As dificuldades do ensino à distância na Ufal

Ufal cogita substituir aulas presenciais por remotas no período de pandemia. Entrave é a quantidade de alunos que não seriam contemplados.
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A adaptação de vários serviços e setores ao home office tem ocorrido de forma mais célere devido às medidas de isolamento adotadas durante a pandemia. Tem sido um momento de aprendizado para muitos entenderem como suas atividades podem funcionar – e se podem – nesse período.

A educação é uma área que tem avaliado suas vertentes de forma constante, visto que envolve necessariamente certa aglomeração. O ensino infantil não é considerado viável até então. No fundamental e médio, escolas particulares oferecem atividades online para justificarem a mensalidade integral. Na rede pública, as dificuldades de conseguir estudar em casa são ainda mais acentuadas, se estendendo ao ensino superior.

Jaime Soares dos Santos, estudante da Ufal – Unidade Penedo (foto: arquivo pessoal)

Jaime Soares dos Santos, estudante do último ano de Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), na unidade Penedo, considera que a universidade tem se mantido atuante perante funcionários, estudantes e sociedade. Mas ainda acredita que o momento é de se reinventar, pois o contexto influencia nos estudos e nas relações.

“A forma de se relacionar com amigos, colegas e professores não é mais a mesma. São tempos difíceis, que necessitam de organização e disciplina para se manter uma rotina de estudos. A vida acadêmica é dinâmica e de constante convívio social. Para superar tudo isso, venho buscando outros meios de comunicação para minimizar os impactos causados pelo isolamento social. Esses impactos afetam diretamente a minha saúde mental e o meu rendimento acadêmico”, relatou.

O Ministério da Educação (Mec), no dia 16 de junho, autorizou, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em cursos regularmente autorizados, por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais. A medida será válida até o dia 31 de dezembro de 2020.

Ainda de acordo com a portaria, no Art. 1º, em seu segundo parágrafo, seria de responsabilidade das instituições a definição de quais matérias presenciais seriam substituídas pela modalidade online, bem como a disponibilização de recursos aos alunos que permitam o acompanhamento das atividades ofertadas e eventuais avaliações. Em seu artigo 2º, a portaria autoriza a suspensão das aulas pelo mesmo período, com reposição integral a ser realizada posteriormente.

As faculdades particulares do estado já aderiram ao ensino à distância (EAD) e a Ufal passa a considerar uma modalidade de aulas online. O Plano de Atividades Especiais (PAE) propõe aulas remotas de disciplinas obrigatórias e eletivas, minicursos, seminários e orientações em ambiente virtual. Cada aluno poderia se matricular em até duas disciplinas.

O coordenador institucional de educação a distância da Ufal (Cied/Ufal), professor dr. José Geraldo da Cruz Gomes Ribeiro, explicou que a Universidade Federal pretende se utilizar das atividades remotas já praticadas na instituição para substituir as aulas presenciais nesse período.

“A Ufal já se utiliza de atividades mediadas por tecnologia em seus cursos há algum tempo, em diversas disciplinas, em todos os cursos presenciais, em complementação às suas atividades presenciais, e pretende lançar mão delas em substituição às atividades presenciais durante o período da pandemia”, disse o coordenador.

José Geraldo ainda elencou iniciativas que estão em curso para poder viabilizar a modalidade de ensino. “Capacitação massiva dos docentes para uso de tecnologias digitais na educação; criação de um GT [grupo de trabalho] composto por representantes das coordenações dos cursos que estão estudando a maneira como estas atividades acontecerão, devendo construir uma proposta de resolução para tal e um levantamento das condições de conectividade e de equipamentos dos estudantes (em curso) e busca de recursos para suprir os que estão sem condições”.

A visão dos professores

A professora dra. Tânia Maria Gomes Voronkoff Carnaúba, que leciona no curso de Engenharia de Produção do campus de Arapiraca – Unidade Penedo – e na pós-graduação de Especialização em Gestão em Meio Ambiente, relata que algumas atividades já acontecem em ambiente virtual: orientar TCCs, Projetos de Pesquisa e ministrar cursos, que funcionam como parte flexível, tem sido parte da nova rotina online.

“Os professores nunca foram tão exigidos quanto nessa modalidade de ensino virtual. A situação é nova para os dois lados. As ferramentas estão sendo testadas e, como em qualquer formato de ensino-aprendizagem, se faz necessário respeitar a velocidade individual de engajamento”, disse ao refletir sobre o formato remoto.

Prof. Dr. Jailton de Souza Lira, presidente da ADUFAL (foto: arquivo pessoal)

A Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas (Adufal), por meio do seu presidente, o professor dr. Jailton de Souza Lira, se mostrou contrária a possibilidade da substituição das matérias obrigatórias da graduação por aulas virtuais. Dentre as razões apresentadas, ele citou a própria oferta dos cursos como presenciais, a ausência de uma estrutura de suporte tecnológico satisfatória, a devida formação dos profissionais para manejo de ferramentas e técnicas pedagógicas necessárias e, por fim, as condições de acesso dos alunos.

“A diretoria do sindicato é majoritariamente contrária à essa possibilidade por várias razões. Dentre elas, podemos mencionar […] a inexistência de um levantamento preciso das condições de acesso dos estudantes à essas tecnologias – e nesse ponto, como pré-condição para qualquer iniciativa desse tipo, o provimento dessas necessidades de inclusão digital desses estudantes”, explicou.

Jailton justifica que simplesmente substituir as aulas presenciais pela modalidade EAD ou mesmo concordar com isso “significaria aprofundar o processo de precarização da educação vigente no país”. Para ele, o retorno às aulas deve acontecer de forma democrática; gradual; apoiadas na redução da curva de contágio da Covid-19 e das autoridades sanitárias; com as atividades virtuais servindo de suporte.

Perfil socioeconômico dos estudantes

No mês de maio, a Universidade Federal de Alagoas lançou (em live) seu primeiro e-book, o Perfil Socioeconômico e c=Cultural dos (as) Estudantes da Ufal. O material é fruto de pesquisa realizada com todas as Instituições Federais de Ensino Superior e dos Centros Federais de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) e do Rio de Janeiro (Cefet-RJ). A Proest (Pró-reitoria Estudantil) junto à Edufal, a partir da pesquisa, fez a análise dos dados dos estudantes da Ufal, tendo como parâmetro os discentes das outras instituições do Brasil.

O perfil seria um norteador para a gestão de políticas educacionais, “especialmente aquelas voltadas à assistência estudantil”, de acordo com o próprio material. A pesquisa serviria para avaliar justamente medidas como, dentre tantas, a implantação de aulas remotas.

Um dos entraves para boa parte dos discentes acompanharem aulas remotas é a renda familiar. É a variável de maior influência na trajetória acadêmica dos estudantes, segundo o próprio relatório socioeconômico da Ufal. Famílias cuja renda per capita é de até um salário mínimo e meio (R$ 1.567,50) são consideradas pobres. A média nacional é de 70,2% de estudantes de universidades e institutos públicos se enquadrem nessa estatística. Na Ufal, esse percentual aumenta para 80,2% e, nos campi Arapiraca e Sertão, o índice atinge alarmantes 94 e 95% respectivamente.

Se a cada cinco estudantes, quatro são pobres, apenas um desses são assistidos pela universidade com algum auxílio, bolsa, gratuidade etc. Apesar de parecer um número pequeno, a oferta de incentivos de todos os tipos para discentes de baixa renda pela universidade está em crescente constante, há pelo menos 20 anos, mas o abismo social está longe de ser superado.

Para o presidente da Adufal, esse é um desafio que só será vencido com a adoção de procedimentos e políticas públicas de inclusão digital desses estudantes. Ele também considera que, se houver debate sobre proposta de ampliação da carga horária de atividades à distância, dever-se-á encontrar dificuldades em prosperar.

José Geraldo disse ainda que essa questão “está sendo considerada” e que a universidade busca condições para “garantir o máximo de inclusão possível”.

Acesso à internet

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em pesquisa divulgada em abril deste ano, 67,1% dos domicílios de Alagoas têm acesso à internet. Número abaixo do índice nacional (79,1%) e o quarto pior percentual do país. Para a profa. Tânia Voronkoff, a estrutura da universidade faz falta devido a muitos aspectos, inclusive pelo acesso à conexão de internet.

Profa. Dra. Tânia Maria Gomes Voronkoff Carnaúba (foto: arquivo pessoal)

“Alguns alunos não dispõem de internet livremente. Muitas vezes só por algumas horas no dia. Em nossas casas, às vezes com barulho de trânsito, vizinhança, animais domésticos ou o simples movimento de outras pessoas temos a concentração interrompida”, explica.

Jaime Soares, que também é bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) e com o TCC em fase de produção, tem participado de atividades online como orientações, cursos e palestras e também sentiu algumas das dificuldades das atividades remotas.

“As atividades online, apesar de serem uma forma alternativa de estudos, apresentam grandes dificuldades. Essas atividades exigem que – nós estudantes – tenhamos uma boa internet; um computador, notebook ou smartphone; um local adequado para estudos, dentro de nossas residências, e também da compreensão de nossos familiares a respeito da nossa rotina de estudos. Particularmente, sofro bastante com essas dificuldades, pois não tenho internet de qualidade e, muitas vezes, meus familiares não entendem a minha necessidade em manter um cronograma de estudos, mesmo não tendo aulas presenciais”, explica Jaime.

Sobre telefonia móvel, segundo a base de dados Teleco, que utiliza dados da Anatel, existem 1.396.487 aparelhos, quase 400 mil a mais que o número de habitantes estimados. O relatório socioeconômico da Ufal revela que o 83% dos estudantes se informa através de plataformas online.

Ora, embora esses números nos levem ao entendimento que praticamente todos os estudantes devem ter um celular, o aparelho não seria o meio ideal para se assistir aulas. Além disso, ainda de acordo com a Teleco, 50% dos aparelhos celulares do Brasil não possuem um pacote de dados minimamente razoável para a demanda por utilizarem planos pré-pagos.

“Existem alunos da Ufal que não têm acesso à internet com facilidade, porque têm uma condição financeira mais complexa. Então, eles só têm a internet do celular e, algumas vezes, o aparelho não é deles, mas do pai ou da mãe. É uma minoria em Maceió, mas acontece de modo mais intenso no interior”, alegou Voronkoff.

“Para ofertar uma coisa dessa natureza, é necessário ter certeza absoluta que todos os alunos vão ter acesso. A gente não pode fazer um ensino à distância sem estar preparado”, conclui.

Jailton segue o relatório das plenárias da Adufal e propõe uma transição construída de maneira ampla e democrática com a comunidade acadêmica, que garanta a inclusão do segmento estudantil, bem como condições dignas de trabalho para os professores. Além disso, também a definição de um calendário que respeite as diferentes realidades dos campi em relação a crise sanitária.

“Uma retomada das aulas feitas de maneira democrática, gradual, discutindo com a comunidade acadêmica, em que as atividades virtuais funcionem como complemento, como suporte às atividades presenciais (que por sua vez só deverão ocorrer a partir das orientações das autoridades sanitárias e da substantiva redução da curva de contágio da Covid-19), onde caberá ao Conselho universitário a definição dos parâmetros mínimos de retorno, se torna um encaminhamento possível”, explicou.

 

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