Sem abrir participação social, Prefeitura de Maceió contrata OSC para gerir Atenção Básica à Saúde

Questionamento de entidades se estende a Conselho Municipal de Saúde, que só abriu as portas para debate depois que a contratação já havia sido feita
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A contratação de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) para gestão compartilhada dos serviços de Atenção Básica à Saúde vem sendo criticada pela ausência de participação social no debate e pela própria natureza da medida de privatização adotada pela Prefeitura de Maceió. O Fórum Alagoano em Defesa do SUS apresentou uma série de questionamentos, durante reunião no Conselho Municipal de Saúde de Maceió – ocorrida nessa terça-feira (7) solicitando transparência e explicações sobre a medida, considerada antidemocrática.

A primeira crítica trata-se da exclusão de controle social no ato da contratação da OSC, inclusive com a ausência de debate no próprio Conselho Municipal de Saúde, instância criada para essa finalidade. De acordo com a representante do Fórum, docente da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Valéria Correia, desde o fim de abril de 2022, vem sendo solicitada a reunião do Conselho Municipal para discussão sobre privatização da Atenção Básica.

“Quando começaram as discussões no Conselho sobre as tratativas de entregar a gestão da Atenção Básica para uma organização de sociedade civil, ou OSC OS, OCIP pedimos o debate e não conseguimos desde lá. O Conselho só decidiu em junho enviar uma resposta ao documento que solicitamos perguntando como estava a situação”, explica.

Representando o Fórum Alagoano em Defesa do SUS, professora Valéria Correia apresenta críticas à falta de debate. Foto: Wanessa Oliveira

O problema é que, segundo relata o Fórum, a resposta já se tratava de uma decisão de apoiar a terceirização, que por sua vez já havia sido efetuada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), todas as ações feitas com as portas fechadas à participação pública.

“Eles responderam apenas em dezembro nos convidando para essa reunião. Seria online e fechada, solicitamos que fosse presencial e aberta. O Fórum é uma entidade formada por uma série de movimentos populares, trabalhadoras da saúde, sindicatos, universidade. É articulado nacionalmente com a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, e ainda assim não fomos ouvidos”, relata.

Segundo a representante do Fórum, eles deram duas justificativas sobre a adesão dessa contratação. “A primeira é de que o documento é legal. Eles chamam de gestão compartilhada, mas sabemos que se trata de privatização, de uma entrega da gestão para uma organização privada. A outra justificativa deles é de que acaba com a precarização dos vínculos trabalhistas, quando sabemos que só com concurso público é que isto acontece”, explica.

Medida antidemocrática

Durante a reunião, o Fórum em Defesa do SUS chegou a enviar dois ofícios e um documento mais extenso questionando a ausência de abertura de debate no Conselho e a própria decisão da Secretaria Municipal de Saúde em prosseguir com a privatização sem sequer ter ouvido de fato a sociedade a respeito.

“O que nos causa maior espanto é exatamente o Conselho, que reúne representantes de usuários de e trabalhadores, ter dado as costas à sociedade para o debate. Não digo todos do Conselho, mas essa parcela que encaminhou a aprovação. É no mínimo de estranhar essa adesão de forma autocrática, antidemocrática. O Conselho é criado no período de redemocratização do país, contra a ditadura. Não podem agir de forma autocrática também. Então, a gente vai confrontar, mesmo que tenham nos chamado tardiamente, não vamos perder a oportunidade de estar aqui.”.

O documento ainda aponta que, além de não ouvir as entidades da sociedade civil, o Conselho ignorou a sinalização contrária à privatização em diversos outros espaços de debate, incluindo por parte de outros Conselhos.

“Como explica tal posicionamento, na contramão do posicionamento do Conselho Estadual da Saúde de Alagoas (CES/AL) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que têm resoluções contrárias à tal transferência de gestão? Foi considerado o posicionamento contrário nas Conferências Nacionais de Saúde, da oitava à décima sexta Conferência? O Conselho Municipal ouviu o apelo, em vídeo, do presidente atual do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, dirigido aos conselheiros do CMS para não entregar a gestão à entidade privada? Este Conselho atendeu a deliberação contrária à adesão da SMS/Maceió ao modelo de gestão via OSC aprovada pelo Conselho Gestor da Unidade Básica de Saúde da Família José Maria de Vasconcelos Neto, em sua 96ª Reunião Extraordinária ocorrida em 01 de abril de 2022? Como explica que este debate esteja sendo feito somente após o contrato de gestão ter sido aprovado?”, questiona.

Impactos da privatização

Segundo Valéria Correia, a resposta enviada pelo Conselho em que atesta a legalidade da contratação fundamentada na a Lei n° 13.019, de 31 de julho de 2014, não foi o bastante para as entidades que compunham o Fórum, que levantam uma série de outros critérios a serem observados quando da decisão de apoiar a medida tomada pela SMS.

“A Mesa Diretora do Conselho não se preocupou em fazer um levantamento sobre os estados e municípios que já aderiram ao modelo privatizante de gestão e que estão revendo sua adesão diante de inúmeras denúncias de fraude”.

Apresentando uma série de casos em outras cidades em que a contratação da organização social foi alvo de denúncias – inclusive de precarização, com falta de repasse de salários – culminando na extinção desse tipo de contrato, o Fórum prosseguiu questionando sobre a própria empresa contratada, o Instituto de Gestão Aplicada (IGA), a partir de um histórico envolvendo falta de pagamento de aluguel do Hospital, a condenação de pagamento de dívidas trabalhistas.

O documento também solicita estudos que respaldaram a decisão de gestão compartilhada – ou terceirização da gestão – levantando uma série de dados e exemplos de como esse tipo de vínculo vem precarizado mais o trabalho e a própria atenção à saúde no SUS.

“Ademais, apesar das Organizações da Sociedade Civil se apresentarem como entidades privadas sem fins lucrativos, elas realizam a gerência dos serviços públicos de acordo com os interesses do mercado da saúde e do lucro, colocando em segundo plano as reais necessidades dos usuários destes serviços expressas na dificuldade e falta de acesso da população aos serviços, aos procedimentos e aos tratamentos necessários e em tempo hábil, submetendo pessoas, famílias e comunidades a sofrimentos, adoecimentos e mortes evitáveis, além da histórica baixa cobertura com Estratégia da Saúde da Família ou Unidades Básicas de Saúde, cuja lacuna intencionalmente vem sendo ocupada por ações, programas ou estratégias pontuais de suposto interesse político eleitoreiro.”

A Midia Caeté entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde, e com representantes do Conselho Municipal de Saúde, mas até o momento não obteve respostas. A reportagem também tentou o contato com o Instituto de Gestão Aplicada, também sem êxito. Esse espaço segue aberto para as respostas dos órgãos.

Além do documento em que faz todos os questionamentos ao Conselho Municipal de Saúde, o Fórum também encaminhou ofícios solicitando as atas de reunião do Conselho de julho a dezembro de 2022. De acordo com a Correia, o Conselho se comprometeu a entregar as respostas solicitadas no prazo legal.

Leia na íntegra os questionamentos apresentados pelo Fórum em Defesa do SUS durante reunião do Conselho:

Resposta 2 FórumSUS ao CMS 07 02 2023

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