Negros são 82,7% dos desaparecidos registrados em Alagoas, segundo FBSP

Entidades e referências em Direitos Humanos atentam para invisibilidade do problema
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Jovens negros são os que mais desaparecem no país, com 54, 3% dos casos, mas Alagoas consegue superar o percentual nacional, alcançando 82,7% dos registros de desaparecidos entre pretos e pardos. Os dados foram divulgados pelo Mapa dos Desaparecidos do Brasil, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cujo relatório aponta sérias preocupações, como a implementação deficitária da legislação, além da própria condição de invisibilidade em relação à gravidade do problema em âmbito nacional.

As situações que ganham notoriedade são pontuais. Ainda em seu início, o relatório exemplifica como os casos de ampla repercussão geralmente fazem referência a pessoas brancas, como foi o desaparecimento da milionária Dana de Teffé, em 1961, e o menino Carlinhos, sequestrado em 1973. Apesar disso, autoridades em Direitos Humanos, o Ministério Público Estadual, e o próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública atentam como os casos cotidianos que afetam profundamente milhares de famílias em todo o país geralmente vêm sendo negligenciados, seja pelas instituições, imprensa ou sociedade de modo geral.

Dados Nacionais do Mapa dos Desaparecidos . Fonte: Relatório do Mapa/ FBSP

Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Pedro Montenegro retrata como o recorte racial chamou atenção imediata em todo o estudo. “Nas entrevistas com representantes dos Ministérios Públicos e com peritos, se percebe o quanto este componente está presente, uma vez que negros são os que mais desaparecem. Além disso, embora brancos tenham a menor proporção entre os desaparecidos, também são os mais localizados. Pode-se deduzir como são operadas as investigações dessas pessoas, as causas do desaparecimento”, avalia.

Para Montenegro, este resultado não se desvincula de uma série de outros dados que envolvem a questão racial no país. “Denota mais uma vez a forte presença do racismo na sociedade alagoana, que já atravessa todos os tipos penais, como homicídio, feminicídio, abuso sexual, e agora mais um vez quando retratamos sobre o desaparecimento forçado. Tudo isso implica na constatação de como políticas públicas generalistas não resolvem estes problemas, e sim políticas públicas centradas em questões raciais como fundamentais para desbaratar estes casos”.

Dados Nacionais do Mapa dos Desaparecidos . Fonte: Relatório do Mapa/ FBSP

Desaparecimento e invisibilidade

Além da constatação de como a desigualdade racial se expressa nos dados do Mapa, outros debates são verificados. “A primeira questão é a invisibilidade. Há uma média diária muito grande de desparecimentos, de cerca de 183 pessoas por dia. Ainda assim, não há um tipo penal para este caso. Esta problemática é tanta que há dois projetos de lei, um no Senado e outro na Câmara, que falam do desaparecimento forçado, uma vez que quando se tipifica um caso é sempre trazendo por outro crime, como sequestro seguido de morte, mas tipo penal mesmo não existe”.

Em Alagoas, há exemplos significativos, como o caso de Jonas Seixas. A despeito do avanço no processo judicial que responsabiliza os militares, familiares seguem sem saber o paradeiro da vítima. Leia a reportagem completa da Mídia Caeté sobre o desaparecimento forçado de Jonas neste link. 

Entre as formas de desaparecer, o Fórum Brasileiro de Segurança recomenda a adoção de três tipos utilizados pelo Ministério Público de São Paulo. São eles: o desaparecimento voluntário, quando uma pessoa adulta resolve sair e se afastar sem qualquer aviso, por vontade própria; o involuntário, quando se trata de uma pessoa afastada e incapaz de reagir, como criança, adolescente, pessoa com doença mental ou ´vítima de algum acidente ou desastre; e, finalmente, o desaparecimento forçado, quando a pessoa – sendo capaz ou incapaz – é afastada contra sua vontade em uma situação de conflito, violência, grave ameaça, fraude ou outro tipo de coação.

Pedro Montenegro, associado sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, alerta para desigualdades raciais em desaparecimentos. FOTO: Caio Loureiro (Dicom TJ)

Pedro Montenegro retrata como a gravidade da condição de pessoas desaparecidas no Brasil foi pautada a partir de um alerta internacional. “Em 2017, a Cruz Vermelha Internacional, uma organização que atua em países com altos índices de conflitos externos, em condição de guerra, procurou o Fórum Brasileiro de Segurança Pública com essa informação de que o número de desaparecimentos no Brasil é muito significativo, sobretudo para um país que não estava em guerra interna ou externa. Foi então que encomendou uma pesquisa sobre o tema”, relatou.

Os dados foram reunidos a partir de Boletins de Ocorrência, embora o Fórum alertasse sobre as limitações na reunião de informações, em razão da subnotificação. “Nem todas as situações são comunicadas. Muitos casos que acontecem em cidades que não há sede de Polícia Civil, muitos também por falta de credibilidade”, explicou Montenegro. ” Chama a atenção que em 26% dos registros a raça/cor não foi descrita no boletim de
ocorrência, uma informação primordial para o processo de busca e investigação”, diz.

Para tentar reduzir este problema, e tornar a pesquisa mais exata, além dos B.Os, também foram efetuadas entrevistas com policiais civis, peritos e promotores de justiça com expertise no assunto. O objetivo é retratar a problemática em um mapa que destrinche: quem são as pessoas que desaparecem cotidianamente, o registro de seu desaparecimento por familiares ou amigos, os bancos de dados de desaparecidos e o trabalho policial de localização.

Protocolo em Alagoas

As dificuldades para levantar estes dados são demonstradas, de início, a partir da condição de subnotificação de casos. No entanto, ainda há outro problema: Montenegro atenta como o estudo também levanta questionamento sobre ausência de um procedimento operacional padrão, que cruze os dados e auxilie no estabelecimento de perfis e numa solução mais rápida.

“O Fórum recomenda a aplicação da Lei 13.812 de 2019, que estabelece diretrizes e possui um artigo indicando que a União implemente e os Estados adotem procedimentos específicos para desaparecimentos de pessoas, inclusive com a previsão de um fundo de segurança pública de modo a incentivar estados que ainda não tenham o protocolo, para que possam aderir”, explica.

Em Alagoas, desde 2018, o Ministério Público de Alagoas iniciou o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID), criando uma rede de busca imediata. Responsável pelo PLID, a promotora de Justiça Marluce Falcão explica como o Programa se integra no Sistema Nacional de Identificação e Localização de Desaparecidos (Sinalid), de modo a integrar um cadastro nacional.

“No protocolo de busca de Desaparecidos, o primeiro passo é o Boletim de Ocorrências. Em Alagoas, foi firmado um Termo de Cooperação com a SSP/AL possibilitando o repasse dos Boletins de Ocorrência por Desaparecimento ao PLID/MPAL. De posse do BO, o PLID-AL analisa o caso e entrevista parentes acerca das circunstâncias do Desaparecimento. Em se tratando de crianças, adolescentes, idosos e vulneráveis a busca é imediata ou quando as circunstâncias recomendem”, explica.

A promotora também desfaz o mito sobre o conhecido “tempo mínimo de desaparecimento” para efetuar o registro. “Na verdade, esse prazo nunca existiu. E hoje a lei deixou muito claro”, afirmou. A legislação em questão pode ser acessada, na íntegra, clicando aqui. 

Atualmente, o Sistema Sinalid acompanha cerca de 80 mil cadastros de desaparecidos. “Cada cadastro corresponde uma sindicância, com juntada de autos para identificação da pessoa, e caso ocorra situação de não-localização, há ainda registro de banco de DNA, que é da polícia científica”, explica.

Os dados do SINALID, operados dentro do site do Ministério Público, indicam um total de 1423 pessoas desaparecidas em Alagoas, com a 81,22% deste contingente negro – sendo 76,06% identificados como pardos e 5,16% identificados como pretos. A comparação também se mantém consideravelmente superior à média nacional, que está em 55,82%.

Promotora de Justiça Marluce Falcão, responsável pelo PLID em Alagoas. Foto: Ascom/MPAL

Ao demonstrar como ter acesso aos dados, a promotora de Justiça reitera os desafios demonstrados pelo Fórum, como a subnotificação. Neste sentido, há uma diversidade de situações. “Nem todo B.O feito na Polícia Civil corresponde a uma sindicância no PLID, por uma série de situações. Quando o registro é feito no interior, e aí muitas vezes o B.O não chega ao MP, por não haver interabilidade no sistema. Há ainda situações, quando tomamos informações obre o B.O, em que não houve a formalização de um procedimento investigatório da Polícia Civil, e o PLID já consegue encontrar .Já em alguns casos, há só o Boletim de Ocorrências sem maiores dados ou informações que possam nos ajudar”, menciona.

Para além dos subregistros, vem ainda a necessidade de analisar os dados cientificamente. “Este ano, o Ministério Público de Alagoas criou o Observatório de Direitos Humanos, que tem finalidade de estudar cientificamente causas importantes para os Direitos Humanos. Uma delas é o fenômeno do desaparecimento, para entender cientificamente como se dá. Vamos fazer convênios com organizações que queiram trabalhar cientificamente com dados que possuímos, para que possamos mapear em Alagoas essas causas do desaparecimento, e influir na realização de políticas públicas”, explica.

“Há dados que informam mas não explicam. Portanto, é necessário trabalhar para entender como se dá esse desaparecimento em Alagoas”. Segundo a promotora, durante a pandemia, houve bons resultados. “Tivemos atuação impressionante, principalmente com casos de pessoas internadas sem identificação, muitas que chegavam a óbito. O PLID fez todo o processo dessa identificação e localização de familiares”, cita.

“É algo que precisa ser desenvolvido, e fundamentado em política pública do governo brasileiro. A imprensa também tem papel fundamental que precisa tirar da sombra essas cifras. Em Alagoas, não ficamos fora dessas estatísticas negativas. Diariamente recebemos casos, principalmente com vulneráveis, como crianças, adolescentes, idosos e pessoas com alguma deficiência ou doença mental”, afirma.

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