JHC visita obra de alargamento de praia em SC; especialistas alertam sobre impactos ambientais

Prefeito de Maceió, JHC (PSB), acompanhou atividade em Balneário Camboriú (SC) e postou nas redes sociais; Prefeitura afirma que foi apenas uma visita
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O último relatório apresentado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em agosto, apresentou os riscos dos impactos climáticos e ambientais no mundo. O documento chegou a ser classificado pelo secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, como “um código vermelho para a humanidade”.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), em sua resolução 001/86, categoriza impacto ambiental como “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o bem-estar da população”.

Embora os impactos da atividade do ser humano na natureza sejam um tema de suma importância, o Brasil tem ido na contramão dessa perspectiva. É o que acredita a ativista política Greta Thunberg, que ressaltou a sua indignação durante uma sessão temática do Senado Federal, na última semana.

Greta Thunberg critica política ambiental brasileira. | FOTO: Divulgação / Agência Senado

“As coisas que os líderes do Brasil estão fazendo agora são completamente vergonhosas. Especialmente à luz da maneira como vem tratando os povos indígenas e a natureza”, afirmou a ativista.

Mesmo com os alertas, algumas obras têm chamado a atenção pela maneira como interferem no meio ambiente. Recentemente, a cidade de Balneário Camboriú (SC) ganhou os noticiários graças ao alargamento da faixa de areia da Praia Central, na orla do município.

O projeto pretende, segundo a prefeitura de Balneário, triplicar o tamanho da área sob o argumento de proteger a orla contra o avanço da marés e permitir um espaço de lazer aos moradores e visitantes. 

Em um vídeo postado nas redes sociais, o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PSB), visitou a obra supracitada para conhecer o projeto. No vídeo, é possível ver as atividades em andamento e ainda ouvir relatos do prefeito de Balneário Camboriú, Fabrício Oliveira (PODEMOS), e do engenheiro responsável.

POSSÍVEIS IMPACTOS AMBIENTAIS

Especialistas alertam que obras dessa magnitude podem trazer impactos grandes para a natureza. O CEO Ambiental da Startup Coletivo Enxame, Alonso Netto, também pensa dessa forma.

“Os impactos ambientais de uma obra assim são gigantescos. Mudar a paisagem natural, de antemão, já pressupõe alterações negativas, devido a todas as modificações das biotas, das comunidades existentes e das espécies endêmicas”, diz o ambientalista.

No final de agosto, centenas de conchas surgiram na areia da Praia Central da cidade catarinense. Em depoimento para o Portal G1 (SC), o professor de Ecologia e Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Paulo Horta, disse que o ocorrido tem relação com a obra de alargamento da área. Ainda de acordo com o professor, tudo indica que os moluscos vieram junto com a areia extraída.  

Conchas na praia em Balneário Camboriú. | FOTO: Dariane Peres/Reprodução

“Eles [moluscos] poderiam já estar mortos. Nesse caso, o que foi dragado foi um banco rico em biodetrito. Caso ainda tenhamos sinais de moluscos [vivos], pode ter sido dragado um banco com uma agregação. Precisa ser verificado se é uma mortalidade recente ou se estamos falando de algo diferente”, explica Horta na reportagem.

E complementa: “Além destes invertebrados, o monitoramento deve considerar a saúde de peixes, briozoários, algas, bem como a segurança alimentar de pescados ou frutos do mar. A dragagem revolve o sedimento e pode expor poluentes diversos, como metais pesados. Em elevadas concentrações, esses metais se concentram em peixes e moluscos, podendo representar risco para a saúde humana”.

Uma pesquisa publicada na revista científica Nature Ecology & Evolution abordou as consequências da intervenção humana nos ecossistemas. 

“As consequências da mudança no deslocamento dos animais podem ser profundas e levar à redução da aptidão, menores chances de sobrevivência, taxas reprodutivas mais baixas e até mesmo extinção. (…) Por isso, a interrupção de um fluxo natural da fauna pode ter impactos negativos em todos os ecossistemas”, frisa o biólogo e pesquisador da Universidade de Sydney (AUS) e principal autor do estudo, Tim Doherty.

Para o ambientalista Alonso Netto, às vezes, as intervenções não são as soluções adequadas para aquelas flora e fauna em questão e exemplifica.

“Imagine, por exemplo, que tenhamos um ciclo de tartarugas, que vêm colocar seus ovos em um certo período de tempo. Esses animais seguem uma orientação biológica e só vão botar ovos onde nasceram. Se aquele local for mudado, os animais vão perder a referência natural. O prejuízo é justamente a mudança de rota de tartarugas, aves migratórias e peixes. E ainda temos os mangues e as fozes de rios importantes”, ressalta.

POSSÍVEIS IMPACTOS GEOLÓGICOS

Para professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e líder do Grupo de Estudos Integrados ao Gerenciamento Costeiro (GEIGERCO), Henrique Ravi, qualquer obra que altere o estado morfodinâmico costeiro trará impactos geomorfológicos, tanto na plataforma continental rasa, como na zona emersa do litoral. 

Professor Henrique Ravi. | FOTO: Arquivo pessoal.

Henrique é doutor em Geociências pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e explica que essas duas regiões precisam estar em constante equilíbrio. Caso contrário, efeitos adversos podem ser intensificados em determinadas regiões, como a erosão costeira e a alteração do bioma marinho.

“O processo de engordamento de uma praia é um procedimento complexo, o qual exige a realização de estudos prévios de impactos ambientais. Os mesmos devem ser realizados por profissionais especializados em várias áreas do conhecimento. Dentre os quais, podemos citar os oceanógrafos, biólogos marinhos, geólogos, engenheiros e outras especialidades que se venham a fazer necessário”, afirma. 

Henrique Ravi diz que temos que pensar que vivemos em um ambiente que se mantém em equilíbrio sedimentar constante, resultado do balanço entre a erosão e deposição. E alerta: “Se alteramos o sistema de transporte e deposição dos sedimentos, estaremos alterando a hidrodinâmica e o estado morfodinâmico deste sistema”.

O professor explica ainda que uma obra de engordamento pretende evitar que as ondas arrebentem diretamente na face da praia e removam sedimento da costa e faz um paralelo com a preservação ambiental.

“A quebra das ondas se dará bem antes e – por consequência – diminuirá a erosão na região do engordamento. Sobre a proteção do meio ambiente, a praia engordada estará protegida temporariamente da erosão, porém os sedimentos ali depositados trarão algum impacto à natureza, seja flora ou fauna marinha e emersa”, esclarece Henrique. 

E completa: “Um exemplo de possível impacto ambiental está sobre os recifes de corais. Desta forma, não se pode trazer proteção do meio ambiente, mas sim proteção e manutenção da posição da linha de costa atual”.

POSSIBILIDADE DE IMPLANTAÇÃO EM MACEIÓ

Segundo o ambientalista Alonso Netto, é necessário saber os locais da orla onde hipoteticamente a obra seria realizada, por ser uma cidade que necessita de uma dragagem constante. Para ele, não é aconselhável que ocorra esse processo em toda a costa e reforça a relevância da participação popular e de órgãos competentes na decisão.

Caso o projeto seja realmente implementado, creio que ele deva ser pensado democraticamente – com audiências públicas expositivas – juntamente com órgãos que monitoram o meio ambiente, com as prefeituras comunitárias, com associações de bairros, com as Centrais Únicas das Favelas (CUFA), uma vez que a região litorânea está diretamente ligada à atividade pesqueira”, comenta. 

Alonso lembra que Maceió tem características bem diferentes das praias de Balneário Camboriú, que existem formas alternativas baseadas na natureza e alerta sobre o risco da elevação do nível das marés, causadas pelo aquecimento global.

CEO da Startup Enxame, Alonso Netto | FOTO: Arquivo pessoal

“O grande ponto é o aquecimento global, que eleva o nível das marés, e em Maceió está faltando a mata ciliar da praia. Vivemos em uma cidade que necessita de engenharias mais inclusivas. Precisamos plantar novamente o mangue e as plantas nativas em áreas de risco socioambiental. Falta um diálogo entre as pessoas que fazem políticas públicas ambientais, a Prefeitura e o Governo do Estado”, afirma.

O engenheiro agrimensor Henrique Ravi também faz menção ao perigo do aumento das marés e aponta a influência do homem em tal processo.

“Fomos nós que invadimos o litoral e impedimos que as marés e as ondas pudessem atuar naturalmente e manter o transporte sedimentar em equilíbrio. O que estamos tentando fazer é barrar a ação do mar sobre a costa. E isso é possível, porém de forma temporária, pois o mar sempre permanecerá buscando o espaço que lhe pertence”, pontua. 

Ravi também cita que a engorda da faixa de areia é o método mais eficaz sob uma perspectiva mais ampla – por cobrir uma extensão maior da costa – mas recorda que é uma solução temporária e que carece de manutenção ao longo do tempo. O professor frisa que uma obra dessa magnitude pode alterar as paisagens de Maceió como conhecemos hoje.

“Principalmente as paisagens marinhas, como o soterramento dos corais que afloram durante a maré baixa. Outra alteração possível está no incremento do transporte eólico, pois, com o alargamento da praia, teremos maior disponibilidade de sedimentos, os quais poderão ser transportados para a região continental (pós-praia), causando transtornos pelo acúmulo de sedimentos em forma de dunas”. 

Por meio da sua assessoria de imprensa, a Prefeitura de Maceió respondeu em nota.

“A Prefeitura de Maceió informa que o prefeito esteve apenas em uma visita. Não foi definida nenhuma intervenção na orla da capital seguindo os parâmetros de Balneário do Camboriú”. 

A Mídia Caeté entrou em contato ainda com o Instituto do Meio Ambiente (IMA) – também através da assessoria de imprensa – porém os questionamentos não foram respondidos até a publicação desta reportagem. 

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