Editorial: Apoio mútuo pode romper falsa ideia de que não há escolhas para trabalhadores

Que a história nos inspire.
Share on facebook
Share on twitter
Share on pocket
Share on whatsapp
Ônibus lotado no Benedito Bentes, em Maceió. Abril de 2020. Foto: Cortesia/ Start Filmes

As ruas já estão recuperando a movimentação. Lojas e mercados aglomeram, ônibus lotam. Enquanto profissionais de saúde lançam vídeos sinalizando o colapso do sistema de saúde, empresários alagoanos organizam mais uma carreata reivindicando a ilusória e já batida “quarentena vertical”. Querem que as pessoas voltem a trabalhar. Quando Alagoas começa a atingir seu pico da pandemia do Coronavírus, contraditoriamente o Estado flerta com o afrouxamento da quarentena– seguindo uma tendência de todo o país. O isolamento em questão se expressa em relação às possibilidades de enfrentamento. Todos se sentem sozinhos, sem escolha.

Por trás das campanhas de #FiqueEmCasa, há de fato quem não tem essa opção. Entre as categorias que desempenham serviços essenciais, como as áreas de saúde, limpeza urbana, ou fornecimento de alimentos, o desafio de lidarem com os riscos inevitáveis de contaminação se soma à falta de fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados, e à negligência de parte da população que vai para a rua sob encantamento dos bobos da corte. Fantasiados, eles minimizam, escarneiam e proliferam um abominável “E daí” para mais de 5 mil mortes no país, e 53 confirmados em Alagoas hoje. Assim, 22 de 27 unidades da federação relaxaram no isolamento, segundo levantamento do GLOBO de Mobilidade Comunitária. Apenas estados já em colapso estão prosseguindo com o isolamento.

Graças às pressões empresariais e políticas, os serviços ‘essenciais’ se estendem cada vez mais – Bolsonaro realizou nova ampliação da lista há dois dias. Os trabalhadores são endereçados para as ruas, submetidos à transmissão do Coronavírus, no caminho para o trabalho, do trabalho para a casa, nas filas para conseguir um Auxílio Emergencial. Fora da oficialidade, a “quarentena vertical” já está acontecendo – e não está funcionando.

O que mostra sua queda livre é a curva dos direitos trabalhistas- sistematicamente retirados. Funcionários têm contratos suspensos, redução de salários, e a segunda opção vira ordem: a informalidade explode no país e em Alagoas. Para evitar o extremo da situação de fome, interpõem uma busca por trabalhos autônomos e jogam suas chances de sobrevivência em serviços de entrega, fornecimento de alimentos.

Toda a negação de direitos impulsionada por essas medidas provisórias, todo o afrouxamento do isolamento em novos decretos, todo o sistema que instrumentaliza a desinformação para mobilizar as elites e desmobilizar os que trabalham, são golpes coletivos, e não podemos deixá-los acortinados por esta falsa ideia de que a solução deve ser buscada de forma individual. Nossas palavras conversam hoje com aqueles que trabalham ou que, sem possibilidade de trabalhar, passam maus bocados. Aos que trabalham em casa ou na rua, na repartição, no campo, na cidade, ou nos trajetos, a gente reconhece: está fragmentado, desarticulado, mas esse grupo majoritário a que chamamos “trabalhadores” possui uma potência e uma solidariedade cruciais expressadas nestas iniciativas de apoio mútuo. É um primeiro de maio diferente, contido, mas continua pulsante. E quando o olhar coletivo se aproxima, mesmo à distância, as escolhas de enfrentamento começam a aparecer. Foi assim no século XIX. Que a história nos inspire.

Apoie a Mídia Caeté: Você pode participar no crescimento do jornalismo independente. Seja um apoiador clicando aqui.

Recentes