O primeiro ano da Mídia Caeté

Em um 2020 caótico, tivemos que brigar para reafirmar o nosso espaço. O que esperar de 2021?
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Há exatamente um ano demos o nosso primeiro passo e sentimos na pele a necessidade de nos reafirmarmos para conseguir conquistar espaços. Espaços estes que fogem, em parte, da própria definição etimológica da palavra, pois desde o primeiro momento procuramos atravessar essa extensão limitada e de falso conforto a qual nos colocamos.

Pedindo a você a licença poética e editorial que o chavão desgastado pode trazer, em 23 de dezembro de 2019 caiu a primeira gota de água em um copo que não estava nem meio cheio e nem meio vazio, pois não havia uma estrutura mínima para existir, sequer, um copo. E como “no mundo uma bala matou uma ideia”, seguimos.

Sem usar o eufemismo de “desafiador”, podemos colocar nos termos: 2020 foi um ano caótico. Dessa vez os demônios pessoais passaram a dividir espaço com grandes problemas sociais. Aliás, a visibilização desta demandas demonstraram, para quem tem o privilégio de não sentir na pele, o quanto a retirada de direitos entra nas casas e atinge a população intimamente, dentro das casas, nas ruas, no campo, em seus locais de trabalho ou justamente sob a falta deles.  

Para nós, a pandemia foi e ainda é, uma novidade que jamais veio desacompanhada. Em 12 meses tivemos aumento da concentração da riqueza convivendo com a negação de recursos mais básicos, e um atrasado e constantemente ameaçado auxílio emergencial. Sofremos a performance de um presidente que ignorou sistematicamente todas as recomendações sanitárias, direcionando para a população a escolha entre padecer “de Covid ou de fome”. Empresários foram às ruas contrariando o isolamento social. A reforma trabalhista, que completou três anos, demonstrou o quanto abocanhou a fragilização de empregos e não houve a quem se recorrer. Artistas e profissionais liberais também ficaram encurralados pela falta de trabalho. Pescadores que foram retirados de suas casas também perderam grande parte do controle de seus trabalhos, em nome da construção de elefantes brancos, e, por fim, a violência latifundiária no campo, mais uma vez. 

Discursos de ódio potencializados no Palácio entranharam nos cotidianos de um país que reproduz o racismo estrutural. O racismo que matou o Beto e o João Hélio, também vitimou um jovem que sofreu tortura por horas no G Barbosa, e hostilizou uma professora que sofreu ataque da chefe dentro de uma sala de aula. Direitos reprodutivos também foram postos em ainda maior perigo, com portaria que gera uma série de medidas hostis contra mulheres que buscam abortamento legal, com médicos e religiosos brigando para que enfermeiros não tivessem direito de inserir um DIU em pacientes. No mais, a LGBTfobia continuou protagonizando as mortes da população LGBTQIA+, com subnotificação da violência sofrida, travestis sofrendo agressões em estabelecimentos privados.

A subnotificação também despontou nas mortes e casos relacionados à Covid-19. O “cidadão de bem” da classe média-alta, aquele que acha que é rico, ainda consegue mobilizar outros sujeitos para propagar o discurso que vê como oportuno, porém importado, seja do fascismo escancarado, seja no tom do neoliberal “isentão”. É confuso, e a ideia é que seja mesmo.  Mais uma vez, a desinformação foi um instrumento cruel: se socialmente causou tantos estragos,  em nosso trabalho culminou no ‘novo normal’ de jornalistas sofrerem agressões ainda mais legitimadas no exercício da profissão; profissionais da saúde esgotados para cuidar de uma sociedade que não se cuida, ou que não pode se cuidar. 

E, achando pouco tudo isso, as eleições municipais supostamente “pausaram” a Covid-19 e não foram poucas as aglomerações orgulhosamente registradas nos guias eleitorais. Se 2020 fosse uma música, para mim, ela seria “Roda Morta”, do capixaba Sérgio Sampaio.

E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais
Eu mesmo e o mundo dos salões coloniais
Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás”

Seria mais leve falar que 2021 vai ser um ano melhor. Apesar de todas as oportunidades que se abrem todos dias, elas não se abrem apenas para as coisas boas. Verdade que, neste ano, as eleições trouxeram um termômetro de maior visibilidade positiva para sujeitos que despontam um discurso mais igualitário, como Guilherme Boulos, Manuela d’Ávila e outros da “nova esquerda”, mas nas urnas as respostas foram diferentes.  Além do mais, o saldo não representou sequer uma redução na secundarização que é dada a movimentos que lutam por direitos cotidianamente, isso quando não são criminalizados, ou invisibilizados pela ausência de espaço. 

Nós só conseguimos falar de todos esses assuntos citados acima porque estivemos lá, em meio às dificuldades, buscando vozes coletivas. Cada uma delas só foi possível porque você, que chegou até aqui, também fortaleceu com retorno a todos que compõem diretamente à Mídia Caeté. Em 2021, iniciamos o pontapé formalizados, com uma sala de redação e o sentimento de que, agora sim, começamos para valer:  queremos ampliar ainda essas coberturas e consolidá-las. Nosso compromisso é intensificar a  produção, aprimorando nossa qualidade e mantendo a independência, o foco e a vigilância nos direitos e nos poderes. Ano que vem, no próximo aniversário, espero que o nosso papo seja diferente. Até lá, tenhamos sempre em mente “que o passado é uma roupa que não nos serve mais”, mas que é bom vê-lo constantemente para sabermos bem escrever o presente quando o vemos. 

Estamos por aqui, e estimamos que se cuidem,

Equipe Mídia Caeté

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