Maurílio e o ‘birimbau 100% reciclado’: uma história sustentável

Emprego formal, viver perto do asfalto, nada disso interessava o educador ambiental
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Birimbau com i. É assim que Maurílio Rodrigues de Araújo, 62, faz questão de se apresentar e de defender o nome do instrumento que estudou a fundo, compôs, e até aprendeu a construir com material 100% reciclado. Desde então, Birimbau, o Maurílio, divide sua dedicação entre a educação ambiental para crianças, no Centro de Cultura Social do Rio de Janeiro, e as pesquisas sobre o instrumento de arco e corda.

A dedicação à sustentabilidade veio desde cedo. Emprego formal, viver perto do asfalto, nada disso interessava Maurílio, que focava em construir outras coisas. “Fui morar há 21 anos em um lugar que me deu consciência ecológica. Lá não havia essa cultura de capoeira, por ter sido um lugar colonizado por suíços. Era lugar de mata e natureza exuberante”, relata. Sana está situada em uma região serrana do Rio de Janeiro. Não tinha energia elétrica, nem telefone. Naquela área que margeava a cachoeira, Birimbau passou a comer do que plantava. “Fui morar para fugir do urbano. Estava de saco cheio do sistema consumista, da rotina centrada no capitalismo, e fui morar em um lugar que não precisasse pagar essas contas. Lá, eu consegui fazer isso, porque podeira armar a barraca em qualquer lugar perto da cachoeira. Hoje, já não pode, porque todos os lugares são pagos”, conta.

Berimbau reciclado é ensinado para crianças que frequentam o Centro de Cultura Social, no Rio de Janeiro.

Birimbau se declara um ‘miscigenado de Pernambuco’, que nasceu em São Paulo. “Meu avô era negro, minha avó era índia. Minha irmã e eu nascemos em São Paulo, mas vivemos mais em Pernambuco. Nasci em São Paulo na época do êxodo nordestino. Minha mãe foi uma das poucas pessoas que ficaram. Já meus tios voltaram para Pernambuco”.

Foi lá em Sana que Maurílio ganhou o apelido: de tanto ouvirem o artista tocando o instrumento. “Depois que me aprofundei na pesquisa histórica do birimbau, fiquei lisonjeado”. O artista não poupou nomes que marcaram sua trajetória com o Birimbau. Enalteceu Dinho Nascimento, “músico competente, baiano, mestre de capoeira, a pessoa que me trouxe a vontade de conhecer o birimbau”. Maurílio viu Dinho tocando Blues no programa do Jô Soares. Memorizou a casa e as referências e, no dia seguinte, correu para a Biblioteca Nacional, no Rio. Estudou o instrumento durante dois anos e, na primeira oportunidade de ir a São Paulo, levou as pesquisas para o artista.

“Lá em São Paulo, tem um grande centro cultural com biblioteca, no bairro da Liberdade. Consegui algumas coisas por lá. Aqui no Rio de Janeiro, tem o Museu do Folclore, que considero o maior acervo sobre cultura negra no estado. A maioria das informações sobre birimbau consegui aqui”. Birimbau conta que é na oralidade que conseguiu encontrar mais história. Deseja ir a Maceió, onde pretende encontrar os pretos velhos que lhe contem mais do arco e corda. “É onde pretendo ir para pesquisar esse birimbau de boca. Nos textos que li, só citam Alagoas como o lugar que ainda remanesce sua história. Tenho que ir para esse lugar”, reforça.

Até lá, e meio que longe da internet, Maurílio constrói um acervo sobre o instrumento e garante que tem um olhar diferenciado em relação à história. “Quero botar minha visão de acordo com o que acho mais coerente. Por exemplo, o nome dele nem os capoeiristas escrevem com ‘i’, é sempre com ‘e’.”, adianta. A Mídia Caeté perguntou a capoeiristas sobre o impasse, mas recebeu respostas de que a polêmica nem é grande.

E também tem outra coisa: a particularidade que fascinou Maurílio para o birimbau foi vê-lo sendo tocado em outros estilos musicais. “Dinho tocava Blues com o birimbau. Como sou fã de música negra, Blues, Soul e o Funk mais combativo, vi que tocar o Blues no birimbau tinha um alcance maior. Eu queria ser músico e me decepcionei com violão, então comecei a estudar”. Dois anos depois, fez o primeiro Birimbau. Estava em Recife e começou a tocar em um bar, sempre estudando o Blues. “Desse toque, entrei no Mangue Bit, com Chico Science impregnado na minha mente, e no Baião. Na música do Luiz Gonzaga, foi que me inspirei para fazer a música do Birimbau”. Confere a música aqui embaixo:

 

Através de Naná Vasconcelos, se aproximou do Quinteto Violado. Conheceu o baixista acústico Toinho Alves. “Naná conheceu e gostou dos meus estudos e das minhas pinturas de birimbau. Falou para eu procurar Toinho Alves, porque ele é também coordenador de uma ONG em Olinda”. A ideia de Maurílio era criar um festival de música, mas a dificuldade de se fixar em Pernambuco atrapalhou os planos. “Morava em Gaibu, na casa de um amigo e não tinha despesa, mas também passava perrengue. Aprendi a fazer carne do bagaço do caju para ter o que comer, porque tinha cajueiro enorme lá. Aprendi a comer tudo de caju”.

De volta ao Rio, começou a estudar a possibilidade de construir birimbau reciclado. Cano, garrafa pet, cordão: e o som saiu. Birimbau, que compartilhava o que tinha e o que aprendia, passou a ensinar educação ambiental para a criançada – primeiro no Sana, e depois no Centro de Cultura Social, o CCS em Vila Isabel, onde desenvolve trabalhos de educação ambiental até hoje. “Fui em uma escola fazer oficina e, ao chegar lá, tinha uma figura fazendo poltrona com garrafa pet. Como as crianças traziam garrafas pets além do necessário, pensei que precisava fazer alguma coisa para reaproveitar também as garrafas que sobravam do birimbau”, conta.

Birimbau a essa altura já tinha desistido de tocar à noite e de ensinar aos adultos a reciclagem. “Eles queriam que eu também ensinasse como vender. É possível vender, mas essa não era minha ideia”, explica. Decidiu trabalhar só com crianças. “O problema é que sempre tive pavio curto, vivia discordando de tudo. Então, usei a frase: sempre fui assim, mas não preciso ser”, diz. “No Sana, aprendi o lúdico, porque até então não tinha me visto como educador. Com a presença das crianças, consegui ser mais sereno, aprendi muito com eles”.

Poltrona, brinquedos, sofá, cadeiras. Birimbau já perdeu as contas dos trabalhos desenvolvidos. É possível vê-los, no entanto, em um blog que ele alimenta, o Birimbau Birimbau .A dedicação ainda é dividida, mas Birimbau garante viver por inteiro o que acredita. Com a rotina entre educação ambiental e estudo do Birimbau, até a camisa que vestia estampando Rafael Braga – antes mesmo de saber que daria uma entrevista – tem um sentido consciente em sua vida.

“Rafael Braga é um catador de latinha. Eu, através de amigos daqui, fiz parte da campanha que deu visibilidade à injustiça que sofreu o Rafael Braga, mas infelizmente ele continua preso. Nada foi amenizado”, conta. “Tenho uma visão muito crítica de sua prisão e de como movimentos sociais atuaram. Não aconteceu nada com quem quebrou os vidros nos protestos de 2013. Os bancos se beneficiaram com os seguros. Só o Rafael Braga que continuou preso sem provas; e nem participava dos protestos. Tenho todas as características dele. Sou negro, pobre, sem teto. Quer dizer, tenho teto porque estou aqui, mas continuo me identificando muito com sua luta”.

Rafael Braga continua preso. Maurílio continua vivenciando a sua resistência diária, o autodidatismo, e a energia criativa de resignificar o que para tantos seria ‘lixo’. Ensina redução, reuso e reciclagem para crianças que frequentam o CCS. Pratica a sensibilização da política cotidiana. Brinca, orgulhoso, com tudo o que construiu. O birimbau, claro, continua no ritmo: pretende transformar suas pesquisas em livro muito em breve.

 

O trabalho ambiental do Maurílio (Fotos: Blog Birimbau, Birimbau)

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