Batalha do Bosque: rap e cultura periférica em Arapiraca

O corre é pela comunidade e pelo diálogo, com um olho no lazer e outro no debate de temas importantes à população local
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Cerca de trinta jovens reunidos sábado a noite em uma praça situada na cidade de Arapiraca, mas poderia ser em qualquer periferia brasileira. O tamanho da plateia muda a depender do sábado. Muitas vezes reúne mais de 200 jovens. Um garoto na mesa de som, uma mulher na apresentação. No beat a batida de ‘negro drama’, um dos maiores sucessos dos Racionais Mc’s. Enquanto a apresentadora chama a plateia, também provoca os competidores. “Eu vou chamar dois mc’s para sair no bang bang. O que vocês querem ver?”, pergunta, e na sequência a plateia responde em alto e bom som: “sangue”. É real, estamos em uma batalha.

Diferentemente da primeira geração de mc’s e dj’s que surgiram dos bailes no fim dos anos 80, foi nas batalhas que se forjaram os grandes nomes de uma geração de ouvintes e rimadores. Emicida, Criolo e Projota, goste deles ou não, são fruto dessa onda. A violência dos termos normalmente se reproduz nas rimas das batalhas de sangue, uma das modalidades das disputas. Nelas, os competidores rimam livremente e os xingamentos ao adversário se avolumam. Uma outra modalidade de batalha já até foi criada para conscientizar os competidores. As batalhas do conhecimento normalmente selecionam temas e os rimadores precisam rimar sobre aquele assunto.   “Geralmente é sangue, mas tentamos às vezes fazer edição de conhecimento”, explica Dinho, um dos organizadores da Batalha do Bosque, lugar de resistência da cultura periférica em Arapiraca.

O espaço em Arapiraca ainda é dominado pelas vozes masculinas. Nenhuma mina ainda se atreve a puxar as rimas. Distoa do que já vem acontecendo em diversos lugares pelo país, como Maceió, onde a representatividade é parte importante desse novo momento da cultura Hip Hop.

O projeto começou em agosto de 2018 com o nome ‘Hip Hop Na Praça’. Deu tão certo que, em outubro do mesmo ano, a Batalha do Bosque começou. Dinho explica que o corre é pela comunidade e pelo diálogo, com um olho no lazer e outro no debate de temas importantes à população periférica, como drogas, criminalidade e violência. O curioso é que, apesar de ter esses temas como ponto de debate das rimas, a organização da batalha não permite o consumo de nenhum tipo de droga no local, lícita ou ilícita. E tudo é observado pelas luzes da PM, claro.

É a Polícia o único olhar do poder público para esse espaço. Nem prefeitura, nem governo do estado oferecem nada, ao contrário, armam suas burocracias para dificultar a realização. São formulários em Secretaria de Cultura, parecer do Corpo de Bombeiros, SMTT, Polícia Militar,  Secretaria de Serviços Públicos, Secretaria de Turismo, Secretaria de Comunicação, Secretaria de Saúde, Secretaria da Fazenda, Secretaria de Meio Ambiente.  “Infelizmente a prefeitura nunca apoiou. Inclusive para poder ser realizada as batalhas, eu pago uma taxa mensal que a prefeitura cobra. Tínhamos um ponto de energia pra ligarmos o som, que infelizmente a prefeitura retirou”, reclama Dinho. Não que isso desanime a família que tira seu sábado para o Rap. A mulher que apresenta as batalhas uma amiga, Mayrane Monteiro. A criança nas caixas de som é seu filho, enquanto sua companheira tira as fotografias.

A família toca as batalhas na raça. Não sem contradição. Um dos apoiadores da manutenção das batalhas é o deputado estadual Ricardo Nezinho, um dos políticos mais influentes da região e que ficou conhecido nacionalmente depois de ser o autor do projeto de Lei ‘Escola sem partido’ no Estado.

A noite termina com Luka e Aukannai fazendo a final da batalha. Sem ofensas e exaltando a importância da batalha,  seguem com reflexão sobre temas importantes que vieram pelo rap. Antes da plateia decidir o vencedor, o coro da plateia de “os moleque da batalha tá chegando sem neurose; batalha do bosque, batalha do bosque” deixa claro que há um sentimento de pertencimento e de resistência naquele lugar.

Já aos 45 do segundo tempo, Aukunnai manda o verso mais marcante da noite: “Isso aí, mano, eu tenho de concordar com minha rima em brasa; eu tô de preto e de luto porque o ano inteiro morre ‘neguin’ na minha quebrada”.

Consultada sobre o apoio ao evento, a Secretaria de Cultura de Arapiraca enviou a seguinte nota por meio de sua assessoria de imprensa:

“A Prefeitura Municipal de Arapiraca, através da Secretaria de Cultura, Lazer e Juventude, informa que vários incentivos foram realizados para o evento ‘Batalha no Bosque’, assim como a celeridade no processo de liberação do espaço público e as constantes coberturas jornalísticas do evento.

O Município também tem ajudado na intermediação, junto a Equatorial, da disponibilização de um ponto de energia. A concessionária responsável pela distribuição de energia em Alagoas solicita que seja enviado um ofício discriminando todos os eventos previamente, sejam eles semanais, mensais ou anuais.

Foi orientado a um dos organizadores do Batalha no Bosque que solicitasse na Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente e para a Equatorial um ponto de energia, assim como é disponibilizado aos ambulantes, de forma regular e correta”.

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