Apesar de sindicância, Jonas continua desaparecido

PMs foram identificados e afastados, mas avanço na investigação continua desconhecido - dois meses depois
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Era fim de tarde e não importa o quanto havia de testemunhas. Quando Jonas Seixas foi colocado dentro de uma viatura por três policiais militares facilmente reconhecíveis – e inclusive reconhecidos pela comunidade e por familiares– não havia mandado, não houve tempo para recolhimento de qualquer documento. Nesta última vez que foi visto pelos seus, no dia 9 de outubro, tinha sido atingido por spray de pimenta, pedia água, chamava a esposa e a mãe, enquanto gritava que os olhos ardiam dentro do carro da PM.

A Grota do Cigano, no bairro do Jacintinho, é uma das áreas periféricas de Maceió onde incide de forma comum a violência policial. Moradores relatam desde toque de recolher a agressões físicas. A certeza de impunidade está presente em algum lugar. Seja na farda, seja pelo lugar onde a abordagem foi feita. Seja na ferramenta da burocracia, porque a monstruosidade também se dispersa nos papéis enquanto o tempo passa.

Dois meses se passaram e o Governo do Estado continua sem dizer onde está o Jonas. De acordo com o advogado da família, Artur Lira, há dois processos tramitando. Um deles trata-se de uma sindicância interna da própria Polícia Militar, realizada com vistas a apurar as condutas. O máximo que o procedimento pode fazer é tirar a farda dos militares envolvidos no desaparecimento. O outro processo é o inquérito da Polícia Civil. É este que de fato culmina na esfera criminal e que também vai se debruçar sobre o caso com objetivo de obter a resposta, principalmente, sobre o paradeiro de Jonas Seixas.

A partir da sindicância interna, que foi efetuada pela Polícia Militar e coordenada pelo comandante do BOPE, Major Monte, as informações recebidas foram de que os três policiais que abordaram Jonas na Grota do Cigano foram afastados temporariamente, uma vez que o relatório apontou condutas que ensejam necessidade de abertura de um inquérito policial militar. “Houve reconhecimento dos três policiais que estavam na operação, e seus depoimentos foram de que deixaram Jonas em um viaduto de Jacarecica. Mesmo se essa narrativa fosse verdadeira, o procedimento também é ilegal, porque o correto é que fosse encaminhado para a Central. Não havia mandado. Foi todo errado. Então o procedimento será investigar essa narrativa. E a outra hipótese, que é de sequestro”, explicou o advogado.

Já o inquérito civil, provocado após recomendação do Ministério Público à Delegacia Geral da Polícia Civil, vem sob responsabilidade de uma comissão presidida pelo delegado Eduardo Nero Campos, e composta também pela delegada Rosimeire Vieira e pelo delegado Bruno Emilio Macedo. Este, até o momento, não possui qualquer informação sobre avanço, e permanece sob segredo de Justiça.

Algumas questões explicam o encaminhamento do caso e seus ritmos. “Nesta situação, já há a identificação dos policiais, mas existe um elemento principal necessário para o processo começar de fato, que é a prova da materialidade. Nós temos indícios de autoria, mas falta a    materialidade, que é encontrar o corpo do Jonas, ou algum material que ajude a caminhar”, explicou Lira. Entretanto, em situações de desaparecimento como este, é possível que o trâmite prossiga: como foi o emblemático caso de Davi. “Ninguém encontrou o Davi, mas foi oferecida a denúncia e o caso vem tramitando. Inclusive já na possibilidade de ir à júri, e já existe um réu preso”, reforça o advogado.

Davi da Silva desapareceu em 25 de agosto de 2014, ao ser colocado dentro de uma viatura da Polícia Militar. A única testemunha do caso, Raniel Victor Oliveira, foi encontrado morto meses depois. Em setembro deste ano, os militares Carlos Eduardo Ferreira dos Santos, Vitor Rafael Martins, Nayara Silva de Andrade e Eudecir Gomes foram pronunciados para o júri.

“O caso de Jonas caminha no mesmo direcionamento do Davi. Pode ser que venha a ter prisão preventiva, mas para isso acontecer é preciso a conclusão do inquérito para ser conduzida ao Ministério Público e ele decida o que vai fazer”, explica.

Ainda segundo o advogado,o medo permaence,  inevitavelmente com medo da própria polícia. É uma luta difícil e grande, mas houve uma evolução”, relata o advogado, acrescentando que nesta quarta-feira, após reunião com a Secretaria de Direitos Humanos, foram designados atendimentos psicológicos para a mãe de Jonas, Neide Seixas, e a esposa, Angélica Maria.

 Suporte psicológico e material para a família

“Cada dia a preocupação aumenta, a angústia vai aumentando, em não termos notícia se está vivo. Não sabemos se liberaram com vida, se fizeram alguma coisa com ele. Essa é a pergunta que não cala. Se ele estivesse vivo, já teria dado algum telefonema para a família, ou para mim mesmo ou para a mãe, que ele sabe o número. Falar que foi abandonado em um viaduto é fácil. Ninguém sabe quais as condições que foi jogado lá.  Mesmo porque a Central de Flagrantes é no Farol”, relata Angelica. “As informações são desencontradas. Eu não desejo vingança jamais. Tudo o quero é resposta, que falem onde ele está”, reforça.

A preocupação se soma às necessidades mais urgentes da família. Em meio às buscas por Jonas, a dificuldade de conseguir trabalho se acentua ainda mais para Angélica. Ainda no primeiro mês, foram feitas campanhas de arrecadação de alimentos e recursos. “Não gostei da ideia da campanha, porque fico com medo que as pessoas achem que estou me aproveitando da situação. Sou jovem, tenho 32 anos, e posso trabalhar. E estou procurando muito trabalho, estou procurando o tempo inteiro, mas não tem aparecido nada”, comenta.

A situação vem se dificultando em razão da dificuldade de encontrar trabalho. “Não gosto de pedir. E como o caso do Jonas vem tendo repercussão, acho que o povo fica com receio de me chamar. O que sei é trabalhar com limpeza e como babá. Muita gente me conhece, mas fica com receio. Outras pessoas muito boas não querem também por conta da Covid, porque são pessoas idosas e não estão recebendo nem mesmo pessoas da família. Mas eu estou procurando, estou batalhando”. Quem quiser contratar Angélica pode entrar em contato pelo telefone e WhatsApp 82 91371186.

Mais gente perguntando, mais perguntas sendo feitas

A primeira vez que Angélica perguntou para onde os policiais militares levariam Jonas, ele ainda estava lá, dentro de uma viatura na Grota do Cigano, em uma operação ilegal, sem mandado, e sem qualquer chance de ser impedida. Os militares responderam que o conduziriam à Central de Flagrantes – o que também nunca aconteceu. Os fatos vêm sendo repetidos, recapitulados, quantas vezes sejam necessários. Mas além disso, também vem se multiplicado.

Hoje, além de Angélica e de Neide, da família e da comunidade, todo o estado já ouviu de algum lugar a pergunta “Onde Está Jonas”. Mesmo em meio a uma pandemia, um protesto simbólico ocorreu na última quarta-feira, 09, no Calçadão do Comércio. De acordo com a jornalista Lenilda Luna, militante da UP, existem alguns pontos:

“É uma questão que nos preocupa porque não é um fato isolado. Se fosse, já seria muito sério. Mas é ainda mais grave porque é recorrente. Há vários casos no Brasil de violência policial e de desaparecimento de pessoas que estavam sob guarda da polícia. O desaparecimento é muito doloroso”, comentou. Lenilda associa ainda aos desaparecimentos de pessoas ocorridos durante o período de regime militar: contextos distintos, dores semelhantes.

“Acompanho os comitês pela memória, verdade e justiça, desde o início de minha militância. Uma das questões que são mais dolorosas para quem sobreviveu à ditadura é não saber o paradeiro de parentes. Temos um caso emblemático que é Jayme Miranda, que é uma violência relacionada à ditadura, é política e é policial. Mas a violência policial acontece todos os dias e para uma mãe, como a Neide, é a mesma coisa. Não saber o que aconteceu, ou se está vivo ou está morto meu parente? Ou se está trancado em algum lugar? O desaparecimento deixa uma chaga no peito de vários familiares”, afirmou.

A pergunta sobre o paradeiro de Jonas hoje vem acompanhada com tantas outras mais. Uma vez que os policiais foram identificados, por que tão pouco se sabe sobre o avanço da investigação, mesmo dois meses depois? Se todo o procedimento foi feito de forma ilegal – desde a falta de mandado para abordagem até o sumiço – por que os policiais permaneceram trabalhando até, pelo menos, o dia 7 de dezembro? Qual o controle que a guarnição responsável possui sobre os trajetos efetuados pelos policiais dentro de viaturas? Quanto tempo a mais a mãe, a esposa, e os filhos de Jonas deverão suportar uma espera enquanto os que detêm a resposta são reconhecidos e permanecem livres?

A Secretaria de Segurança Pública do Estado informou, por meio de assessoria, que “está acompanhando o caso e a investigação interna que vem sendo realizada pela Polícia Militar, e espera que as devidas providências que o caso requer sejam adotadas a fim de esclarecer o fato.”

A Polícia Militar e Polícia Civil também foram buscadas pelo nosso Portal, mas não houve retorno às ligações. A Mídia Caeté também efetuou alguns questionamentos direcionados à PM via Lei de Acesso à Informação, cujo prazo seria até 7 de dezembro. Entretanto, segundo atualização mais recente, houve prorrogação da resposta para o dia 19.

 

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