A banalização do absurdo e a distorção da liberdade

Tornaram-se corriqueiros disparates vindos das mais variadas esferas do Governo Federal; o grande problema é quando tais absurdos distorcem os conceitos e atentam contra a Democracia
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A quebra do sigilo da reunião ministerial reiterou algo já sabido, mas que ganhou contornos de ainda mais nefastos e preocupantes. Mesmo que a tão esperada bala de prata, prometida por Sérgio Moro, não tenha vindo, o contexto do show de horrores do dia 22 de abril contribuiu para o enfraquecimento institucional do desgoverno que rege o país – a menos que não haja a mínima hombridade nas instituições competentes. 

Durante o encontro, pudemos observar a face mais cínica e cruel do desconhecimento teórico do presidente e de seus ministros. Um ponto que chamou a atenção foi a referência constante à liberdade e às “consequências da sua defesa”. Inúmeras vezes, o termo foi levantado de maneira equivocada e distorcida, fazendo uso de uma compreensão errônea para endossar um discurso armamentista e violento. 

Bolsonaro e seus adeptos têm o costume de desvirtuar conceitos, seja por falta de estudo ou por pura conveniência. Mais uma vez, foi o caso. Nesse contexto, é interessante retornarmos ao precursor do pensamento político liberal, uma das bandeiras defendidas por eles desde as eleições de 2018, para compreendermos o que se passou.  

John Locke tinha em mente uma definição muito específica sobre o que era a liberdade e a sua relação com o Estado. Ele acreditava que os seres humanos já nasciam com direito inalienável à liberdade individual e que era necessário um contrato social com o Estado e com as demais pessoas para que o convívio pacífico fosse perpetuado. Esse contrato seria um acordo entre os indivíduos, onde o Estado seria responsável, entre outras coisas, pela busca do bem-estar social e da paz, através da defesa da propriedade privada.

Aqui, já identificamos um grave problema no modus operandi bolsonarista: a incessante procura pelo caos e pelo conflito – exatamente o contrário do que o principal teórico do liberalismo político defendia. Podemos listar todas as vezes em que algum integrante do governo gerou uma indisposição, através de ações ou de falas ofensivas e desrespeitosas, sob o argumento infundado da “liberdade de expressão”. Definitivamente, essa não era a liberdade presente no pensamento de Locke. 

Precisamos também apontar as falas do ministro da Educação, Abraham Weintraub, e da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Ambos foram agressivos, nos seus argumentos, para prender os “vagabundos do STF” e os prefeitos e governadores. O pensamento de Locke determinava um ponto relevante sobre as relações de poder na sociedade: o Estado era o responsável por aplicar as leis estabelecidas em prol da harmonia, em outras palavras, ele tinha a liberdade de tomar medidas coletivas para o bem da maioria. Liberdade não é somente quando concordamos com os direcionamentos, ministros. 

Respeitar os trâmites democráticos, estabelecidos na constituição, é crucial para a sociedade e uma maneira de fortalecer a liberdade, evitando abusos e incongruências. Não é isso que pensa o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que argumentou maquiavelicamente que eles deveriam aproveitar a atenção dividida pela Covid-19 para “passar a boiada” e desburocratizar medidas, sem precisar do Congresso. Mais uma prova de que esses governantes não sabem o que é liberdade.

A manchete do Correio da Manhã exemplifica bem o momento atual

É alarmante ainda o absurdo fetiche do presidente em armar a população, que – segundo os seus devaneios – precisa estar armada para não permitir uma ditadura. Eis o ponto mais grave de todas as distorções mencionadas no texto: a utilização leviana do conceito de liberdade para promover a violência e o ódio. Ao sugerir essa atrocidade, Bolsonaro insufla os seus seguidores, cada vez mais violentos, insinuando que o cumprimento do regimento legal é uma tentativa autoritária de estabelecer um regime opressor. Preciso lembrar quem, desde sempre, deu sinais de afeição ao Autoritarismo?  

Para finalizar, permitam-me trazer, brevemente, outro renomado contratualista da nossa história. Thomas Hobbes, em O Leviatã, também falava que era dever do Estado garantir a paz. Ele, da mesma maneira que Locke, acreditava que existiam direitos pré-sociais à liberdade e à vida. O mesmo direito à vida que parece ser a coisa menos importante para Jair Bolsonaro e seus comparsas. 

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