saúde em todo o Brasil, porém não é uma política. E o Brasil carece de uma política”, relata. “Não podemos nos confundir com desgoverno passado, com a irresponsabilidade de alguém que era amante das armas, da tortura e da violência, e deixou milhares de pessoas morrerem enquanto pregava ‘Deus, Pátria e Família’. No entanto, não é porque essa pessoa horrível deixou o poder e que conseguimos eleger outra pessoa – e quero que fique registrado que fiz campanha e votei no governo Lula – mas sou índio sem partido e do movimento ‘meu partido é minha aldeia’. Não tenho partido político e também não posso endeusar porque ele já tem três mandatos, além de um mandato e meio da Dilma. O Governo do PT passou por muitos anos no poder e os povos indígenas seguiram carecendo de políticas, além de que a demarcação de terras não andou”, rememora.

É nesse sentido que questiona como, sistematicamente, as políticas públicas não aparecem. “E as políticas dos povos indígenas? Quais são? E estão onde? Onde estão as políticas de desenvolvimento da agricultura? As políticas de demarcação, que é o mais importante? E as políticas de saúde? Porque subsistema se limita aos cuidados dentro da aldeia. Fora isso, no SUS, o que existe em relação à população originária do país? Então, é preciso de caminhar”, acrescenta.

Além do mais, Sabaru retrata que mesmo a questão da representatividade no país vem com anos de atraso. “Uma indígena no Ministério é muito interessante, sim. E existe nos países vizinhos há mais de dez anos. Indígena cuidando dos seus, já tem também. Inclusive prefeitos em municípios. Universidade indígena existe há 25 anos aqui do lado. Na verdade, o Brasil é atrasado em relação aos países que nos dizem que são atrasados. Então, é preciso sim politicas específicas para os povos indígenas”.

Pensar em políticas específicas não significa, explica Sabaru, importar os mesmos tipos de ações que já acontecem de forma dispersa pelo país. “Quando se depende do Bolsa Família e de cesta básica é porque o negócio já está bem ruim. O que se precisa, na verdade, é de território demarcado, política de produção sustentável, onde a comunidade produza alimento”, complementa. “O Estado precisa fazer discussão sobre produção sustentável, proteção, demarcação, artesanato, cultura. Sobre nossas escolas, onde não há programa de merenda e temos crianças comendo comida enlatada, porque não conseguimos autorização para vender para PAA ou PNAI. Daí mesmo que a gente produza, como escoar?”.

Auto-Organização

Se há muito o que percorrer quando se trata na busca por políticas públicas, já se pode dizer que a celebração é plena no quesito auto-organização dos povos, para o articulador da APIB.

“Os povos indígenas estão de parabéns porque são o único povo do planeta Terra em que existe aliança entre aquele que está na divisa com a Guiana e o que está no Piauí. É a única nação que tem articulação entre litoral e quem está na Amazônia. Cercado, Pampa, Pantanal, Caatinga, no agreste, no sertão. Não importa de que povo, de que língua, de que território. E são nações diferentes”, enaltece. “A Europa mesmo, onde há países menores do que alguns estados brasileiros, há muitas guerras e não aliança entre povos. E nós aqui temos. Então, estamos de parabéns, por nos tratarmos como parentes, sabermos que somos uma grande família que fala línguas diferentes, com culturas diferentes, biomas diferentes, mas temos uma aliança”.

Para além da grande aliança que perdura durante os séculos e vem crescido cada vez mais, há ainda outras características mantidas: a combatividade e a resiliência. “Somos o único povo do Brasil que continuou se organizando e protestando. Mesmo no governo Lula, no governo Dilma. E no governo Bolsonaro, no 7 de setembro, estávamos lá. Neste também. Em todos os governos nós protestamos E este é o mal de todos os movimentos não fizeram isso. O próprio movimento do campo, movimento negro, muitos entenderam que o governo era deles, descuidaram e deu no que deu. Nasceu esse monstro do Bozo”.

É assim que se reafirma o lugar de luta. “O fato de estarmos na Funai, Sesai, Ministério e Distritos, isso não quer dizer que não continuaremos nesta base social fiscalizando. Somos controle social, e vamos lutar por nossos direitos independentemente de qual governo. Lógico que temos a sensibilidade de não jogar pedra à toa, ou protestar por protestar. Lógico que temos toda uma discussão. E o Estado Brasileiro precisa avançar na questão da demarcação. Em Alagoas, estamos, há mais de 25 anos sem terra demarcada. Tem comunidade que não pode fazer uma escola porque não tem um chão. Não pode fazer uma casa, não pode participar de programa porque não tem território, e nem pode vender para o PNAI, porque não tem o que produzir, como é o caso com povos no Alto Sertão. Tudo isso nas esferas federal, estadual e municipal”.

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