Campeã brasileira, skatista alagoana Karolzinha sonha em disputar Paris 2024

Karolzinha, como é conhecida, treina atualmente no pátio da escola em que estuda devido à inexistência de pista apropriada em Maceió
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Corria o ano de 2018 quando a skatista maceioense Karolzinha, então com 13 anos, encarava um impasse: sem ter uma pista de skate no seu bairro ou até mesmo nos arredores, buscou convencer os líderes da igreja que frequentava da importância de ceder o espaço do estacionamento para a colocação dos obstáculos que ela e seus amigos precisavam para realizar as manobras. Conseguiu, não por muito tempo, é verdade, mas o suficiente para não estagnar a evolução.

Esse episódio revela um claro contraste com o contexto da recente conquista da medalha de prata nas Olimpíadas de Tóquio pela maranhense Rayssa Leal, a “Fadinha do Skate”. Aos 13 anos, ela conquistou o Brasil e se tornou a medalhista mais jovem do país em todas as edições dos Jogos Olímpicos. Com todo o apoio de patrocinadores e estrutura para o desenvolvimento, confirmou as expectativas e colocou merecidamente seu nome na história do esporte.

A participação das três representantes brasileiras em Tóquio na modalidade “street” foi acompanhada por Karol pela televisão e também pelas redes sociais de Rayssa Leal, Letícia Bufoni e Pamela Rosa. Agora aos 16 anos recém-completados, a alagoana divide a rotina entre as aulas online durante as manhãs e os treinamentos no período da tarde no pátio da Escola Estadual Anaias de Lima, localizada no bairro do Vergel. Sempre que pode, reserva um tempo também para lembrar dos objetivos traçados.

“Agora que zerou o ranking olímpico, vou tentar ano que vem buscar a vaga para participar do STU. De lá, participar do Campeonato Mundial, que vai abrir grandes portas para somar pontos e chegar nas Olimpíadas de 2024 na França”, projeta a skatista.

A busca por um local adequado para treinar e se desenvolver é constante de 2018 para cá. Pouco tempo após atrair visibilidade no estacionamento da igreja em que frequentava, recebeu a notícia de que não poderia mais seguir utilizando o espaço. Foi então que a matrícula na Escola Anaias de Lima possibilitou a montagem dos obstáculos na quadra inutilizada da escola. Era estudar e depois praticar, sem precisar de grandes deslocamentos. Até que a pandemia da Covid-19 forçou o fechamento dos estabelecimentos de ensino, liberando um local mais apropriado: o pátio da escola.

Na parte baixa da cidade, Maceió conta, no papel, com dois espaços para o público do skate: a “Praça do Skate”, localizada na Ponta Verde, tem a estrutura mais apropriada à modalidade “transição”. A única adequada ao “street” é a da Pajuçara que, para Bob, pai de Karol, também não está em boas condições de uso.

“A gente andava na rua e ia para lá porque a pista de skate já estava ficando danificada e não dava para andar direito. Chegou um tempo que a pista ficou danificada, não teve reforma e a gente precisou andar pelas praças mesmo. A gente começou na Praça da Santa Tereza, que foi o primeiro pico aqui na zona sul”, revela Bob.

A primeira participação do skate nas Olimpíadas reacende, agora, uma discussão local sobre a importância de uma estrutura adequada para a prática do skate em Maceió, seja para fins recreativos, seja para auxiliar no surgimento e desenvolvimento de atletas. A visibilidade alcançada nos Jogos Olímpicos, aliada a uma quebra de estigma que historicamente recaiu sobre o esporte, podem apresentar um novo panorama.

Poxa, fiquei muito triste quando visitei Maceió e não vi uma pista ou um espaço adequado para andar ou treinar com obstáculos de nível, sendo que temos atletas de nível olímpico como a Karol que treina com obstáculos adaptados graças a seu pai Bob”, conta Fábio Castilho, consultor técnico da Seleção Brasileira Júnior de Skate e responsável pelo acompanhamento da alagoana há quase um ano.

Forjada no improviso, como o próprio “street”, aliás, Karol tem motivos para sonhar. Ela foi campeã brasileira de Skate Street Feminino 2, competição disputada em São Paulo nos dias 30 de novembro e 01 de dezembro de 2019. A boa atuação mobilizou olhares e lhe proporcionou um convite da Confederação Brasileira de Skate (CBSk) para integrar a recém-criada Seleção Brasileira Sub-15, da qual ela faz parte há um ano. A categoria passou por uma reformulação e agora se chama “Júnior”, abarcando atletas com mais idade.

A participação de Karol nos campeonatos começou, contudo, lá atrás, mais precisamente em 2016 no Campeonato Brasileiro realizado em São Bernardo do Campo, São Paulo. Tinha 11 anos e terminou na 11º colocação entre 36 meninas inscritas. Não voltaria a disputar a competição no ano seguinte devido à falta de verba. Foi quando Bob tomou uma decisão: pegar parte do dinheiro que seria utilizado para o campeonato e investir na construção de obstáculos para o aprimoramento de Karol. Ele encarou manuais em vídeos na internet e montou toda a estrutura sozinho.

Passo a passo, a skatista foi desenvolvendo seu skate e ficou com o 2º lugar no Nordestino de Skate em 2018, que valia duas vagas para o Brasileiro, a ser disputado logo na outra semana. Novamente, o lado financeiro pesou na classificação de última hora. Não parou por aí.

“Em 2019, a gente conseguiu uma vaga para o Circuito Brasileiro Profissional Open, que aconteceu na Bahia. Como era mais próximo, deu para comprar uma passagem barata de ônibus. Conseguimos um alojamento dentro de uma igreja e ela correu o campeonato com as profissionais: Rayssa Leal, Letícia Bufoni, Pâmela Rosa. Ficou em 13º lugar. Em novembro, recebemos o convite do circuito mundial e acabamos não indo. A inscrição era R$ 800,00 e a passagem aérea, como foi uma semana antes, já estava em R$ 3.000. A gente optou em não ir para o mundial e priorizou o amador”, comentou Bob.

A pandemia da Covid-19 forçou a parada do calendário de competições desde o início de 2020. Enquanto nutre a expectativa pelo retorno dos campeonatos, Karolzinha certamente relembra os momentos marcantes do Campeonato Brasileiro Amador conquistado em 2019.

O começo no skate

A trajetória de Karolzinha teve início aos sete anos. Acostumada a acompanhar seu irmão e o pai manobrando, um skatista de longa data, a menina tomou gosto e suplicou por um skate, precisando engolir repetidas negativas até que Bob cedesse ao inevitável.

“Terminei comprando um skate bem baratinho de supermercado, só para ela brincar, porque eu sabia que era só uma brincadeira”, conta Bob. “Nunca ia imaginar que ela ia pegar o skate e usar como coisa séria”.

Com 15 dias de uso, o frágil skate de plástico quebrou. Teve choro e mais pedidos.

“Eu disse: ‘Quer andar de skate? Então você vai andar como eu ando. A gente vai para o street, vai para a rua andar de skate e não tem hora para voltar para casa’. Comprei um skate melhor e a gente começou a andar de skate pela rua. A gente saía do Vergel até a Ponta Verde para andar de skate. Isso todos os dias”, relembrou.

Quem passava pelo bairro do Vergel àquela época começava a ver uma garotinha como intrusa entre os meninos. Uma das bandeiras levantadas pelas brasileiras em Tóquio foi, justamente, a da equidade no skate. Somente há pouco tempo a prática do esporte por mulheres passou a ser vista como comum.

“No lugar onde eu andava de skate todo mundo sempre me acolheu, desde pequenininha. Nunca tive esse problema, mas tem várias histórias de meninas que chegam na pista e os meninos não respeitam. Depois que a Rayssa trouxe a prata para o Brasil e com as meninas andando de skate nas Olimpíadas com certeza abriu um grande espaço e, agora, o skate feminino está sendo respeitado”, comentou Karol.

A primeira inspiração nacional de Karolzinha foi Letícia Bufoni, brasileira multicampeã no street e precursora da modalidade entre as mulheres. Passava – e ainda o faz – muito tempo assistindo às manobras da paulista. Em Maceió, as maiores referências eram o pai e o irmão.

Os treinos diários e os relatórios semanais para a CBSk

Recentemente, Karolzinha passou um tempo em São Paulo andando por várias pistas. Todos os fins de semana, recebia o auxílio do consultor técnico Fábio Castilho. Ele a levava para conhecer diversos pontos possíveis para a prática das manobras. De volta a Maceió, os trabalhos em conjunto seguem sendo desenvolvidos à distância através de conversas, chamadas de vídeos e posts.

“Peço sempre que busque evolução se divertindo, porém com foco de atleta, e ela faz a lição direitinho. Relatamos tudo sobre a atleta em questão de parte física e sobre os treinamentos da semana e mês”, revela Castilho. “O que mais me chama atenção na Karol é sua coragem, sua força de vontade e sinto que ela está focada em seus objetivos no skateboard”.

A distância do grande centro do skate brasileiro torna o papel de Karol ainda mais representativo para Alagoas e também para a Região Nordeste. Em um mapeamento apontando as novas “Fadinhas”, como ficou conhecida Rayssa Leal, somente Karolzinha é da Região Nordeste.

“É muito importante. A Rayssa é do Nordeste também. Ela está levando o nome do Brasil e do Nordeste também. Fico muito feliz de ser uma grande representante do Nordeste para o Brasil”.

O próximo desafio, agora, parece mesmo ser reverter a visibilidade alcançada pelas Olimpíadas em apoio e suporte dentro da própria cidade.

“A expectativa é de melhorar, mas até as Olimpíadas a gente não tinha apoio nenhum, suporte nenhum. A Federação Alagoana de Skate estava desativada, com documentação irregular, ativaram agora depois das Olimpíadas e pode ser que agora possa dar uma caminhada melhor”, expôs Bob. “A gente já foi na Secretaria de Esportes pedir um apoio, mas disseram que não podiam fazer nada porque tinha um trâmite com a Federação, não pode ser pessoa física. Eu acho que é errado dessa forma porque a gente tem uma atleta com potencial enorme e só podem ajudar através da Federação”.

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