Caso de Jonas Seixas acende impasse sobre desaparecimento forçado

Embora processo judicial venha avançando, familiares seguem sem informações sobre paradeiro de Jonas.
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Claudineide Seixas prossegue em busca do filho, Jonas Seixas, um ano após ser levado por militares em viatura. Foto: Wanessa Oliveira/Arquivo

A pergunta se repete em voz alta na casa de Jonas Seixas: na voz de sua esposa, Angélica; da mãe, Claudineide; de seus filhos e familiares. A pergunta não se contém e parte pelas ruas do Jacintinho, percorre a vizinhança inteira de Jonas. Caminha pela pista e acompanha as viaturas passarem – logo elas. A pergunta segue pelo bairro, e observa policiais abordarem jovens negros nas praças.

A pergunta “Onde está Jonas?” é tanto composta por urgências como por memórias. Há um ano, Jonas segue desaparecido, após ter sido colocado por policiais militares dentro de uma viatura quando voltava para casa. Eram 16 horas em uma via pública. A cena foi presenciada por familiares, vizinhos e quem estivesse presente. Ao perguntarem para onde Jonas iria, os militares responderam que seguiriam para a Central de Flagrantes. A questão é que ele nunca chegou lá.

O processo judicial vem prosseguindo desde então. Familiares vêm acompanhando, depondo, ouvindo. A resposta sobre o paradeiro de Jonas, entretanto, ainda não existe. Cinco policiais militares acusados de envolvimento no desaparecimento do servente de pedreiro estão presos. Ao menos três habeas corpus chegaram a ser solicitados pela defesa, mas todos foram desencorajados pelo Ministério Público (MP) e negados pelo Poder Judiciário. É um alívio, diz Claudineide, mas o principal – onde está Jonas – ainda não se sabe.

“É difícil, porque não tem corpo. A gente não tem nada. Fico achando que ele vai chegar a qualquer momento. Fico escutando. Meu consciente diz e sei que ele não está aqui a /;essa altura do campeonato, até pelos áudios [que foi colocada para ouvir], mas para mim, para a esposa, para a filha, não está fácil. É complicado”, relata. “Tudo o que eu queria era que eles dissessem onde está meu filho”, comenta.

Jonas é mantido na condição de desaparecimento forçado. O termo foi caracterizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) durante Assembleia Geral em 2006, e hoje se insere no 16º Objetivo “Paz, Justiça e Instituições Eficazes”, acompanhando países signatários. Embora esteja entre estas nações, o Brasil vem sendo chamado atenção pelo organismo internacional diante da falta de tipificação e criminalização do crime. Há menos de um mês, a Convenção para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado publicou um relatório de oito páginas contendo duras críticas ao Brasil em razão de sua omissão e ausência de enfrentamento.

O documento critica os atrasos regulares de respostas, a falta de reconhecimento do Comitê para reconhecer e considerar as comunicações individuais e interestatais. Também aponta a falta de dados estatísticos sobre desaparecimento de pessoas, assim como os casos de desaparecimento forçado.

“Essas informações estatísticas devem especificar a data do desaparecimento; o número de tais pessoas que foram localizadas, vivas ou mortas; e o número de casos em que pode ter havido alguma forma de envolvimento do Estado na acepção do artigo 2 da Convenção. Nesse sentido, o Comitê recomenda que o Estado Parte acelere a implementação do Registro Nacional de Pessoas Desaparecidas, garantindo que ele contenha pelo menos todas as informações descritas na presente recomendação.”

Uma das recomendações em destaque no relatório trata-se da ausência de tipificação. A Convenção pede urgência na adoção e ainda manifesta o alerta em relação à declaração feita pelo Estado brasileiro de que a Lei da Anistia (6683/79) pode limitar as ações. Há ainda a atenção sobre a falta de concisão em relação a como estes casos são efetivamente combatidos. “O Comitê recomenda que o Estado Parte tome as medidas necessárias para assegurar que o desaparecimento forçado como crime contra a humanidade seja explicitamente criminalizado em sua legislação nacional.”

Tomando por base diversos casos, em que pessoas desaparecidas de forma forçada por agentes do Estado terminam sendo julgados pelos tribunais militares, o relatório do Comitê também recomenda urgência na exclusão do tribunal militar para essas ocasiões. Além do mais, evidencia a necessidade de que as forças de segurança, sejam civis ou militares, cujos membros sejam suspeitos de terem cometido desaparecimento forçado, não possam participar de nenhuma etapa da investigação.

Uma série de recomendações se seguiu ao longo das páginas, diante de inações das mais rudimentares: desde o registro oficial a cada privação de liberdade, com todas as informações necessárias constantes na Convenção, às investigações rápidas em casos de desaparecimento forçado. O documento ainda pede a garantia de uma assistência aos familiares das pessoas desaparecidas de forma forçada.

Não é o caso da família de Jonas. Sem conseguir trabalho, Angélica e os filhos estão hoje morando na casa de uma amiga. “As pessoas têm preconceito ou não querem empregar ou auxiliar por conta desse caso”, comenta.

Coordenador de Estudos, Pesquisa e Educação de Direitos Humanos do Cedeca Zumbi dos Palmares, Pedro Montenegro.

Para Pedro Montenegro, Coordenador de Estudos, Pesquisa e Educação de Direitos Humanos do Cedeca Zumbi dos Palmares, o desaparecimento forçado de pessoas é umas das mais cruéis e perversas formas de violação dos direitos humanos, pelo caráter continuo com que gera angústia e incertezas os familiares e amigos das vítimas.

“A morte de um ente querido pode ser suportada com o luto, com o direito de prantear o morto. Mas o que dizer da inominável dor e da excruciante incerteza de quando alguém que amamos simplesmente desaparece forçadamente?” questiona o Coordenador do Cedeca Zumbi dos Palmares.

Acompanhando todo o caso enquanto assistente de acusação, o advogado responsável pelo setor jurídico do CEDECA, Zumbi dos Palmares, Arthur Lira, expõe como essa angústia se perpetua diante da ausência de respostas sobre o paradeiro da vítima. “Completa um ano do desaparecimento de Jonas e até o momento não temos nenhuma notícia sobre seu paradeiro. Então a família, com essa angústia, está realizando um ato junto a entidades civis”, comenta.

Segundo Lira, houve duas audiências até o momento. “Vem sendo ouvidas as testemunhas de acusação, para em seguida passar para as testemunhas de defesa. Logo depois, virão os interrogatórios dos cinco réus. Ao final desse trâmite, eles serão pronunciados para o tribunal de júri popular, que é um procedimento que demora pouco”, explicou. Segundo o advogado, desde que o MP ofereceu a denúncia e os réus foram presos, a defesa chegou a solicitar três habeas corpus, todos negados. Ao término da última audiência, um novo requerimento foi enviado de liberdade provisória, alegando questões processuais, e agora segue aguardando manifestação do MP.

Pedro Montenegro rememora a gravidade no cenário de desaparecimento forçados. “Apenas em 2018, 82.094 desaparecimentos foram notificados no país. Se considerarmos a grande subnotificação, o cenário é ainda mais grave”, comenta. “Em Alagoas, os desaparecimentos de Davi da Silva e Jonas Seixas, negros e moradores da periferia, confirmam dramaticamente o caráter racista e classista dos desaparecimentos no Brasil, denunciados pelo Comitê da ONU. São mais uma vil expressão do racismo estrutural da sociedade brasileira e que em Alagoas ganha contornos ainda mais profundos, não esqueçamos que somos o Estado da federação onde o jovem negro tem 42 mais vezes de ser vitima da violência letal intencional”, relata Pedro Montenegro.

Durante o documento elaborado pelo órgão internacional, foram feitas diversas vezes alusões ao Projeto de Lei 6240/2013, que busca a tipificação do crime de Desaparecimento Forçado (confira o PL na íntegra aqui). Segundo o portal da Câmara Federal, o PL está aguardando a designação do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

O texto define o desaparecimento forçado como: “Apreender, deter, sequestrar, arrebatar, manter em cárcere privado ou de qualquer outro modo privar alguém de sua liberdade, na condição de agente do Estado, de suas instituições ou de grupo armado ou paramilitar, ocultando ou negando a privação de liberdade ou deixando de prestar informação sobre a condição, sorte ou paradeiro da pessoa a quem deva ser informado ou tenha o direito de sabê-lo”. A pena estipulada é de reclusão de seis a doze anos, e multa. Este ponto também é alvo de crítica pela organização internacional.

O Comitê está preocupado com o fato de o Estado Parte ainda não ter adotado um delito autônomo de desaparecimento forçado. Salienta que o Projeto de Lei n.º 6240/2013 ainda não foi aprovado e que, mesmo que preveja circunstâncias agravantes, as penas previstas para a infração de 6 a 10 anos são baixas, nomeadamente se forem aplicadas circunstâncias atenuantes”, consta no documento, que você pode ler na íntegra clicando aqui. 

Já em 2020, um novo Projeto de Lei de nº 5215/2020 foi protocolado já dispondo sobre prevenção e repressão ao desaparecimento forçado de pessoas. A definição segue desta forma: “Constitui crime de desaparecimento forçado a prisão, a detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subseqüente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteção da lei.” Neste momento, o documento está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).

A despeito das diversas frentes na busca de garantias – desde institucionalmente, através de leis que articulem melhor as investigações e monitoramento – às buscas mais diretas por Justiça, ainda não há resposta sobre onde está Jonas. E seja nas audiências, nas repartições – e principalmente nas ruas – a pergunta não descansa e segue se ampliando enquanto circula por entre cartazes, praças, faixas, megafones, e atos públicos. A mãe de Jonas, Claudineide, e muitas outras mães, filhas e filhos, pais, amigos e parentes de outras tantas vítimas, asseguram que se manterão até obter uma resposta. Neste nove de outubro, entidades e militantes de movimentos sociais estiveram presentes em um ato público no centro, junto a familiares de Jonas.

“Tudo o que está faltando é dizerem onde está o Jonas. O resto está acontecendo, mas isso é o principal. Porque a gente ia descansar o coração e colocar tudo no canto certo. A gente olharia para trás. Mas agora a gente dorme e acorda e não descansa”, conta.

Ato neste sábado, 9 de outubro, no Centro de Maceió. Foto: Ésio Melo/JAV

 

 

 

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